No momento em que a colheita nos Estados Unidos avança sem preocupações, investidores voltam os olhares para o início do plantio da safra 2024/25 de soja no Brasil e possíveis impactos do clima sobre a produção. E isso já começa a afetar os preços internacionais.
Os primeiros levantamentos indicam algum atraso no plantio por causa da seca. Mas o cenário pode se alterar se houver chuvas regulares. Hoje, a área plantada de soja no país está em 0,5% do total estimado — a média histórica para o período é de 1,5%, calcula Luiz Fernando Roque, analista de mercado sênior da Safras & Mercado.
“Na primeira semana de outubro está prevista a chegada de chuva na região central do país, que pode melhorar a condição para plantio. O mercado vive um momento especulativo de clima e deve ficar mais nervoso nas próximas semanas”, afirma Roque.
Em Mato Grosso, maior Estado produtor da oleaginosa, 0,27% da área prevista para a safra 2024/25, de 12,6 milhões de hectares, foi semeada até o dia 20, segundo o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea). Um ano antes, a área plantada chegava a 1,82%. Por enquanto, o cultivo está restrito às áreas irrigadas, devido ao atraso no início das chuvas no Estado.
“O que tem trazido preocupação é que não há perspectiva de chuva forte até a primeira quinzena de outubro. É um sinal amarelo para os produtores”, afirma Cleiton Gauer, superintendente do Imea. Se a falta de chuvas se prolongar para a segunda quinzena de outubro, há risco de impacto na colheita da soja e no plantio do milho safrinha no ano que vem.
O Imea projeta que a produção de soja em Mato Grosso na safra 2024/25 deve alcançar 44 milhões de toneladas, alta de 12,78% em relação ao ciclo passado — se o clima ajudar.
No Paraná, segundo o Departamento de Economia Rural da Secretaria de Agricultura do Estado, o plantio atinge 10% da área prevista para a safra 2024/25. No mesmo período do ciclo 2023/24, estava em 16%. A área plantada no Estado deve ficar praticamente estável em relação ao ciclo 2023/24, em 5,8 milhões de hectares.
Com o atraso no plantio, a colheita tem de ser feita em menos tempo, o que eleva o risco de perdas, se houver chuva excessiva no fim da safra. “Mas se o clima se normalizar em outubro, podemos ter uma safra cheia”, afirma Vlamir Brandalizze, consultor da Brandalizze Consulting. A empresa projeta uma safra de 165 milhões a 170 milhões de toneladas no país.
Os analistas ouvidos pela reportagem consideram que, se forem confirmadas as chuvas previstas para a região Central do país na primeira quinzena de outubro, os produtores poderão acelerar o plantio, compensando o atraso inicial, evitando perdas. Qualquer sinal de seca mais longa, porém, terá impacto nos preços. Mas as altas podem não ser duradouras, pois a previsão é de uma produção global de soja maior que o consumo, o que pressiona as cotações para baixo.
Estados Unidos
Nos Estados Unidos, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) , a colheita já ocorreu em 13% da área plantada de soja, e 65% das lavouras estão em condições boas ou excelentes — mesmo nível apresentado na semana passada.
“Há um certo consenso de que os Estados Unidos vão colher uma boa safra. O mercado começa então a olhar mais para América do Sul e Brasil”, afirma Francisco Queiroz, analista da Consultoria Agro do Itaú BBA. Na avaliação de Queiroz, o clima muito seco e quente no Centro-Oeste deve se traduzir em atraso no plantio.
Ana Luiza Lodi, especialista de inteligência de mercado de grãos da StoneX, diz que o aumento do risco de perda de produção no Brasil por causa do clima pode elevar os preços da soja. Esse movimento tende a ser acentuado pela ação de especuladores. “Os fundos especulativos têm uma posição líquida vendida em Chicago de 122 mil contratos. É uma posição vendida muito grande, e qualquer mudança abre espaço para movimentos de cobertura de posições”, afirma.
Comercialização
No Brasil, os produtores de soja comercializaram 24,2% da safra 2024/25, segundo a StoneX. Há 12 meses, a comercialização estava em 20%. O prêmio para a soja no Brasil para novembro está em US$ 1,65 por bushel acima da cotação de Chicago, uma diferença de 15,8%. Hoje, os contratos de soja com vencimento em novembro fecharam a US$ 10,4225 por bushel em Chicago, em alta de 0,29%, após subirem 2,69% na segunda-feira.
O dólar valorizado em relação ao real também contribui para tornar o preço da soja mais atrativo para os produtores que têm estoque para venda, observa Brandalizze.
Ignacio Espinola, analista sênior de grãos da Hedgepoint Global Markets, diz que compras da China também podem ajudar a dar suporte aos preços. “A China tem comprado para formar estoques, com receio de uma potencial vitória de Donald Trump na eleição americana”, afirma. O anúncio que o governo da China fez de um pacote de estímulo à economia também deve incentivar as compras chinesas de commodities, avalia.