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Home Agricultura e Pecuária

Mineradora no Tocantins é processada por negligenciar direitos de comunidades quilombolas

Da Redação por Da Redação
11/07/2025
em Agricultura e Pecuária
Tempo de leitura: 23 minutos
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Mineradora no Tocantins é processada por negligenciar direitos de comunidades quilombolas

(Foto: Portal O Joio e o Trigo).

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Licenciamento sem consulta aos povos tradicionais foi autorizado pelo então presidente do órgão ambiental estadual, afastado por corrupção

Em época de chuva, os moradores de Almas, no sudeste do Tocantins, costumavam sair de casa para procurar pepitas de ouro nas ruas. É o que conta Laelson Ribeiro de Souza, engenheiro agrônomo e liderança quilombola da comunidade Baião, localizada no município. 

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A abundância do metal em Almas, conhecida como “capital do ouro” do Tocantins, contrasta com a recente escassez de um bem vital: a própria chuva. Na última década, ela tem estado bem mais esparsa na região. O ouro segue jorrando, mas agora é para poucos – para uma única empresa, na verdade.

“O ciclo da chuva mudou para a gente. Se antes eram seis meses de chuva, hoje a gente está contando com três, quatro meses”, relata Laelson de Souza.

A mudança climática já impacta as roças dos moradoras da Baião e de outras comunidades da região, situada a cerca de 300 quilômetros de Palmas, mas está longe de ser o único problema hídrico vivenciado. O acesso dos quilombolas à água, de modo geral, está cada vez mais comprometido, como narra o também morador da Baião, Adelmir Nunes de Souza. “Essa natureza que nós temos, que era perfeitinha, infelizmente está acabando. As nascentes que tinham olho d ‘água, eles entupiram tudo, meteram a máquina, nivelaram as grotinhas menores.” 

Por “eles”, Adelmir se refere aos fazendeiros que vêm tomando a região para plantar soja, motivados pelo decreto do Matopiba, acrônimo para os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, assinado por Dilma Rousseff em 2015. O decreto é uma iniciativa federal com medidas que impulsionam o agronegócio na região. O desmatamento por parte das fazendas, bem como a contaminação da água por agrotóxicos, também compõem o cenário dos impactos hídricos. 

Todos os municípios do Tocantins integram o Matopiba. Considerada a última fronteira agrícola do país, tem recebido enormes recursos governamentais para infraestrutura e financiamento de produção agrícola para exportação. 

Para os quilombolas, a gota d’água para o acesso à água veio da própria exploração do ouro: desde 2023, a mineradora canadense Aura Minerals vem extraindo o metal em uma mina a céu aberto nas margens do principal rio da região, o Manuel Alves, a poucos quilômetros da Baião e de outras três comunidades quilombolas.

Apesar de a mudança climática no sudeste do Tocantins ser evidente para seus moradores, ela não foi considerada pelo órgão ambiental que autorizou o projeto, o Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins). 

Licenciamento ambiental

Em 2021, o instituto aprovou o licenciamento ambiental para a mina da Aura com base em um Estudo Ambiental Simplificado produzido dez anos antes, em 2011, para outra mineradora, a Rio Novo Mineração, que detinha a concessão da área à época. Não foi exigido um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) atualizado, e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), modalidade mais completa demandada para atividades minerárias.

O dado é o principal objeto de questionamento de uma Ação Civil Pública (ACP) que pede a suspensão do licenciamento, proposta pela Defensoria Pública do Tocantins e pela Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO), em dezembro de 2023, contra a Aura Minerals, o Naturatins e o Estado do Tocantins. 

Segundo a defensora Kenia Martins Pimenta Fernandes, uma das autoras da ACP, há indícios de que projetos de irrigação de fazendas fruticultoras e sojicultoras na região impactaram o abastecimento de água ao longo do período. “Esse é um ponto que mostra que a questão ambiental, entre 2011 e 2021, se modificou”, afirma.

A ação destaca que a extração e beneficiamento de ouro é uma atividade diretamente dependente do uso de água, o que comprometeria ainda mais a segurança hídrica das comunidades locais. Na mina em questão, a água é captada do rio Manuel Alves por meio de uma adutora instalada em suas margens.

