Café que acabou de ser passado é unanimidade no gosto nacional. Mas, em tempos de preços nas alturas, aquele café que sobra na garrafa térmica não vai mais ser ignorado. Quem admite isso é a própria indústria. Os valores elevados no varejo já têm feito o consumidor buscar marcas mais baratas. E num cenário de alta persistente, que deve continuar no próximo ano, requentar o café também vira opção.
A razão para o aumento dos preços, que chega a 54% de janeiro até agora no varejo para o café tradicional, é a incerteza com a oferta global em 2025, que fez as cotações do arábica subirem mais de 70% na bolsa de Nova York.
A alta tem provocado mudanças na forma de consumo para evitar desperdícios, na avaliação da Associação Brasileira das Indústrias de Café (Abic), que já prevê um novo repasse de preços de mais 15% da indústria ao varejo nas vésperas do Natal.
“Antes, toda vez que se preparava o café numa garrafa térmica de um litro e ele ficava frio, era comum descartar e fazer um novo. Hoje, com os preços altos, as pessoas vão ficar mais conscientes ao beber o café e até mesmo ao escolher a variedade que mais agrada”, afirma Celírio Inácio, diretor-executivo da Abic.
O trader e especialista em café Edgard Bressani lembra que o produto mais caro sempre pesa mais no bolso de quem tem menos recursos. “Certamente, será preciso fazer escolhas e buscar alternativas de produtos mais baratos. Começa a haver uma entrega de café de pior qualidade, e as marcas vão tentando se adaptar para conseguir continuar ofertando para esse consumidor”, afirma ele.
Marcas líderes já subiram os valores do quilo de café
Grupo que lidera o mercado de café do país, a 3Corações informou que planeja reajuste de 21% no preço de suas entregas ao varejo a partir de 1 de janeiro de 2025. Em carta enviada a clientes, a JDE, dona de marcas como Pilão e Café do Ponto, detalhou que fará um repasse de 20% ainda este mês nas categorias torrado, moído e grãos, cápsulas, solúvel e capuccino.
Em janeiro, fará um novo reajuste, de 20%. A justificativa da empresa na carta é a alta no mercado devido aos problemas climáticas nas origens produtoras, como Brasil e Vietnã. Procurada, a JDE disse que não comenta política de preços e estratégias comerciais.
Por trás da disparada do café nas bolsas internacionais estão as intempéries em regiões de cultivo como Brasil e Colômbia — os maiores produtores da espécie arábica — e Vietnã — líder em robusta — que sofreram com seca e atraso das chuvas. Por aqui, houve boa florada após o aguaceiro de outubro sobre as regiões produtoras, mas o estresse causado pela seca anterior provocou queda na folhagem dos cafezais, reduzindo o percentual de flores que se transformaram em frutos e o potencial de produção.
Diante desse cenário de incerteza sobre a oferta, não há perspectiva de recuo nas cotações no curto prazo. “Não há sobra de café no mundo que valide uma tendência de baixa. O consumidor final vai ter que se adequar, pois esse novo normal veio para ficar. E se a indústria não repassar preço, corre o risco de se estrangular, já que a matéria-prima continuará subindo”, diz Marcus Magalhães, da corretora MM Cafés.
Ele destaca que, em 2023, a saca de café conilon [ da mesma família do robusta] era comercializada a cerca de R$ 800, e a do arábica, a R$ 900 no Brasil. Agora, as duas espécies são negociadas a R$ 1.800 e R$ 2.100 a saca, respectivamente.
Segundo Edgard Bressani, por enquanto, as marcas estão abastecidas e têm realizado repasses graduais para não ter de fazer um aumento maior de uma única vez, assustando o consumidor.
A Melitta, por exemplo, reajustou em 25% no começo deste mês as linhas de torrados e moídos da marca homônima, e das marcas Bom Jesus e Barão, conforme apurou a reportagem. Procurada, a empresa disse que não comenta estratégias comerciais.
Monitoramento da Abic nas redes de varejo e pontos de venda mostra que de janeiro a maio de 2024, o quilo do café tradicional teve preço médio de R$ 36,15. A partir de junho, com os problemas climáticos, ultrapassou R$ 40 o quilo até chegar aos R$ 49,50 em novembro, segundo a Abic. Agora, o quilo já supera os R$ 54, alta acumulada de 54% sobre a média de janeiro.
Inácio, da Abic, afirma que, mesmo a indústria fazendo recompras da matéria-prima — jargão utilizado para a aquisição de grãos com algum defeito ou que são descartados na seleção de máxima qualidade —, ela não garante a formação de estoque suficiente para 12 meses.
Brasileiro vai deixar de consumir a bebida?
De acordo com o dirigente, não é comum o café impactar o orçamento do brasileiro, e a dúvida agora é até onde vai o aumento. “Se houver preços mais altos e não houver comprador, a tendência é que haja uma certa calmaria ou, pelo menos, uma estabilização de preços”, diz.
Para os especialistas, dificilmente o café voltará aos patamares vistos em 2023. Bressani calcula que uma saca, de custo de produção estimado em R$ 900, está gerando ao produtor ao menos 100% ou até 150% de lucro. “Poucos negócios dão essa rentabilidade”, diz. Isso ajuda o cafeicultor a se capitalizar e até fazer uma reserva, mas a dúvida é se isso é sustentável.
A situação está no radar das torrefadoras e revendas, que temem que o nível de estoques seja insuficiente para atender a demanda por processamento. Com isso, o café tende a continuar em alta ou se acomodar em um novo intervalo de preços na bolsa de Nova York, de US$ 3,20 a US$ 3,40 a libra-peso, segundo analistas, afetando a negociação de toda a cadeia.
De acordo com o analista e sócio da Pine Agronegócios, Vicente Zotti, a chave para entender o rumo do mercado está no consumo. “Agora é a hora da verdade para o café. Com um pacote de 500 gramas de café no Brasil custando entre R$ 37 e R$ 40, será que o consumidor vai seguir comprando produto?”, indaga. Se o consumo se mantiver elevado, haverá espaço para novas altas nas bolsas, avalia.