Os depoimentos das testemunhas de acusação e defesa dos 8 réus no processo que apura uma tentativa de golpe do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) terminaram nesta segunda-feira (2) com 52 pessoas ouvidas.
Bolsonaro é acusado de liderar uma organização criminosa que teria atuado para manter de forma ilegal o ex-presidente no poder, mesmo após derrota nas urnas em 2022.
As audiências foram conduzidas pelo relator da ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Alexandre de Moraes, e realizadas por videoconferência.
Com o fim dos depoimentos das testemunhas, Moraes marcou para 9 de junho o início dos interrogatórios dos réus dessa ação penal, os integrantes do chamado “núcleo crucial” da trama golpista.
O ministro do STF também deve pedir à Procuradoria-Geral da República (PGR) e às defesas que informem se querem a produção de novas provas para esclarecer os fatos. Os advogados podem requerer perícias e acareações, por exemplo.
Nos depoimentos, as testemunhas confirmaram a realização de uma reunião, no Palácio da Alvorada, em que foi discutida com Bolsonaro uma ideia de ruptura democrática.
Também ouve momentos tensos na série de audiências, em que Moraes deu bronca em um dos depoentes e ameaçou prender o ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo.
Moraes ameaça mandar prender Aldo Rebelo por desacato em depoimento
Blitz nas eleições
Testemunha de acusação indicada pela PGR, Adiel Pereira Alcântara, ex-coordenador de inteligência da Polícia Rodoviária Federal (PRF), afirmou em depoimento que ouviu uma ordem do então diretor de operações da PRF, Djairlon Henrique Moura, para que a inteligência do órgão atuasse para reforçar abordagens de ônibus e vans durante as eleições de 2022.
A orientação da chefia era que a PRF deveria “tomar um lado”, por determinação do diretor-geral.
A ordem para as abordagens partiram do Ministério da Justiça, segundo Djairlon, que faliu na ação penal na condição de testemunha de defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
Ele confirmou que as blitz tinham como alvo ônibus saídos de São Paulo e do Centro Oeste com destino ao Nordeste, mas negou que houvesse intenção de fiscalizar eleitores para fins políticos.
Bronca de Moraes
O general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, amenizou durante as audiências uma versão que havia apresentado à PF em relação à trama golpista.
À polícia, Freire Gomes havia dito que esteve em reunião, no fim de 2022, em que o ex-presidente Jair Bolsonaro falava em golpe de Estado.
Freire Gomes relatou à polícia que o então comandante da Marinha, almirante Garnier Santos, tinha concordado com planos golpistas. No depoimento ao STF, no entanto, Freire Gomes afirmou que não viu “conluio” por parte de Garnier.
Moraes ressaltou que o general, na condição de testemunha, não podia apresentar versões contraditórias sobre os fatos e alertou sobre as consequências de mentir no depoimento.
“Ou o senhor mentiu na polícia ou está mentindo aqui no STF”, afirmou Moraes.
General disse que teria de prender Bolsonaro
Ex-comandante da FAB confirma reunião com Bolsonaro sobre golpe e que general ameaçou pren
O ex-comandante da Aeronáutica Brigadeiro Baptista Júnior confirmou um encontro com ex-presidente Jair Bolsonaro após o segundo turno das eleições em que foi discutida “hipóteses de atentar contra o regime democrático, por meio de algum instituto previsto na Constituição”.
O Brigadeiro foi ouvido como testemunha de acusação da PGR e de defesa dos réus Jair Bolsonaro, do ex-comandante da Marinha Almir Garnier dos Santos, e do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira.
Segundo Baptista Júnior, na reunião com teor golpista, foram debatidos mecanismos como operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), ou implementação de um Estado de Defesa ou de Sítio.
O brigadeiro afirmou que, no encontro realizado na primeira quinzena de novembro de 2022, o então comandante do Exército general Freire Gomes ameaçou prender Bolsonaro, caso o plano fosse levado adiante.
Militar ‘obediente’
Durante as audiências, os advogados do delator e ex-ajudante de ordens Mauro Cid tentaram desvincular o militar de qualquer intenção no plano golpista – e mostrar o delator como um militar “obediente”.
A defesa de Cid questionou as testemunhas sobre participação do militar em questão políticas dentro quartel e sobre respeito a hierarquias na vida militar.
As testemunhas negaram que Cid tenha falado sobre planos golpistas ou estratégias para impedir a posse de Lula em 2023.
O capitão do Exército Raphael Maciel Monteiro disse em depoimento que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro se “abalou” ao implicar colegas de farda e fazia uma defesa “irracional” da sua honra a amigos.
Prisões no ‘acampamento’
Também arrolado como testemunha de Mauro Cid e de Bolsonaro, o ex-comandante do Exército Júlio César de Arruda disse que dividiu com integrantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a decisão de não permitir a prisão imediata de quem estava no acampamento em frente ao QG do Exército em Brasília logo após os atos golpistas do dia 8 de janeiro.
A decisão de prender quem estava no acampamento foi do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal, mas acabou cumprida só no dia seguinte, em razão da resistência de Arruda.