“Eles puxam o rio Manuel Alves. Fizeram um encanamento que puxa a água do rio para trabalhar lá na obra”, comenta Adão Luiz de Albuquerque, quilombola da comunidade Lajeado, localizada na outra margem do rio, no município tocantinense de Dianópolis.

Além de desviar as águas do rio, a mina da Aura Minerals tem uma barragem de rejeitos sólidos localizada a 5,6 quilômetros da comunidade Baião, na área da nascente do córrego Riachão, principal fonte de água da comunidade. 

Vista do alto, a barragem impressiona. É um lago que se estende no horizonte. Do outro lado desse lago, bem de frente, está Baião, que já não dorme direito, assustada com o histórico recente das tragédias de Mariana e Brumadinho. Os moradores não foram avisados sobre a existência de qualquer plano de fuga, nem treinados sobre como lidar com um eventual rompimento. 

Andando poucos metros pela estrada, o pó começa a tomar conta. Caminhões circulam em espiral, descendo até se tornarem uma miniatura em meio ao buraco gigante aberto para a exploração de minérios. São dezenas, possivelmente centenas de veículos operando em simultâneo. A parte mais profunda da escavação é impossível de avistar, e ninguém se arrisca a entrar nas terras da mineradora, conhecida localmente por impedir qualquer gravação. Esse buraco passou a ser uma espécie de núcleo – um miolo no meio de quatro comunidades quilombolas que lutam há décadas por titulação. 

Uma delas, São Joaquim, fica ainda mais perto da barragem: 2,6 quilômetros. A pilha de estéril da mina é projetada para se localizar próxima à nascente do Riacho do Ouro, crucial para a subsistência dos moradores de São Joaquim. Ambos os corpos d’água são afluentes do Manuel Alves e do rio Tocantins. 

Os quilombolas temem que um eventual rompimento da barragem de rejeitos da Aura contamine as fontes de água ainda disponíveis em seu território possam ser contaminadas. É o que relata Siran Nunes de Souza, morador da Baião. “A barragem que fizeram foi acima de nós. Então, se Deus o livre, estourar lá, não tem salvação aqui. Para nós foi uma pedra que colocaram acima de nossas cabeças, perdemos nosso sono”, lamenta.

Barragem de rejeitos

“Seja bem-vindo à Aura Minerals, unidade Almas”, diz uma placa na frente da sede da mineradora. Chegamos ao local depois de passar ao lado da barragem de rejeitos e da mina. O barulho constante dos veículos é outro impacto para os quilombolas que vivem na região. 

O prédio é protegido por cercas de arame e arame farpado, cercas elétricas e postes de uma luz branca forte. Há um pátio na frente do imóvel, onde fica um estacionamento com alguns carros parados. Diminuímos a velocidade do nosso automóvel para ver a fachada da empresa e tirar algumas fotos. Assim que paramos, um carro da segurança vem em nossa direção, em alta velocidade. O portão se abre e eles começam a nos seguir, dando sinais de luz de farol. Nós pisamos fundo. Eles nos seguem por um tempo. E enfim desistem. 

Naqueles dias, em diferentes comunidades pelas quais circulamos, os moradores pareciam ficar à espera do barulho das explosões promovidas pela Aura. “Como a comunidade Baião está muito próxima, a gente está sofrendo demais. O impacto é muito grande: há barulhos de bomba explodindo pedra. É gado berrando para tudo que é lado, batendo cocheira a noite toda. Antes, não tinha nada disso”, afirma Suelene Pereira dos Santos. Entre os mais de vinte moradores ouvidos pela reportagem, das comunidades Baião, Lajeado e Poço Dantas, a reclamação em relação à mineradora foi uma unanimidade. 

Seu Adão Luiz de Albuquerque, que mora no Lajeado, fala que os estrondos acontecem 24 horas por dia. “O detonar da bomba assusta mesmo”, reclama. Ele afirma que não foram consultados pela empresa sobre a instalação da mineradora. “Falam que vai gerar emprego, mas prejuízo também. O rejeito é um perigo grande”, diz. 

Na hora das explosões, a mineradora fecha estradas, muitas vezes sem aviso, impedindo os quilombolas de circular livremente pela região. 

