O desembolso de crédito rural pelo sistema financeiro encerrou o primeiro trimestre do Plano Safra 2024/25 com desempenho 30% inferior ao apurado na temporada anterior. A liberação de financiamentos aos produtores de todo o país caiu de R$ 163,8 bilhões entre julho e setembro de 2023 para R$ 112,5 bilhões no mesmo período deste ano.
Houve queda em todas as modalidades, concentrada na categoria de grandes produtores. No custeio, as liberações passaram de R$ 95 bilhões para R$ 73,7 bilhões, recuo de 22% nos últimos três meses. Nos investimentos, a retração foi de quase 40%, saindo de R$ 33,3 bilhões para R$ 20,2 bilhões. Os desembolsos para comercialização diminuíram 45%, para R$ 10,2 bilhões. Para industrialização, a redução chegou a 51%, para R$ 8,3 bilhões.
Os números são parciais. Eles foram extraídos do sistema do Banco Central em 4 de outubro e compilados pelo Valor. Os dados podem mudar ao longo dos dias, à medida que alguns financiamentos já contratados começam a ser liberados pelas instituições financeiras aos produtores rurais — o que pode aumentar o montante final desembolsado nos meses anteriores.
Esse descasamento temporal na atualização dos dados, aliás, tem sido um dos motivos indicados por representantes do governo para justificar a queda nos desembolsos nesta safra. Ontem, a consulta mostrou R$ 112,8 bilhões liberados, diferença de R$ 300 milhões em seis dias.
Fontes do setor produtivo, representantes da Esplanada e executivos de instituições relataram, sob condição de anonimato, que não há escassez de crédito no mercado nem de orçamento para as linhas equalizadas, mas uma migração de fonte financiadora pelos produtores, principalmente aqueles de grande porte. Esse público teria recorrido mais ao crédito privado, fora das linhas tradicionais do Plano Safra, como as Cédulas de Produto Rural (CPR).
A manutenção das taxas de juros para financiamentos de médios e grandes agricultores neste ciclo nos bancos e a “fuga” da maior burocracia das operações bancárias também foram motivos apontados para essa “debandada”, dizem as fontes.
Uma das alternativas mais buscadas é a emissão de CPRs. Uma apresentação feita pelo Banco Central a entidades do agronegócio em meados de setembro mostra que boa parte da queda nos desembolsos das linhas de crédito entre julho e agosto havia sido compensada pelo aumento do financiamento por meio do título, inclusive com aplicação do recurso direcionado das Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) para isso.
CPRs
De acordo com os dados apresentados, a emissão de CPRs saltou de R$ 40,9 bilhões entre julho e agosto de 2023 para quase R$ 79 bilhões no mesmo período deste ano. O salto mais que compensa a retração apurada pelo BC para o período, de R$ 30 bilhões, nas linhas tradicionais de crédito rural. Segundo o boletim de finanças privadas mais recente do Ministério da Agricultura, foram R$ 30,26 bilhões movimentados com o registro do título apenas em julho.
“Penso que não seja apenas uma razão [para a diminuição dos desembolsos], mas é certo que houve uma migração muito grande para financiamentos por meio de CPRs, sobretudo para os grandes produtores, onde se observa a maior queda em financiamentos ao amparo de recursos do crédito rural”, disse uma fonte graduada do Ministério da Agricultura.
Essa compensação pelas CPRs ameniza, em certa medida, a temperatura do tema nas discussões internas do governo até o momento. Fontes experientes do setor produtivo relataram que não há reclamações mais incisivas sobre a falta de crédito no sistema financeiro. Algumas entidades, como a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), porém, criticam restrições socioambientais e impedimentos no acesso a empréstimos.
Pequenos e médios produtores mantêm ritmos semelhantes no acesso ao Pronaf e ao Pronamp, respectivamente, mas o aumento das alíquotas do adicional do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) de alguns produtos, espécie de prêmio pago para contratação dessa modalidade de “seguro rural público”, também levou alguns agricultores a buscarem fontes privadas, de acordo com uma analista.
Um especialista em finanças do setor agrícola disse que esse movimento de fortalecimento das CPRs e fontes privadas deve servir de alerta para uma melhor alocação de recursos públicos na política agrícola.
Com o atendimento do mercado privado à necessidade de recursos de grandes produtores e parte dos agricultores de médio porte, ele defende que o governo pode direcionar mais orçamento para o seguro rural ao invés de insistir na equalização de juros das linhas tradicionais do Plano Safra.