Quando Krystal DeVos observa sua filha pequena, Eliana, brincar com uma boneca da Ariel, seus olhos se enchem de emoção. “Eu a chamo de minha pequena sereia”, diz DeVos sobre sua filha.
Pouco depois do nascimento de Eliana, foi o poder de cicatrização da pele de peixe que ajudou sua recuperação de uma ferida profunda no pescoço.
“Eliana, na verdade, não faz ideia disso”, conta DeVos, que mora em Corpus Christi, no Texas. “Claro que, conforme ela for crescendo, queremos mostrar fotos e explicar a ela o que aconteceu, porque isso faz parte da sua história — e é algo muito único.”
A história de Eliana começou há cerca de três anos, quando ela nasceu com 23 semanas de gestação, pesando apenas 450 gramas. Ela passou 131 dias na UTI neonatal, período em que desenvolveu uma infecção grave no pescoço que resultou em uma ferida extensa.
“Era quase como uma doença que come a carne, em que o corpo dela estava atacando alguma coisa ali no pescoço”, contou DeVos. À medida que a infecção avançava, Eliana desenvolveu sepse — uma reação extrema do corpo a uma infecção —, que fez alguns de seus órgãos começarem a falhar. Dia após dia, DeVos e sua família rezavam constantemente pela recuperação de Eliana.
Foi então que a equipe médica apresentou uma opção de tratamento surpreendente.
No 86º dia na UTI, Eliana foi transferida de um hospital geral local para o Hospital Infantil Driscoll, em Corpus Christi. Ela recebeu vários medicamentos para tratar a infecção nos dois hospitais, incluindo antibióticos. Mas foi no Driscoll que a pele de peixe passou a fazer parte do cuidado da ferida, de forma inovadora.
“A pele de peixe é microscopicamente muito parecida com a pele humana, o que ajuda a ferida a começar a cicatrizar”, explica Vanessa Dimas, cirurgiã plástica pediátrica do Driscoll, que tratou Eliana.
Frágil demais para tratamentos tradicionais
Quando Dimas conheceu Eliana, percebeu que precisaria fazer duas coisas: remover o tecido morto acumulado na ferida e cobri-la com algum tipo de material que ajudasse o tecido saudável a se regenerar. Mas os métodos mais tradicionais — como cirurgia ou enxerto de pele humana — eram arriscados demais ou inviáveis para um bebê prematuro como Eliana. Seu estado era extremamente delicado.
“Ela era um bebê prematuro, a ferida era muito extensa e ela estava muito doente, então eu não achava seguro fazer um procedimento cirúrgico”, contou Dimas.
Em vez disso, Dimas e sua colega Roxana Reyna, enfermeira especializada em feridas e ostomias do Driscoll, usaram uma solução medicinal à base de mel para limpar a ferida. Depois, aplicaram uma mistura desse mel com pele de peixe para cobrir a área afetada.
A pele de peixe — um produto médico feito a partir de bacalhau selvagem do Atlântico Norte, produzido pela empresa islandesa Kerecis — funcionou como uma espécie de estrutura, ou plataforma, para que o novo tecido cutâneo pudesse crescer. Alguns dos óleos ômega e outros componentes naturais da pele de peixe ajudaram no processo de cicatrização, segundo Dimas, acrescentando que “assim que ela cumpre seu papel, ajudando a ferida a cicatrizar, ela basicamente se dissolve”.
Um risco potencial desse tratamento é a possibilidade de reação alérgica em crianças com alergia a peixe; no caso de bebês, muitas vezes não se sabe ainda se eles têm alguma alergia.
“Esse seria o maior risco: uma alergia desconhecida que poderia causar algum problema”, diz Dimas. “Fora isso, existe sempre a possibilidade de a criança acabar precisando de cirurgia, porque não sabemos exatamente o quanto isso vai ajudar na cicatrização.”
Mas, no caso de Eliana, o tratamento com pele de peixe foi bem tolerado e pareceu promover uma boa cicatrização.
O potencial dos “xenoenxertos”
A pele de peixe já é utilizada no tratamento de feridas em várias partes do mundo, mas seu uso em crianças — especialmente em bebês — ainda é raro.