Há dias em que, quando a mineradora faz as explosões, a casa onde Laureni Pedro dos Santos vive com sua madrasta chega a balançar. “Tem vez que a gente pensa que é trovão, mas aí lembra que é a mineradora”, conta. “A gente é afetado. Eles vêm e fazem esse buraco. E depois, quando não tiver mais dando mais ouro, eles vão embora. E a gente fica com esse impacto da terra, com esses buracos abertos aí. Isso não vai voltar ao normal nunca mais, porque não tem como. Porque o homem destrói e não volta mais à realidade que era”, lamenta. 

Alguns moradores relatam ter encontrado rachaduras nas casas após a instalação da mineradora. Mas esse fenômeno não é estudado pela empresa. Nem foi considerado pelo licenciamento ambiental da mina. “Desde 2023, a empresa já vem extraindo minério tranquilamente”, afirma a defensora Kênia Fernandes.

Presidente do Naturatins indiciado por corrupção 

Nos últimos meses, revelações sobre a proximidade do então presidente do Naturatins, Renato Jayme, com o setor minerário dão indícios do motivo dessa negligência.

As operações da Aura em Almas tiveram início após o Naturatins emitir a licença de operação da mina, em 12 de abril de 2023. Renato Jayme esteve pessoalmente na entrega do documento, em um evento realizado na sede da mineradora. Jayme integrou uma comitiva que contou com a presença do próprio governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos). 

Ambos já haviam se encontrado na sede da mina em 8 de dezembro de 2021, quando o Naturatins entregou a licença ambiental do empreendimento. Na ocasião, Barbosa ressaltou que o governo tinha ciência das responsabilidades ambientais, e que as cobraria dos investidores da Aura. 

“Precisamos destravar o estado. As pessoas precisam ser licenciadas para trabalhar tanto no setor produtivo quanto no industrial. Estamos trabalhando para isso e a nossa orientação é que sejamos rápidos e eficientes tanto na manutenção do meio ambiente quanto no crescimento produtivo”, declarou, conforme ressaltou uma notícia de um jornal local. 

O governador também ressaltou que não quer que o Naturatins seja um “ambiente de reprimir a implantação de empresas e de colheitas”. Barbosa se dirigiu diretamente ao então presidente do Naturatins: “Renato, oriente a sua equipe, se reúna com eles, destravar a máquina pública, permitir o crescimento econômico do estado é uma obrigação nossa”. Em outro momento da fala, o governador reitera: “Renato, sua permanência na secretaria é justamente sua agilidade. Documente o povo que você terá vida longa em nosso governo.” 

A declaração de Jayme no evento começou com a frase: “missão dada, missão cumprida”. O presidente do Naturatins destacou a celeridade do processo de licenciamento de mineradoras no estado. “O governador nos deu um prazo que prontamente atendemos. Em 20 dias, toda nossa equipe trabalhou arduamente para providenciar os trâmites necessários”, afirmou Jayme.

Não foi a primeira vez que Jayme ressaltou a rapidez do Naturatins na emissão de licenças ambientais. Em entrevista para o portal Mineração Brasil, publicada em outubro de 2021, ele já havia apontado a agilidade do órgão ambiental como um grande diferencial do estado. 

Na data da emissão do licenciamento ambiental, Jayme acumulava a presidência do Naturatins com a presidência interina da Agência de Mineração do Tocantins (Ameto). Os próprios imóveis onde a mina de Almas foi instalada são públicos e de propriedade da Ameto e da Companhia de Mineração do Tocantins (Mineratins). 

A concessão dos imóveis foi conquistada pela mineradora por meio de uma Ação de Constituição de Servidão de Mina, uma autorização judicial que dá direito à exploração mineral em propriedade alheia, com pedido de liminar na Vara Cível de Almas. 

Em maio de 2021, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) conseguiu suspender a liminar, argumentando que o início das obras de implantação da mineradora sem a expedição do licenciamento ambiental poderia ocasionar “danos graves e irreversíveis ao meio ambiente local”, incluindo a contaminação dos recursos hídricos.

Dois dias antes da emissão do licenciamento ambiental da mina, a Mineratins fechou acordo judicial com a Aura, cedendo a posse das terras à mineradora por 20 anos. 

