Antonio Wilson Aralli planta amendoim na região de Jaboticabal, no interior de São Paulo, desde o fim dos anos 1990, quando trabalhava nas terras do pai e fazia o arranquio e a colheita das vagens com as mãos. Hoje, o agricultor cultiva 630 hectares em três municípios da região e investe em mecanização, sementes e manejo para ter um grão com mais qualidade, o que pode fazer com que receba até 30% a mais pela saca na entrega à Coplana, a maior cooperativa brasileira de amendoim.
O preço mais alto por um produto de qualidade superior é o que anima Aralli, que passou a gastar mais na produção ao arrendar terras irrigadas por pivô, uma decisão que tomou após a seca do ano passado. Com as adaptações, ele espera colher 130.000 sacas de 25 quilos.
“Todo mundo plantou amendoim nesta safra porque o preço da soja não está compensando, e no ano passado o amendoim pagou bem”, diz o agricultor, que celebra o bom momento da cultura, mas, ao mesmo tempo, tem receio de que os preços caiam. “O amendoim não é como a soja, que exporta tudo o que tem”, complementa.
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O amendoim vive uma fase de ebulição virtualmente inédita no Brasil. O aumento do consumo no mercado interno e também das exportações tem elevado os preços da oleaginosa, o que estimula os agricultores a apostarem na cultura.
A área de cultivo deverá crescer 20% neste ano. Com isso – e graças, também, às condições climáticas favoráveis –, a produção deverá bater recorde neste ano, ultrapassando a marca de 1 milhão de toneladas em casca, estima Pablo Rivera, vice-presidente da Associação dos Produtores, Beneficiadores, Exportadores e Industrializadores de Amendoim do Brasil (Abex-Brasil).
A área de plantio, a maior até hoje, ficará entre 380.000 e 400.000 hectares – Rivera observa que, segundo os cálculos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a área será de apenas 274.000 hectares, o que não bate com os números da cadeia. “No ano passado, com os impactos da seca, a produção foi de 800.000 toneladas”, afirma o dirigente. Em 2023, a colheita foi de 900.000 toneladas.
Com a melhoria do quadro geral da cultura, a Coplana investiu R$ 120 milhões nos últimos três anos para modernizar e ampliar suas instalações em Jaboticabal. Este ano, conta o diretor-executivo da cooperativa, José Rossato Jr., marcará a estreia do novo sistema de pagamento ao produtor da Coplana, que vai se basear na qualidade dos grãos.
A cooperativa classifica o amendoim em cinco tipos. O tipo 1 é o que vai para exportação. Para receber essa classificação, a oleaginosa precisa ter bom tamanho e comprovação em laboratório de que ela não tem aflatoxina, uma toxina produzida por fungos, que não pode entrar na União Europeia. Os tipos 2 e 3 podem ir para exportação ou mercado interno. Os tipos 4 e 5, de qualidade mais baixa, servirão para a fabricação de óleo.
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O vice-presidente da Coplana, Sérgio de Souza Nakagi, que é também presidente do Sindicato Rural de Jaboticabal, conta que, no ano passado, a cooperativa recebeu a produção de 22.000 hectares de amendoim. Para 2025, ela estima beneficiar 30.000 hectares.
Waldyr da Cunha, agricultor associado à Coplana, também espera receber mais pela boa qualidade do grão. No sistema de classificação anterior, conta ele, o produtor entregava o amendoim e só depois descobria quanto iria ganhar pela saca. Na prática, observa, quem investia para obter um produto superior acabava pagando pelo agricultor de baixa tecnologia.
“A cooperativa adotou o modelo argentino e europeu. Com alta tecnologia e boa performance na colheita, a gente pode receber mais”, relata. “Agora, só ficamos dependendo de São Pedro, porque, se arrancamos as vagens e chover direto por dias, o grão perde qualidade. Mas, por enquanto, está tudo às mil maravilhas.”
Neste ano, Cunha plantou 1.200 hectares de amendoim e espera colher uma safra muito boa, com média de 205 a 210 sacas por hectare – o início da colheita estava previsto para o fim de fevereiro. No ano passado, o rendimento foi de 195 sacas por hectare.
Migração
O aumento do cultivo de amendoim em São Paulo, o maior estado produtor, e iniciativas de estímulo à atividade, como as da Coplana, são algumas das evidências do bom momento da cultura no mercado brasileiro. Mas esses fatos não contam toda a história desse avanço.
Integrantes do segmento dizem que a migração dos produtores paulistas para outros Estados intensificou-se, o que tem relação direta com a alta constante do custo do arrendamento de terras em São Paulo. Há três anos, o Estado era responsável por 90% da produção brasileira de amendoim. Como reflexo, em parte, da migração, a fatia é hoje de 77%.
