Movimentos sociais, organizações da sociedade civil e pesquisadores divulgaram carta-manifesto que denuncia o avanço do desmatamento no Tocantins e pede a suspensão imediata do Programa de REDD+ Jurisdicional no estado. O documento é resultado do seminário Tocantins na Encruzilhada: Combate ao Desmatamento e Análise Crítica ao REDD+ Jurisdicional, realizado nos dias 25 e 26 de setembro na Universidade Federal do Tocantins (UFT), em Palmas.
O encontro reuniu indígenas, quilombolas, camponeses e organizações socioambientais para debater os impactos do agronegócio, os conflitos fundiários e as contradições do programa de REDD+. Durante a programação, foram apresentados dados recentes sobre desmatamento, experiências de REDD+ em outros estados e denúncias sobre falhas no processo de consulta às comunidades tocantinenses.
Carta denuncia avanço do desmatamento e da violência
Na carta, os movimentos apontam o Estado brasileiro como responsável por transformar o Cerrado em um “bioma de sacrifício”, destinado à expansão do agronegócio, da pecuária extensiva e da mineração. O texto também critica o REDD+ Jurisdicional, apontado como mecanismo de mercantilização da natureza que não enfrenta as causas estruturais do desmatamento e exclui povos e comunidades responsáveis pela preservação dos territórios.
Entre as propostas estão: suspensão do programa REDD+ jurisdicional até que haja consulta livre, prévia e informada e revisão crítica das salvaguardas; a revogação de leis estaduais que favorecem a grilagem; regularização fundiária de terras indígenas, quilombolas e camponesas; criação de uma plataforma pública de transparência fundiária; e o fortalecimento da agroecologia e da agricultura familiar.
Panorama do desmatamento
Segundo dados do MapBiomas, a região conhecida como Matopiba — que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia — concentrou mais de 80% do desmatamento do Cerrado em 2024. Só no Tocantins, foram perdidos 230,2 mil hectares de vegetação nativa em 2023, um aumento de 177,9% em relação a 2022. Vanessa Lopes, professora da Universidade Federal do Tocantins e membro da Coalizão Vozes do Tocantins por Justiça Climática, comenta dados preliminares da pesquisa desenvolvida pelo Núcleo de Práticas Jurídicas de Arraias sobre o desmatamento no Tocantins.
“O que essa avaliação tem indicado é que houve de 1985 a 2024 uma supressão da cobertura vegetal natural, proporcionalmente maior dentro da APA Ilha do Bananal/Cantão em relação ao restante do Estado. Ou seja, a APA, cuja razão é uma maior proteção ambiental naquele território, não tem alcançado esse objetivo. O órgão ambiental deveria exigir um maior rigor na hora de emitir essas licenças porque são áreas sensíveis, em que há uma biodiversidade muito grande, mas não está sendo dessa maneira. A pesquisa tem indicado então uma zona de sacrifício na própria Área de Proteção Ambiental (APA), inclusive, dentro do contexto do MATOPIBA, ela é recorde de perda de cobertura natural, em termos de APAs”, relata a pesquisadora.
Críticas ao REDD+
As críticas ao programa de REDD+ Jurisdicional, defendido pelo governo como estratégia de contenção do desmatamento por meio da venda de créditos de carbono, foram centrais nas discussões. Movimentos sociais denunciam falta de diálogo com povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, além de problemas de transparência semelhantes aos observados no Acre e no Pará.
Maria Aparecida de Sousa, coordenadora da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO), destacou irregularidades no processo de consulta promovido pelo governo estadual junto a comunidades quilombolas e reforçou a necessidade de respeito aos protocolos próprios de consulta elaborados pela COEQTO e pelas associações locais. “A COEQTO, junto com as lideranças quilombolas, fez o documento de como gostaríamos que fosse feita a consulta nas comunidades, protocolamos na defensoria e no ministério público, além de reuniões com a Semarh. O processo seguiu e percebemos que não é seguido nada do que foi pedido”, pontuou.
A liderança indígena Apinajé Antônio Veríssimo, da Aldeia Cocalinho, também ressaltou a falta de informações no processo de diálogo. “Nós não sabemos quem irá ser beneficiado, de que forma irá ser beneficiado, nós não temos segurança nenhuma”, disse.
Realização do evento
O evento é uma realização do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Coalizão Vozes do Tocantins por Justiça Climática, Centro de Assessoria às Comunidades Tradicionais do Tocantins (CACTTO/UFT), Tamo de Olho e Observatório do Matopiba em parceria com a Articulação Tocantinense de Agroecologia (ATA), Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO), e a Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural (PPGMader/UnB). São apoiadores do evento o Fundo Ecos, o World Resources Institute (WRI) e o Instituto Clima e Sociedade (iCS).