Corrupção passiva

Esse diferencial, porém, parece ter chamado a atenção da Polícia Federal. Jayme passou a ser investigado por um dos braços da Operação Maximus, deflagrada em agosto de 2024, que investiga a venda de sentenças na Justiça do Tocantins. Ele foi exonerado da presidência do Naturatins no mesmo mês e indiciado em dezembro do mesmo ano por corrupção passiva. Em maio de 2025, Jayme foi alvo de outro indiciamento, dessa vez relativo ao período em que foi secretário de Saúde estadual, em 2019.

Segundo a PF, no caso mais recente ele teria usado o cargo para destravar licenças ambientais para outra mina, da Ore Mineradora, em Goiatins (TO). O esquema envolvia a manipulação contratual e a falsificação de documentos por parte de um advogado da empresa, que ocultava provas de tráfico de influência com o Naturatins e a Agência Nacional de Mineração (ANM). 

Jayme não é o único gestor público acusado de corrupção que participou do licenciamento ambiental da mina da Aura em Almas. O ex-governador do Tocantins, Mauro Carlesse (PP), afastado do cargo em outubro de 2021 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), acusado de fraudes em licitações e desvio de dinheiro, se encontrou algumas vezes com os empresários da Aura. 

A empresa chegou a emitir um ofício endereçado ao governador, em 2020, pedindo anuência para o reaproveitamento do Estudo Ambiental de 2011 da Rio Novo Mineração.

Para Paulo Rogério Gonçalves, engenheiro agrônomo e coordenador executivo da organização Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO), que atua com as comunidades quilombolas do sudeste do estado, o Naturatins tem realizado uma gestão que favorece interesse particulares em detrimento da sociedade e do meio ambiente. “Além de ser tecnicamente insuficiente, existe um monte de interferências políticas”,  afirma. 

Novo estudo ambiental e consulta às comunidades quilombolas  

A ACP proposta pela Defensoria Pública do Tocantins questiona que a ausência de um EIA-RIMA atualizado, condizente com a realidade ambiental atual da região, representa não apenas uma falha administrativa, mas uma violação dos princípios fundamentais que regem a preservação ambiental e a proteção dos direitos das comunidades quilombolas. 

“Haja vista que as potenciais consequências de uma contaminação do lençol freático ou de uma catástrofe ambiental são de origem humanitária, podendo resultar na remoção forçada e deslocamento de diversas famílias de seus lares”, aponta a demanda judicial.

A ação critica também a ausência de um Estudo de Componente Quilombola (ECQ) e de um Projeto Básico Ambiental Quilombola (PBAQ) que leve em conta uma consulta livre, prévia e informada às quatro comunidades quilombola afetadas — Baião, São Joaquim, Lajeado e Poço Dantas —  nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. A ação demanda a realização desses estudos por parte da Aura. 

A defensoria e a COEQTO pediram uma liminar para suspender a licença de operação da mina Almas, e para que se determine a realização de um EIA-RIMA e de um processo de consulta com as comunidades quilombolas. 

De acordo com a defensora Kênia Fernandes, tratativas entre as comunidades e a mineradora, mediadas pela defensoria, haviam começado em dezembro de 2022 e estavam em sua fase inicial quando o Naturatins emitiu a licença de operação da mina. “No momento em que o instituto emitiu essa licença, as conversas não evoluíram mais, porque a empresa pôde seguir com seu trabalho”, explica. 

Cópias do Estudo Ambiental apresentado pela Aura ao Naturatins foram entregues à comunidade Baião em 24 de março de 2023, menos de um mês antes da emissão da licença de operação. As mesmas cópias foram entregues às comunidades Lajeado e São Joaquim somente em 5 de junho de 2023, quando a mina já estava operando.

Em janeiro deste ano, o juiz Rodrigo da Silva Perez Araújo indeferiu um pedido de liminar para a suspensão da licença ambiental, argumentando que a suspensão das atividades da Aura causaria “imensos prejuízos não só para a empresa, mas para toda a região da Comarca e para os inúmeros funcionários que lá trabalham”. 

O juiz argumenta que o Naturatins tem discricionariedade para decidir se um estudo ambiental de uma obra pode ser simplificado ou não. O argumento se baseia em uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que estabelece essa liberdade para os órgãos ambientais em caso de empreendimentos de pequeno impacto ambiental. 

Entretanto, outra resolução do mesmo órgão estabelece que empreendimentos de extração mineral não são considerados de pequeno impacto. 