Em março, Dimas e Reyna apresentaram dados sobre esse método aplicado em bebês prematuros no Congresso da Associação Europeia de Gestão de Feridas, em Barcelona, na Espanha. Elas relataram dois casos: o de Eliana e o de um bebê prematuro gravemente doente com uma ferida abdominal.
“Eliana pesava 1,3 kg no dia em que aplicamos o enxerto de pele de peixe”, contou Reyna. O outro paciente pesava cerca de 450 gramas durante o tratamento.
“Desde Eliana, agora já nos sentimos confiantes o suficiente para usar esse tratamento em bebês ainda menores”, afirma Reyna.
O Hospital Infantil Driscoll afirma que a equipe de Eliana parece ter sido a primeira a usar a pele de peixe Kerecis no tratamento de feridas em um bebê prematuro de apenas 450 gramas. Reyna e Dimas foram reconhecidas por esse trabalho, e, devido ao uso inovador do produto, a Kerecis as convidou para compartilhar suas experiências clínicas em eventos públicos.
A ideia de usar pele de peixe para ajudar na cicatrização de tecidos humanos já existe há alguns anos, mas ainda não é uma prática muito comum, segundo o Arun Gosain, presidente da Seção de Cirurgia Plástica da Academia Americana de Pediatria e chefe da divisão de cirurgia plástica do Hospital Infantil Ann & Robert H. Lurie, em Chicago.
“Existem muitas opções diferentes” para o tratamento de feridas, dependendo da profundidade e da gravidade, diz ele. Algumas técnicas envolvem tecidos de outros animais.
“Há outras formas do que chamamos de xenoenxertos, que é usar tecido de outra espécie para ajudar na cicatrização”, explica Gosain, que não esteve envolvido no caso de Eliana. Por exemplo, a pele de porco é frequentemente utilizada nesse tipo de cuidado, assim como o colágeno derivado de bois.
“Os xenoenxertos podem ter potencial no futuro, mas atualmente não são usados para substituir a pele. Eles servem apenas como curativos biológicos temporários”, explica. Esses curativos ajudam a proteger temporariamente as feridas e a apoiar o processo natural de cicatrização, facilitando que ela aconteça de forma espontânea ou preparando o local para uma cirurgia de fechamento.
Por exemplo, uma pessoa com uma “ferida de espessura total” — ou seja, que atravessa todas as camadas da pele —, que não cicatriza sozinha, pode se beneficiar de um curativo biológico temporário, segundo Gosain.
“Nesse caso, eu poderia usar pele de porco”, afirma. “A gente aplicaria esse material como um curativo biológico, sabendo que ele não vai regenerar a pele, mas vai manter a ferida limpa até estarmos prontos para fazer um enxerto de pele da própria pessoa ou outro tipo de procedimento para fechar a ferida.”
“Nunca tenha medo de tentar algo novo”
No estudo de caso, Reyna e Dimas descreveram a ferida de Eliana como sendo de “espessura total”, mas após três dias de tratamento com pele de peixe, observaram “resultados impressionantes”. Elas continuaram trocando o curativo a cada três dias e, depois que a ferida foi devidamente limpa e o tecido morto removido, ela cicatrizou em apenas 10 dias após a primeira aplicação da mistura com pele de peixe, deixando cicatriz mínima, segundo o relatório.
“Não houve nenhuma reação adversa, e nenhuma intervenção cirúrgica adicional foi necessária”, escreveram. Três anos depois, a cicatriz de Eliana é tão discreta que mal se percebe.
DeVos diz que se sentiu inspirada ao ver como a pele de peixe ajudou na cicatrização da ferida da filha e espera que a história de Eliana contribua para o avanço do entendimento sobre a pele de peixe como ferramenta médica.
“O que eu espero que as pessoas levem disso é que devemos ser gratos pela medicina moderna e pelo poder da fé”, afirma.
“Nunca tenha medo de tentar algo novo. Esteja sempre de mente aberta e tenha fé”, afirma. “Se algo parece diferente ou você nunca ouviu falar antes, dê uma chance e acredite um pouco. No nosso caso, deu muito certo.”