O parecer técnico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para fixação do preço de abertura do leilão para compra de arroz importado divergiu da posição política do governo que norteou o pregão. O documento, obtido pela reportagem, diz que a decisão de adotar o valor de R$ 5 por quilo de cereal internacional foi uma ordem superior dos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário e da Casa Civil.
A Conab diz no parecer que o preço definido pelo governo resultaria em uma margem de lucro abaixo do praticado no mercado, o que poderia tirar a atratividade da participação de arrematantes no pregão. O leilão foi anulado por conta da participação de empresas alheias ao mercado agrícola nacional, com “fragilidades” técnicas e financeiras admitidas posteriormente pelo governo. A estatal alertou ainda que os parâmetros estabelecidos abririam espaço para importação apenas de arroz asiático, que não é bem aceito pelo consumidor brasileiro.
“Seguindo direcionamento e solicitação superior do Ministério da Agricultura e Pecuária, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e da Casa Civil, os quais, em entendimento em comum, propõem o preço de abertura para todos os lotes em R$ 5,00/kg, resultando em uma margem de lucro abaixo do usualmente praticado no mercado”, diz o parecer elaborado dois dias antes do leilão, realizado em 6 de junho.
“Cabe destacar que a fixação do preço de abertura inferior tenderá a resultar em uma maior importação de arroz asiático, que atualmente possuem paridades de importações menores e mais próximas do valor pré-estabelecido de R$ 5,00/kg, como pode ser verificado na tabela dos parâmetros de preços no Brasil”, completou.
O regulamento de operacionalização de compras da Conab diz que o “preço máximo de aceitação para fechamento da compra” será definido pela estatal, o que não ocorreu.
Uma fonte do mercado relatou que empresas com tradição no segmento agrícola brasileiros estavam dispostas a participar do pregão caso os valores de entrada estivessem mais próximos de R$ 5,30. Seis bolsas de mercadorias entraram no leilão virtual, mas só duas deram lances em nome de quatro empresas arrematantes. Houve concorrência mínima entre elas em apenas dois dos 28 lotes leiloados.
Em audiências públicas recentes, realizadas na Comissão de Agricultura da Câmara, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que as decisões em torno do leilão foram “de governo”, tomadas a partir de reuniões na Casa Civil. A oposição critica o certame e relata “estranheza” com os preços praticados e os resultados obtidos, como a participação das empresas desconhecidas do setor.
As arrematantes foram a Wisley A. de Souza, cujo nome social é Queijo Minas, Zafira Trading, Icefruit Indústria e Comércio de Alimentos Ltda e a ASR Locação de Veículos e Máquinas.
Ordens de cima
Hoje, o ex-diretor de Operações e Abastecimento da Conab, Thiago dos Santos, demitido nesta semana, disse que “cumpriu ordens” do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, ao colocar o preço abaixo da paridade no aviso de compra do leilão. Procurado, o ministro não comentou as declarações. O caso foi divulgado em reportagem do jornal O Globo.
O leilão em questão foi anulado por suspeitas de fragilidades técnicas e financeiras de empresas participantes e do envolvimento de operadores privados com o ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, e o ex-diretor, Thiago Santos. Todos negam qualquer irregularidade.
A Polícia Federal abriu inquérito para investigar o episódio. Santos foi indicado por Geller para o cargo na Conab. Ele era o responsável por esse e outros leilões, como de aquisição de cestas básicas, fretes e remoção de produtos. Quase metade do volume de arroz importado comercializado no leilão foi intermediada por Robson França, presidente da Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT) e dono da Foco Corretora. Ele é ex-assessor de Geller na Câmara dos Deputados e atuou como advogado do Partido Progressistas (PP) em Mato Grosso.
França e Santos atuaram na mesma época no gabinete de Geller, quando o ex-secretário era deputado federal.
Preço do leilão
No seu parecer, a Conab apontou que, após pesquisa de mercado, os preços de venda praticados pela indústria no Brasil estavam, à época, entre R$ 5,33 e R$ 5,88 por quilo de arroz. O levantamento foi feito em cinco Estados.
A estatal também fez o cálculo de paridade de importação com base no cereal produzido no Paraguai e Uruguai mais a incidência de custos logísticos para entrega no interior do Brasil e a margem de lucro de 30% para o importador, índice considerado padrão para essas operações logísticas.
Nesse caso, a pesquisa indicou que os preços para importação do Mercosul com a margem de lucro padrão oscilaria de R$ 5,99 até R$ 7,58 por quilo, a depender do local de entrega do produto, com base da última cotação fornecida pela Plataforma Safras e Mercados, de US$ 800 por tonelada.
A mesma metodologia de cálculo de paridade foi feita para o arroz tailandês, cujo cotação para importação estava em US$ 664 por tonelada. Ao considerar a margem de 30% para o arrematante do leilão na operação, a Conab indicou preços entre R$ 5,60 e R$ 6,26 por quilo.
“É importante pontuar que a operação de importação em questão terá um risco maior do que o usual em uma operação puramente logística, dado que o arrematante garantirá que o produto embarcado e entregue atenderá os padrões e qualidades estabelecidos”, disse a Conab no parecer.
No documento, a companhia ainda pontuou que no histórico recente do setor arrozeiro houve tentativas de importação do cereal de mercados de fora do Mercosul e que apenas o arroz da Tailândia atendeu às exigências de paladar do brasileiro. “Mesmo este arroz foi comercializado majoritariamente por meio de ‘blends’ com o arroz nacional, em uma proporção máxima de 30% de arroz tailandês e de 70% de arroz brasileiro no saco”, aponta o relatório.
“Dado que não é prática recorrente no mercado brasileiro a comercialização de saco com 100% de arroz tailandês, uma eventual aquisição, por parte do Governo Federal, de sacos de arroz com 100% de arroz tailandês ou de outros países fora do Mercosul, poderá refletir em possível rejeição por parte do consumidor final do produto”, diz o parecer.
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