Um grande entrave para as comunidades quilombolas é a falta de titulação. A defensora Kênia Fernandes lembra que há uma portaria interministerial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que define que a consulta prévia, livre e informada de comunidades quilombolas só é obrigatória caso as comunidades já tenha tido seus territórios identificados e delimitados por relatório. “O que é um absurdo, porque sabemos o tanto de tempo que o Incra demora para concluir esses relatórios”, aponta.  

Das quatro comunidades atingidas pela mineradora, apenas a Lajeado tem a delimitação. As outras encontram-se com sua titulação paralisada no Incra há quase 20 anos. Um dos estados mais negros do país, o Tocantins tem 53 territórios quilombolas em processo de titulação e, até hoje, apenas uma terra quilombola titulada. 

A DPE protocolou um recurso no Tribunal de Justiça do Tocantins requerendo a tutela de urgência para a suspensão da licença. No último 25 de junho, ele foi indeferido.

Na decisão, o desembargador João Rigo Guimarães argumentou que “foram realizados prévios estudos técnicos de impacto ambiental consoante previsto na legislação vigente”, que a atividade da Aura é de “interesse nacional” e que “não cabe ao homem decidir pela localização de cada uma das minas”. 

PL da Devastação

Para além da ação da DPE, todo o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos como a mina de Almas está em disputa. O Senado aprovou, no último 21 de maio, o Projeto de Lei nº 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação”. O projeto propõe uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental no Brasil que, para Kênia Fernandes, desestruturaria o que entendemos por licenciamento no país, “facilitando ainda mais a operação de empreendimentos de mineração como o explorado pela Aura”. 

Segundo a defensora, mudanças trazidas pelo projeto apresentam dispositivos que “flexibilizam etapas fundamentais do processo de licenciamento”. Ela cita a ampliação da categoria de Licença por Adesão e Compromisso, uma espécie de autolicenciamento, para atividades ou empreendimentos de médio porte ou com médio potencial poluidor. Atualmente, a modalidade é permitida apenas para empreendimentos de pequeno porte e com baixo potencial poluidor.

Outra mudança prevista é a criação da Licença Ambiental Especial, pela qual empreendimentos considerados “estratégicos” pelo governo federal podem ter licenciamento simplificado e com prazos reduzidos. A modalidade pode incentivar o lobby em relação à decisão de quais projetos são considerados estratégicos. 

Um dispositivo previsto no PL que afetaria diretamente o licenciamento ambiental da mina da Aura é a dispensa da necessidade da Consulta Livre, Prévia e Informada a povos e comunidades tradicionais apenas àquelas tituladas ou demarcadas. Caso o projeto fosse aprovado, ficaria regulamentado que nenhuma das comunidades quilombolas vizinhas à mina de Almas precisariam ser consultadas, o que contraria a Constituição Federal e resoluções internacionais como a Convenção 169 da OIT.

Aura é controlada por família campeã em requerimentos sobre terras indígenas

Um relatório financeiro indica que a mina da Aura em Almas, em seu segundo trimestre de operação, no terceiro semestre de 2023, obteve uma receita líquida de 15,4 milhões de dólares e um lucro bruto de 6,7 milhões de dólares. No primeiro trimestre de 2025, a receita líquida da mina saltou para 37,12 milhões de dólares, com lucro bruto de 20,6 milhões de dólares.

Empresa canadense com sede nas Ilhas Virges Britânicas e capital aberto na bolsa de Toronto, a Aura Minerals foi a primeira mineradora de ouro listada na bolsa brasileira, a B3, em julho de 2020. A oferta inicial das ações da mineradora na B3 teve um valor de mercado de R$ 3,9 bilhões.

Nesta segunda-feira (7), a mineradora protocolou um documento na Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC) para uma oferta pública no país. Com a oferta, a Aura pretende levantar cerca de US$ 210 milhões, que serão utilizados para a aquisição da operação da mina Serra Grande, em Goiás. Segundo nota publicada pela Invest News, o valor de mercado da Aura mais do que dobrou neste ano, impulsionado pela valorização do preço do ouro, atingindo US$2 bilhões.

A mineradora é controlada pela Northwestern Enterprises, veículo de investimentos do empresário brasileiro Paulo Carlos de Brito, que possui 54,15% do capital da mineradora. O filho do empresário, Paulo Carlos de Brito Filho, integra o conselho de administração e o comitê de governança da Aura.

