A adoção de práticas sustentáveis na agricultura e na pecuária brasileiras depende menos de discursos idealistas e mais de incentivos financeiros claros, apoio técnico contínuo e mudanças estruturais na cadeia de produção e comercialização. Essa foi a principal conclusão do painel “Como criar incentivos para quem produz e compra”, realizado durante o Fórum Futuro do Agro, promovido pela Globo Rural e Valor Econômico, nesta terça-feira (18/6), em São Paulo.
O debate reuniu representantes de diferentes elos da cadeia do agronegócio. Participaram o produtor rural Matheus Afonso Sakai Vidal, da Fazenda Araras, de Araguari (MG); Eduardo Martins, diretor do Grupo de Agricultura Sustentável (GAAS); Felipe Itihara, gerente de marketing e inovação da Koppert; e Paulo Pianez, diretor global de sustentabilidade da BRF e da Marfrig.
Prática sustentável precisa caber no bolso
Para Matheus Vidal, que planta café no Cerrado Mineiro, a produção só faz sentido for ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável. “Se puxar um lado só desse tripé, não traz valor à sociedade, mas não somos filantrópicos. Precisamos manter a atividade”, disse. Segundo ele, a produção de café em sua fazenda é carbono negativo, ou seja, captura mais carbono do que emite. No entanto, o esforço ainda não resulta em remuneração adicional.
“Estamos trabalhando com fertilizantes de menor pegada de carbono, em parceria com a Yara e a Cooxupé, e buscamos mercados dispostos a pagar mais por isso. Mas ainda não vemos retorno financeiro direto. A aposta é de longo prazo”, afirmou.
“Produtor é sinestésico”
A dificuldade de engajar o produtor em práticas sustentáveis sem uma contrapartida clara foi ressaltada por Eduardo Martins. Para o diretor do GAAS, a mudança de modelo produtivo só acontece quando o agricultor vê com os próprios olhos os ganhos agronômicos e financeiros.
“O produtor é sinestésico. Ele precisa ver, pegar, experimentar. Quando começa a adotar rotação de culturas, cobertura de solo, integração com áreas naturais e percebe que isso reduz a dependência de insumos caros e voláteis, a chave vira”, disse. “Além disso, o Código Florestal é um instrumento poderosíssimo, um passivo pronto para virar ativo, se for de fato implementado.”
Martins defendeu que os produtores compreendam o sistema como um todo. “Estar perto de área natural melhora a lavoura. A natureza presta serviços. Precisamos tirar o agro da lógica da guerra, dos insumos com nomes militares, e mostrar que há outro caminho.”
Crescimento dos biológicos, mas com obstáculos
A crescente adoção de bioinsumos também foi destacada no painel. Segundo Felipe, da Koppert, o mercado cresce acima de 30% ao ano, algo raro no agronegócio. “O produtor está aderindo porque vê retorno. Mas ainda é um processo que exige presença em campo, capacitação e estrutura.”
Ele lembrou que 97% do manejo agrícola ainda é baseado em químicos. “Romper esse paradigma dá trabalho. Não basta dizer que é verdinho. Tem que mostrar que o grão fica melhor, que há qualidade, e que não há perdas com os biológicos.”
Itihara também criticou a desconexão entre a lógica financeira da cadeia e a realidade do campo. “O produtor compra à vista e vende a prazo. É preciso que os bancos e agentes financeiros entendam isso. Sem soluções específicas, o crédito sustentável não chega onde precisa.”
Consumo consciente ainda é exceção
Na visão de Pianez, a pressão por alimentos mais sustentáveis esbarra na falta de disposição do consumidor em pagar mais. “Trabalhei anos no varejo. Todo mundo diz que quer sustentabilidade, mas, na prática, a decisão de compra depende de três fatores: segurança, qualidade e preço.”
Segundo ele, os maiores vetores de transformação são os mercados internacionais que impõem requisitos e pagam mais por isso. “O ‘boi China’ é um bom exemplo. Estabeleceu um novo padrão de preço para a arroba e forçou a cadeia a se adaptar. É o tipo de incentivo que funciona.”
Pianez alertou, porém, que boa parte dos pequenos produtores ainda está à margem dessas oportunidades. “São milhões de propriedades sem assistência técnica, que não sabem fazer rotação de pasto nem manejar o solo. Precisam de dinheiro e orientação. E hoje os instrumentos financeiros disponíveis não dão conta disso.”
Visão estratégica ainda é falha
Ao final, os participantes concordaram que a ausência de uma estratégia nacional de longo prazo atrapalha o avanço da sustentabilidade no agro. Eduardo Martins criticou a dependência do país em relação a insumos importados e a falta de foco em qualidade nutricional.
“A indústria de sementes prioriza o que interessa a quem vende pesticida. A China domina a produção de aditivos. E ninguém questiona. Quando um melhorista conversou com um nutricionista animal pela última vez? É preciso repensar prioridades e tirar o país da miopia estratégica.”