O agricultor Vanderlei Secco produz soja e milho, além de feijão, gergelim e chia, nos 15 mil hectares que tem nos municípios de Rio Verde e Montividiu, em Goiás, e em Ribeirão Castanheira, na região do Xingu, em Mato Grosso. Neste ano, além das habilidades com o solo, ele precisou desenvolver uma outra, que mistura conhecimentos práticos sobre o que vê no céu com algo que tem um quê de ofício de adivinho.
“Eu preciso caçar chuva dentro da propriedade”, ele contou ao Valor durante encontro em Rio Verde. “O desafio é encontrar os pontos corretos, onde já houve precipitação, para poder plantar e evitar perdas”.
Secco e outros caçadores de chuvas têm se desdobrado para tentar contrabalançar os efeitos da baixa umidade sobre as plantações, que tem sido a principal marca da atual safra de grãos. Sem chuvas, o plantio de soja da safra 2024/25 no país até o dia 13 de outubro havia ocorrido em apenas 9,1% de área prevista, ou dez pontos percentuais a menos do que no ano passado, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Em Goiás, o vazio sanitário — período em que, para conter a disseminação da ferrugem asiática, a doença que mais causa perdas à soja, é proibido manter pés do grão no solo — terminou em 24 de setembro, mas o plantio só começou 20 dias depois, quando voltou a chover. A semeadura também começou mais tarde do que o previsto em Mato Grosso, o maior produtor nacional da oleaginosa — no Estado, o atraso dos trabalhos de campo é o maior desde o ciclo 2020/21.
Meio ano sem uma gota de chuva
Neste ano, o Centro-Oeste enfrentou 180 dias sem uma só gota de chuva. Antes da secura de 2024, a última estiagem severa havia sido a de 2008, quando não choveu por 153 dias. “O produtor está preocupado”, disse Warlen Ferreira, diretor administrativo-financeiro da Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano (Comigo), a maior cooperativa agrícola do Centro-Oeste do país. “A gente nunca tinha visto um período de estiagem tão longo”.
É verdade que, mesmo com o adiamento do plantio, os trabalhos têm ocorrido dentro da janela ideal, e a Conab ainda prevê recorde na produção de soja. Isso não significa que o ambiente é de calmaria. Os produtores temem que a demora para o início do plantio da oleaginosa acabe fazendo com que a semeadura do milho, na chamada “safrinha”, ocorra fora do período ideal, o que pode comprometer a produtividade — e, portanto, as perspectivas de colheita.
Há uma semana, em sua primeira estimativa para a safra 2024/25, a Conab projetou queda na colheita de milho em Mato Grosso — a produção total (primeira, segunda e terceira safras) no Estado será de 46 milhões de toneladas, um volume 5,7% menor do que o do ciclo anterior. A queda de produtividade — que será de 4,8%, para 6,6 toneladas por hectare, calcula a estatal — é o que explica a perspectiva de encolhimento da produção.
Para Goiás, a despeito da falta de chuvas, que atrasou o plantio da soja, a Conab prevê colheita de 11,3 milhões de toneladas, ou 14,3% a mais do que em 2023/24. A produção de soja crescerá nos dois Estados, projeta a empresa — o aumento em Mato Grosso e Goiás será de 17% e 11,8%, para 46 milhões e 18,8 milhões de toneladas, respectivamente. No Brasil, o crescimento deverá ser de 12,7%, para 166 milhões de toneladas — o que, caso se confirme, será recorde.
‘O risco ainda não passou’
As projeções de safra cheia não tranquilizam os produtores que estão neste momento com o pé na terra, trabalhando no plantio. “[A seca] é um risco que ainda não passou. Já voltou a chover, mas não em todos os locais, em volume suficiente para o início do plantio”, avaliou Warlen Ferreira, da Comigo.
O engenheiro agrônomo Paulo Carneiro, responsável pelas indústrias da cooperativa goiana, pondera que, tecnicamente, ainda não se pode falar de maneira categórica em atraso na semeadura de soja. “O período ideal [de plantio da oleaginosa] aqui na região é de 15 de outubro a 15 de novembro”, explicou. Tenha havido atraso ou não, o milho de fato preocupa.
Se o produtor plantar até o fim de novembro e não tiver safrinha, [a situação] está normal. Mas, se tiver safrinha, vai complicar se [o plantio] passar um pouco de novembro
— Warlen Ferreira
Os problemas climáticos e a desvalorização das commodities deverão diminuir a receita da Comigo neste ano. A cooperativa prevê faturar R$ 12 bilhões em 2024. Em 2023, a receita foi de pouco mais de R$ 13 bilhões.
Na fase atual, de início de plantio, ainda há mais dúvidas no campo do que certezas, segundo Flavia Montans, presidente do Grupo Associado de Pesquisas do Sudoeste Goiano (Gapes). “Podemos enfrentar tanto uma seca quanto o excesso de chuva durante a colheita”, afirmou.
Receio com as inconstâncias do tempo
O plantio acelerou-se no Estado nas últimas semanas. Com isso, o consultor agrícola Wanderley Oishi diz que, caso as condições climáticas sigam favoráveis, o plantio em Goiás chegará a 90% nos próximos dez a 12 dias.
Essa é a expectativa também de Alexandre Baumgart, diretor executivo das Fazendas Reunidas Baumgart. Nos últimos dias, as máquinas do grupo têm operado a pleno vapor, das 6h às 20h, o que deve fazer com que o plantio de soja nos 9,1 mil hectares da propriedade da empresa em Rio Verde termine em até duas semanas.
Mas Baumgart demonstra, ao mesmo tempo, um certo receio com as inconstâncias do tempo. “A preocupação é que foram 1.700 milímetros de chuva que não vieram nos últimos meses. Em algum momento, ela vai chegar”, pontua.
Enio Wuiczik Jablonski, gerente agrícola do grupo, já antevê uma quebra no milho por causa do atraso na soja. “Para o ano que vem, a gente estima cerca de 15% de milho a menos”, conta.
(Os repórteres viajaram a convite da Fundação Dom Cabral)