A família detém também o Grupo Santa Elina, que reúne pelo menos oito empresas do setor minerário. Em 2020, o grupo liderava a corrida pela mineração em Terras Indígenas – 8% dos cerca de 3.100 pedidos de lavras ou pesquisas minerais sobrepostos a estes territórios, como revelou investigação da Repórter Brasil.

Em 2023, a Justiça Federal condenou o Grupo Santa Elina a ressarcir o povo indígena Nambikwara por desmatamento realizado para abertura de lavras ilegais de garimpo na Terra Indígena Sararé, localizada no município de Pontes e Lacerda (MT). A decisão integrou a sentença de uma Ação Civil Pública proposta em 1992 pelo Ministério Público Federal contra o grupo, uma cooperativa de garimpeiros (com a qual ela havia firmado acordo), a Funai e a União.

A ACP cita que, com o acordo que permitiu a atividade garimpeira dentro de área de pesquisa da mineradora, “houve graves e irreparáveis danos ao ecossistema”. 

A sentença destacou que o córrego Água Suja, na fronteira da TI Sararé, foi completamente descaracterizado pela atividade garimpeira na região, tendo sido removido de seu curso original, além de ter sido contaminado pela atividade garimpeira: “como a lavra está na dragagem dos aluviões dos córregos, estes cursos d’água estão carregando continuamente os rejeitos do garimpo para o Rio Sararé, que já se apresenta totalmente poluído”, destaca o documento. 

Conflitos sociais e impactos ambientais na América Central

Além da mina em Almas, a Aura opera a mina de ouro Apoena/Complexo EPP, no Mato Grosso, a mina de ouro e cobre Aranzazu, no México, e a mina de ouro San Andres, em Honduras. A mineradora tem outros cinco projetos de minas em crescimento, exploração ou ramp-up (início da produção), localizadas nos estados do Pará, no Mato Grosso, no Rio Grande do Norte, na Colômbia e na Guatemala.

A empresa é acusada de impactar comunidades tradicionais nos outros países onde opera.

Junto a outras mineradoras transnacionais, Greenstone e Yamana Gold, a empresa e sua subsidiária Minerales de Occidente (Minosa), que opera na mina hondurenha de San Andrés, são acusadas de violações de direitos do povo indígena Maya Chorti da comunidade de Azacualpa, por meio de criminalização de defensores ambientais e contaminação de fontes de água.

A Minosa opera a mina San Andrés desde 2009. Em junho de 2017, ela e a Aura foram acusadas de contaminar o rio Lara por meio do despejo de pilhas de lixiviação, causando a morte de milhares de peixes. 

Já em 2018, o jornal britânico The Guardian reportou que a Aura vinha explorando ouro sobre túmulos maias de 200 anos próximos a Azacualpa. A reportagem denuncia que a Minosa teria exumado 350 corpos durante a extração do metal. 

No México, por sua vez, a Aura Minerals já ocupou o ranking das mineradoras com concessões mais volumosas de água, com outorga de 537,8 mil metros cúbicos por ano, segundo dados de 2016 da organização Cartocritica e da Comissão Nacional da Água. 

Outro estudo de diagnóstico ambiental publicado pela Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais do México, pelo Instituto Mexicano de Tecnologia da Água e pelo Instituto Nacional de Ecologia e Mudança Climática concluiu que em 2021 a mina de Aranzazu estaria extraindo um volume de água 30% maior do que o outorgado para sua operação. 

Aquífero secando

Há dez anos, uma seca recorde no Tocantins estampou as manchetes de jornais por todo o país. O governo do estado decretou situação de emergência em 27 municípios da região sudeste por falta de água – entre eles, Almas.

“Nossa promotoria ambiental nasce da crise hídrica no Tocantins”, afirma Jorge José Maria Neto, promotor de justiça da Regional de Ambiental do Estado do Tocantins. 

À época, o Ministério Público do Tocantins (MP-TO) abriu um procedimento administrativo para investigar qual era o controle que o Naturatins e a Agência Nacional de Águas tinham sobre o uso de água pelo agronegócio no sudeste do estado. 

