O registro de apenas uma ave doente poderia até parecer algo insignificante em meio a um plantel de 1,6 bilhão existente no Brasil, mas as consequências são expressivas diante das exigências sanitárias globais e da representatividade que o país tem no mercado mundial de carne de frango.
A confirmação do caso da doença de Newcastle em uma granja de Anta Gorda (RS) nesta semana, algo que não ocorria no país desde 2006, não deve ser capaz de tirar do Brasil o título de maior exportador mundial de carne de frango, mas vai impactar, ao menos momentaneamente, a balança comercial de um setor que apresentava bom desempenho e perspectivas para o ano.
As vendas externas foram suspensas de forma preventiva pelo governo brasileiro, em maior ou menor grau, para 44 destinos. A China, maior compradora do produto, principalmente pés de frango, deve ficar 30 dias sem receber as cargas de todo o país. Em outros casos, a restrição é estadual ou concentrada nas proximidades da propriedade onde o caso ocorreu.
Os efeitos ainda serão medidos ao passo que os dias avancem sem as exportações. Associações que reúnem as empresas do setor informaram que até 7% da produção nacional e 15% das vendas externas do Rio Grande do Sul poderão ser impactadas. Cerca de 60 mil toneladas de carne de frango terão que ser remanejadas para o mercado interno ou para outros compradores internacionais.
O fato é que, por ora, o setor produtivo ainda não consegue estimar quanto o autoembargo significará em perdas nas vendas externas, mas admite que haverá prejuízos.
Se para as empresas o cenário não é bom, tampouco para o governo federal que, num momento de aperto orçamentário e dúvidas no mercado em relação à sua política fiscal, precisa mais do que nunca dos dólares que as exportações trazem.
Só as vendas externas do agronegócio no primeiro semestre — US$ 82,4 bilhões — representaram quase 50% das exportações brasileiras como um todo. No caso dos embarques de carne de aves, foram US$ 4,5 bilhões no período.
O episódio no Rio Grande do Sul coloca à prova duas áreas em que o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, nadava de braçada até agora, apesar do relacionamento ainda conturbado do governo com boa parte do agro: a defesa agropecuária e as relações internacionais. Nenhuma delas foi contestada nem diminuída, mas as respectivas equipes técnicas serão mais exigidas para a pronta resposta.
Em estado de emergência zoossanitária para o risco da influenza aviária desde maio de 2023, o Brasil passou ileso pela doença até o momento. É um dos três países de todo o planeta sem a gripe nos plantéis comerciais, comemora o governo. Agora, o desafio é harmonizar essa vigilância constante com as ações emergenciais para erradicar o foco e adotar as medidas de contingência para a doença de Newcastle.
No campo internacional, o recorde de aberturas de mercado é sempre lembrado pelo ministro. Em quase todas as oportunidades, ele repete que o Brasil é responsável por quase 40% do frango consumido no mundo e o único autorizado a exportar para Israel, de acordo com as regras de produção “kosher”, adequadas ao preceito do judaísmo.
O secretário de Comércio e Relações Internacionais, Roberto Perosa, acredita no pronto restabelecimento do fluxo comercial com os importadores assim que o caso for encerrado e as informações sobre as medidas tomadas para conter a propagação do vírus forem repassadas. A proatividade com o autoembargo deve ajudar nesse ponto, ele avalia.
Em Porto Alegre, um dia após a divulgação do foco, Fávaro fez questão de dizer que não se trata de uma epidemia e que a confirmação parece ser um caso isolado. A granja onde o foco foi descoberto tinha 14,4 mil aves. A metade morreu com o destelhamento da estrutura após uma chuva de granizo.
Os animais remanescentes já foram sacrificados e enterrados. Cenário desolador para o produtor integrado e também simbólico para a região onde ele produz, o Vale do Taquari, uma das mais castigadas pela catástrofe climática vivida entre abril e maio, da qual o Rio Grande do Sul ainda tenta encontrar forças para recomeçar.
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