Questionado por Moraes a respeito do episódio, ele disse que agiu para acalmar a situação.
Abin e software espião
PF ouve diretor e ex-diretor adjunto da Abin
O ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) delegado Carlos Afonso Gonçalves Gomes Coelho testemunhou em defesa do deputado e ex-diretor-geral do órgão Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Ele relatou um desconforto de parte da cúpula da Abin ao saber de um procedimento de apuração sobre o software “First Mile”.
A ferramenta permitia rastrear a localização de um cidadão por meio dos dados que o celular dessa pessoa enviava a torres de telecomunicações instaladas nas cidades. O uso do programa está no centro de uma investigação de espionagem ilegal, que ficou conhecido como “Abin Paralela”.
Segundo o delegado, o então diretor do departamento de Operações de Inteligência, Paulo Maurício, foi “agressivo” e “ríspido” ao saber de um procedimento para verificar a regularidade no uso de um software espião pelo órgão.
Ameaça de prisão de testemunha
Moraes repreende Aldo Rebelo, testemunha na ação do golpe: ‘Se não se comportar, será preso por desacato’
O ex-ministro e ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo se envolveu em uma discussão com Moraes que acabou com ameaça de prisão por desacato.
Rebelo falou como testemunha Garnier no processo. Ele foi questionado se o ex-comandante da Marinha teria colocado tropas à disposição de Bolsonaro para levar adiante a tentativa de golpe.
O objetivo da pergunta era checar se, na opinião da testemunha, seria possível o comandante da Marinha mobilizar as tropas sozinho, por decisão unilateral.
Ele ponderou que era preciso considerar o que significa uma “força de expressão” na língua portuguesa. Isso porque, segundo Rebelo, Garnier ter dito que “estava à disposição” não significava literalmente que ele queria dar um golpe.
Moraes rebateu o ex-ministro. Disse que ele não estava na reunião e que não era possível analisar a “força de expressão” naquele momento.
Rebelo afirmou que não admitiria censura e foi repreendido pelo relator: “Se o senhor não se comportar, o senhor será preso por desacato”.
‘Transição pacífica’
As defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro e do general da reserva Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), usaram os depoimentos das testemunhas para tentar demonstrar que não houve resistência à transição de governo para Luiz Inácio Lula da Silva.
Os advogados questionaram os depoentes sobre possíveis orientações para dificultar a transição entre governos. Todas negaram ter recebido qualquer ordem nesse sentido.
‘Não sabia que era investigado’
Uma das testemunhas descobriu durante as audiências que era investigada pelo STF no procedimento que apura o direcionamento das blitz nas eleições de 2022.
O delegado da Polícia Federal Caio Rodrigo Pelim chefiava a área de combate ao crime organizado à época e demonstrou surpresa ao ser informado que era alvo das apurações.
Ele prestou depoimento à Primeira Turma do STF como testemunha de defesa do ex-ministro Anderson Torres.
“Eu tinha certeza que foi como depoente e mais nada. Desconheço qualquer investigação contra minha pessoa”, afirmou.
‘Rainha da Inglaterra’
Moraes ironizou uma das testemunha do ex-ministro e ex-secretário de Segurança Pública do DF Anderson Torres que tentou minimizar a relação de subordinação entre a Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública.
O secretário de segurança, cargo estadual que Moraes já ocupou em São Paulo, comanda as polícias Militar e Civil.
A defesa tentou diminuir o papel de Torres nos ataques de 8 de janeiro. Os advogados questionaram o coronel da PM Rosivan Correia de Souza, sobre se o Comando-Geral da PM estava subordinado à Secretaria de Segurança Pública.
O coronel disse que não. Moraes interveio.
“A relação é de total subordinação. É o secretário de Segurança que comanda a Polícia Militar e a Polícia Civil”, afirmou.
Quando a palavra voltou para Rosivan, ele disse que no Distrito Federal a situação era diferente de outros estados e que havia apenas vinculação e não subordinação.
Moraes ironizou: “O secretário de segurança é uma Rainha da Inglaterra aqui?”
Questionamentos sobre eleições
O ex-advogado-geral da União na gestão Bolsonaro Bruno Bianco afirmou que o ex-presidente perguntou a ele se havia algo que pudesse ser questionado em relação ao pleito de 2022.
Bianco disse que foi interpelado por Bolsonaro em encontro que contou com a presença dos comandantes das Forças Armadas.
Bianco contou que disse ao então presidente que as eleição “havia ocorrido de maneira correta e legal, sem nenhum tipo de problema jurídico”.
‘Triste’ e ‘resignado’
O governador de São Paulo e ex-ministro de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, afirmou que nunca teve conhecimento de qualquer intenção golpista do então presidente Jair Bolsonaro e que ele estava triste e resignado após as eleições de 2022
“Jamais [tive conhecimento de intenções golpistas]. Nunca. Assim como nunca tinha acontecido no meu período de ministério. Nesse período em que estive com o presidente nessa reta final, nas visitas que eu fiz, ele jamais tocou nesse assunto e não mencionou qualquer tipo de ruptura. Encontrei um presidente triste, resignado. Esse assunto nunca veio à pauta”, disse Tarcísio.