“E a gente percebeu que não havia controle nenhum. A captação de água, quem violava, quem falava o quanto que ia tirar, o quanto que ia deixar, era, de fato, tudo na mão do agronegócio”, revela o promotor. 

Desde então, com o avanço da fronteira agrícola da soja sobre o Matopiba, o principal aquífero que abastece o sudeste do Tocantins, o Urucuia, vem perdendo cada vez mais volume. Um estudo publicado na revista científica Water Resources Research em agosto de 2023 revelou que a irrigação de monoculturas contribuiu para a redução de 31 km2 de volume do aquífero entre 2002 e 2021. 

“Hoje, sobre o aquífero Urucuia, nós temos 3 milhões de hectares de soja que estão impedindo toda a sua recarga. Muitos rios já secaram”, destaca Paulo Rogério Gonçalves. 

Segundo o coordenador da APA-TO, a conjuntura, somada a um projeto agrícola irrigado que desde 2008 se instalou nas margens do Manuel Alves, represando parte da vazão do rio, provocou grande impacto no acesso das comunidades locais à água.

“Estamos extremamente preocupados com as comunidades. Tem famílias que não conseguem mais ficar em suas áreas no período da seca, são obrigadas a se deslocar para a cidade”, denuncia Paulo Rogério Gonçalves. 

Somada à redução da descarga do Urucuia e ao Projeto Manuel Alves, a instalação da Aura, na visão do agrônomo, tem um potencial desastroso. “Tudo indica que irá piorar”, completa. 

Em 24 de março de 2025, durante uma audiência de conciliação entre os quilombolas e a Aura, a Defensoria Pública exigiu a elaboração do estudo de impacto ambiental da mina de Almas, além da elaboração de um estudo exclusivamente concentrado sobre os impactos para as quatro comunidades quilombolas. A mineradora acatou a solicitação, mas ainda não houve acordo com as comunidades quilombolas.

Na mesma audiência, a Defensoria requereu que o Naturatins se manifestasse sobre a motivação de ter aceitado receber um estudo ambiental simplificado para a mina da Aura em Almas, no lugar de uma análise detalhada. O instituto respondeu que o estudo ambiental contemplou “todas as etapas exigidas pelas normas ambientais estaduais”.

“O fato é que todo o processo foi conduzido à revelia das comunidades. Porque, quando estávamos nesse processo de diálogo, e estávamos caminhando para uma consulta, no meio disso o estado emitiu uma licença, que permitiu à empresa funcionar”, afirma a defensora Fernandes. 

Segundo dados da Aura, a estimativa de vida útil da mina de Almas é de dez anos, com uma produção média anual de 61,2 mil onças de ouro. 

“A gente fica se perguntando o que de bom a mineradora vai deixar”, questiona o quilombola Laelson Ribeiro de Souza. “Porque o ouro eles estão levando para fora do Brasil. E a cidade vai ficar e vai ficar de novo com os problemas. Então a riqueza vai e os problemas ficam”, completa.

Em nota, o Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins) disse: “os estudos ambientais utilizados no processo de licenciamento da mina da empresa Aura Minerals, no município de Almas, foram elaborados de acordo com as exigências legais vigentes e têm como referência a data de protocolo do requerimento de licenciamento”. Leia a nota na íntegra.

A reportagem procurou o ex-presidente do instituto, Renato Jayme, acerca das denúncias apresentadas. Não houve resposta até a publicação.

Consultada, a assessoria de imprensa da Aura Minerals afirmou que a empresa “atua em total conformidade com a legislação brasileira e dos demais países em que opera, seguindo rigorosos padrões éticos e dentro das melhores práticas de mercado”. A nota destaca também que a empresa reitera um “compromisso com o diálogo e a transparência junto a seus públicos e comunidades, promovendo relações saudáveis e uma mineração responsável”. 

O Joio e O Trigo é uma instituição sem fins lucrativos e todo o nosso conteúdo é feito sob a licença Creative Commons. Para republicar nossas reportagens gratuitamente, é preciso mencionar o nome do nosso projeto e do autor do texto, entre outras regras disponíveis na nossa Política de republicação (https://ojoioeotrigo.com.br/politica-de-republicacao)

Por Tatiana Merlino João Peres Julia Dolce, de Almas e Dianópolis (TO) e de São Paulo (SP).

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