O produtor Waldyr da Cunha, um dos associados da Coplana, foi um dos que decidiram mudar de ares: ele arrendou suas áreas de cultivo em Jaboticabal e migrou sua lavoura para Frutal, em Minas Gerais, onde a terra é mais barata.
Flávio Henrique Colucci, produtor em Quintana, no oeste paulista, também estuda fazer algo semelhante. Ele plantou 2.150 hectares de amendoim neste ano em terras arrendadas de usinas e espera colher uma média de 200 sacas por hectare, um desempenho bem superior ao do ano passado, quando a média foi de 120 sacas por hectare. Colucci entrega o amendoim na Beatrice, em Tupã, com negociação na hora.
A abertura de novas áreas de plantio tem ocorrido em lavouras de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás. Mas não são apenas os produtores paulistas migrantes que estão se dedicando à cultura: também há agricultores desses estados optando pelo amendoim, em arranjos nos quais a cultura ocupa solos em que a soja não rende tão bem.
Leandro Lodea, grande produtor de sementes de feijão e gergelim em Nova Ubiratã (MT), a 80 quilômetros de Sorriso, é um deles. “Decidi investir na cultura porque o solo na região médio-norte de Mato Grosso é muito arenoso. Nessas condições, o amendoim pode agregar valor e trazer uma receita líquida maior do que outras lavouras”, diz o agricultor, que plantou 1.600 hectares de amendoim na safra passada e, neste ano, ampliou a área para 2.000 hectares. Em 2023, ele e seu sócio colheram de 140 a 150 sacas de 25 quilos por hectare. Neste ano, o produtor espera colher mais.
Segundo Lodea, é a boa rentabilidade que tem feito muitos agricultores mato-grossenses investirem no amendoim. No entanto, ressalva ele, há algumas dificuldades na cultura. Algumas guardam paralelo com o algodão: ambas exigem equipamentos caros e diferentes dos que se utiliza no cultivo de soja e milho.
“Em Mato Grosso, ainda estamos aprendendo o idioma do amendoim. Tem muito trabalho técnico a ser feito, e temos que formar mão de obra especializada. Sem contar que não temos indústria para processar o grão no estado, o que impede que o cultivo tenha um avanço mais forte”, afirma Lodea, que entrega sua produção em uma unidade de recebimento da Beatrice em Nova Ubiratã.
O argentino Pablo Rivera, vice-presidente da Abex, é também o principal executivo da Beatrice, a maior exportadora de amendoim do país, que processa 10.000 hectares de amendoim próprio e 20.000 hectares de parceiros por ano. Nos últimos seis anos, a companhia exportou entre 50.000 e 55.000 toneladas de amendoim, volumes que a fazem responder por 20% dos embarques totais e por 40% do volume que chega à Europa.
“Fizemos um trabalho de pesquisa sobre pesticidas para derrubar barreiras na Europa, mercado que tem um controle rígido das aflatoxinas no amendoim. Esperamos aumentar bastante os embarques para o bloco nos próximos anos”, relata.
Exportação e consumo
No ano passado, o Brasil exportou 226.000 toneladas de amendoim em grão e 61.000 toneladas de óleo. Em 2025, o país espera bater recorde, embarcando mais de 350.000 toneladas de amendoim em grão e 90.000 de óleo.
Caso a projeção se confirme, o Brasil ficará entre os três ou quatro primeiros do ranking global de exportadores de amendoim – a Argentina é a líder. Rússia, Argélia, Holanda e África do Sul são os países que mais importam o amendoim em grão brasileiro. No caso do óleo, mais de 90% do volume segue para a China.
Indústrias e cooperativas querem também estimular o aumento do consumo de amendoim no Brasil. Hoje, cada brasileiro consome, em média, 1,4 quilo do produto, um volume bem inferior à média global, de 6 quilos per capita, e à de países como China e Estados Unidos, nos quais o consumo per capita é de 13 quilos e 6,7 quilos por ano, respectivamente.
Empresas e entidades têm criado ações e projetos para elevar a demanda pelo produto no Brasil e já conseguiram incluir o amendoim na merenda escolar e também em presídios. “O consumo cresceu 170% nos últimos dez anos”, conta Jaime Recena, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab).
O dirigente conta que, no ano passado, uma pesquisa sobre o consumo de diversas castanhas mostrou que 45% dos entrevistados preferem o amendoim, que tem custo menor que nozes e castanhas e é, além disso, em virtude de seu teor elevado de proteínas, um produto recomendado por nutricionistas.
Segundo Recena, os próximos desafios são aumentar a presença do amendoim na gastronomia brasileira e também como opção nos bares brasileiros, a exemplo do que acontece em bares europeus, americanos e argentinos, onde o grão geralmente é servido como cortesia aos clientes.