A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) acaba de formatar amplo projeto de solicitação formal à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para liberação de plantio de cannabis sativa com finalidade de pesquisa no Brasil.
O objetivo da instituição é desenvolver as bases científicas e tecnológicas para subsidiar o estabelecimento de cadeias produtivas nacionais de cannabis medicinal e industrial, bem como subsidiar políticas públicas e aspectos regulamentares.
“As ações de pesquisa para essas cadeias, cujo potencial é enorme, envolvem melhoramento genético para desenvolvimento de cultivares, práticas de manejo, pós colheita, zoneamento de riscos climáticos, estudos de viabilidade econômica e rastreabilidade”, diz Beatriz Marti Emygdio, pesquisadora da Embrapa Clima Temperado.
A pesquisadora explica que a espécie é 100% aproveitável, podendo ser usada em diversos setores e indústrias . “Das flores, obtém-se os óleos medicinais e para uso em cosméticos. Já as fibras, vão para a indústria têxtil ou de celulose. As sementes são aproveitadas pela indústria de alimentos e ração animal e todo o excedente produtivo pode ser aproveitado como biomassa. A espécie pode ainda ser cultivada com a finalidade de recuperação de áreas degradadas, rotação de culturas e fitorremediação”, relata.
Adaptação
Hoje, no Brasil, há somente uma autorização especial simplificada para fins de ensino e pesquisa concedida à Universidade federal do Rio Grande do Norte (UFRN), por meio de recurso judicial e administrativo.
A Embrapa entende que, para desenvolvimento do setor como um todo, é necessário estender as pesquisas para todo o território nacional, além de contemplar os diferentes segmentos de trabalho – medicinal, indústria têxtil, aproveitamento de coprodutos, entre outros.
Beatriz reforça que já existe uma série de estudos internacionais sobre o tema, mas é preciso adaptar cultivares e sistemas produtivos contemplando as necessidades particulares do clima brasileiro.
Uma das linhas de estudos importante é analisar o comportamento dos quimiotipos de cada variedade nas diferentes regiões brasileiras, já que esta informação tem impacto na regulamentação do cultivo de cannabis no país. Os quimiotipos são cinco, definidos com o teor da presença dos canabidioides tetrahidrocanabidiol (THC) e canabidiol (CBD), e determinam qual a finalidade de cada cultivar, conforme pode ser observado na tabela a seguir.
Quimiotipos da espécie Cannabis sativa, com base na presença dos canabinoides tetrahidrocanabidiol (THC) e canabidiol (CBD) ou canabigerol (CBG) (precursor do THC e CBD, que no quimiotipo IV não é desdobrado nos seus subtipos, permanecendo na concentração original), respectiva classificação e possibilidade de uso.
Quimiotipo | Presença de Canabinoides | Classificação | Uso |
I | Alto teor de THC (>0,3%) – Baixo teor de CBD (<0,5%) | Maconha (Entorpecente) | Recreativo – Medicinal |
II | Proporção balanceada de THC (≥ 0,3%) – CBD (>0,5%) | Maconha (Entorpecente) | Recreativo – Medicinal |
III | Baixo teor de THC (<0,3%) – Alto teor de CBD (>0,5%) | Cânhamo (Não entorpecente) | Industrial |
IV | Alto teor de CBG (>0,3%) – Ausente ou baixo teor de THC (<0,3%) | Cânhamo (Não entorpecente) | Industrial |
V | Sem canabinoides ( Total de canabinoides <0,2%) | Cânhamo (Não entorpecente) | Industrial |
Fonte: Embrapa
A portaria 344 da Anvisa que está em vigor e regulamenta o plantio de Cannabis Sativa não faz, entretanto, distinção entre variedades da planta. De acordo com a normativa a cannabis sativa caracteriza-se como uma planta “que pode originar substâncias entorpecente” e, por esse motivo, o cultivo de qualquer variedade é proibido.
Atualmente, liberações pontuais são conquistadas judicialmente, via habeas corpus, (salvo conduto preventivo), em sua maioria para produções de óleo medicinal para uso pessoal ou para instituições que produzem óleo para pacientes com necessidade médica comprovada, como é o caso das associações ABRACE, Santa Cannabis e APEPI.
Representantes da indústria têxtil pleiteiam a liberação da variedade de Cannabis sativa que não possui o fator psicoativo, o cânhamo, mas segundo a Anvisa informou em nota, não há previsão de que a pauta entre em discussão no órgão em 2024 ou 2025.
A respeito do projeto da Embrapa a ser submetido em breve, a Anvisa informa que não pode se manifestar antes de avaliação completa do material.
Venda de medicamentos
No Brasil, há apenas um medicamento registrado junto à Anvisa derivado de cannabis. Cerca de 40 outros produtos comercializados em farmácias do país são regulamentados juntos à Anvisa como “produtos derivados de cannabis”, uma nova categoria de produtos regulamentada pelo órgão nacional em 2019, “como medida busca atender pacientes que podem se beneficiar desse tipo de produtos e que atualmente não os encontram no mercado nacional”.
A diferença, cita a Anvisa, é que esses produtos não possuem pesquisas capazes de comprovar sua eficácia, além de outros requisitos para que se enquadrem como medicamentos. “O atual estágio técnico-científico em que se encontram os produtos à base de Cannabis no mundo não seria suficiente para a sua aprovação como medicamentos”, registra a Anvisa em seu canal de informações oficial.
A importação pessoal de produtos derivados de cannabis é autorizada pela Anvisa, mediante solicitação de importação excecional de canabidiol na página de serviços do Governo Federal.
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