Apesar da “safra cheia” de grãos neste ano, produtores rurais de Mato Grosso alertam que as margens estão mais comprimidas no campo. Eles afirmam que os custos de produção para a próxima temporada estarão ainda mais altos, principalmente com a escalada dos preços dos fertilizantes, a partir das guerras no Oriente Médio, o que pode enxugar ainda mais a renda do setor. Há preocupação também com o patamar de juros do Plano Safra 25/26 e dúvidas sobre o impacto da reforma tributária no setor.
“O produtor de Mato Grosso está endividado, está com renda comprometida. Se não fosse a indústria etanol de milho, a situação que não é boa, poderia estar pior”, disse Wellington Andrade, diretor-executivo da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado (Aprosoja-MT) durante evento em Sorriso (MT).
Ilson Redivo, presidente do Sindicato Rural de Sinop, no norte do Estado, e vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), disse que a “crise econômica” no país, com juros altos e preços mais baixos das commodities, que mina a rentabilidade dos produtores.
“Estamos atravessando um momento de crise nunca vista. Prova disso é o movimento das recuperações judiciais, que é algo fora da curva, e o crédito rural que está ficando difícil para o produtor”, afirmou ao Valor durante evento da Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho), em Sorriso (MT). “Os bancos estão cobrando mais e sendo mais seletivos. E o produtor não está tendo renda”, completou.
Redivo disse que os preços de comercialização de milho e soja, próximos de R$ 40 e R$ 100 por saca, estão abaixo do necessário para cobrir os custos e que a tributação aplicada sobre essa produção retira a rentabilidade dos agricultores mato-grossenses. Ele citou, por exemplo, a contribuição para o Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab), que consome 3% da receita bruta anualmente.
“Somos geradores de renda, mas não está sobrando renda para o produtor. A margem está distribuída entre os demais setores. Estamos colhendo bem, mas não sobra nada para o bolso do produtor”, reclamou.
O deputado estadual Xuxu Dal Molin (União Brasil) cobrou a revisão do percentual da contribuição. “Temos que discutir como baixar o Fethab nos próximos governos. A carga tributária está matando o produtor. O governo tem que pensar, com gestão eficiente, em como baixar o Fethab, desonerar e dar mais viabilidade, renda para homem do campo”, disse em painel no evento.
Diogo Damiani, presidente do Sindicato Rural de Sorriso, destacou a preocupação com os custos de produção para a próxima safra. “Isso pode impactar no bolso do produtor. Nos anos pós-pandemia, a nossa margem foi reduzida por aumento dos custos e redução dos preços das commodities”, indicou.
A guerra entre Irã e Israel e o impacto nos preços do petróleo e dos fertilizantes nitrogenados também são pontos de atenção, disse Damiani. A falta de infraestrutura de armazenagem, cenário que se repete em boa parte do país, é outro gargalo.
“No próximo ano, temos vários desafios. A implementação da reforma tributária, que ainda não sabemos como vai impactar o produtor. Temos o lançamento do Plano Safra, que provavelmente vai vir com alta na taxa de juros.
O presidente da Aprosoja-MT disse que apenas o cultivo de soja, atualmente, para quem é arrendatário não é capaz de pagar os custos. “Quem tem arrendamento, tem custo de cerca de R$ 7 mil por hectare e a renda, para quem colhe bem, é de R$ 6,4 mil atualmente. São R$ 600 de prejuízo por hectare. É a cultura sucessória, do milho, que viabiliza a produção no Estado”, afirmou.
O governador em exercício de Mato Grosso, Otaviano Pivetta (Republicanos) minimizou a queda nos preços das commodities e disse que o movimento é cíclico na agricultura. Para a redução de custos no campo, ele disse que o governo quer entregar mais obras para melhoria da infraestrutura logística no Estado.
“O governo tem se esforçado para dotar a região de infraestrutura mais competitiva para estimular aumento da produção. A safra está se mostrando acima da média, isso demonstra a capacidade do Estado de produzir cada ano mais, o clima ajudou muito. Cabe ao governo investir cada vez mais na infraestrutura para o agricultor produzir mais”, disse à imprensa na chegada ao evento.
A principal obra atualmente é a duplicação da BR 163. Segundo ele, serão 850 quilômetros de rodovia duplicada até o fim do próximo ano. “Se faltar [algum trecho duplicado], será pouco”, disse. Ele afirmou ainda que existem 26 mil quilômetros de rodovias estaduais sem pavimentação.
Ilson Redivo, vice-presidente da Famato, cobrou austeridade fiscal do governo federal para mudar os sinais enviados ao mercado e reverter o cenário de crise. “O ponto de ajuste é o equilíbrio fiscal das contas do governo. Passamos recentemente por pandemia, pelo início da guerra da Ucrânia e o Brasil cresceu. O governo tem que fazer o dever de casa e gastar só aquilo que ganha. Isso [desequilíbrio] desestabiliza a economia. Quando afeta um setor tão importante, podemos ter mais problemas pela frente”, concluiu.