O cantor Milton Nascimento completa 82 anos neste sábado (26). Com mais de 60 anos de carreira, o mineiro terá sua trajetória reverenciada no Carnaval 2025, naquela que será a primeira homenagem da Portela a uma pessoa viva.
Natal, Paulo da Portela, Clara Nunes, Getúlio Vargas e Pixinguinha viraram na águia altaneira centenária. Todos eles, no entanto, já estavam mortos quando tiveram suas histórias apresentadas pela Portela na avenida. Essa também marca a primeira vez, em quase mais de vinte anos, que a agremiação homenageará alguém de fora do seu tão vasto panteão de sambistas, conforme ressaltou a pesquisadora de enredo Beatriz Chaves em entrevista à CNN.
“Eu me sinto fazendo parte de algo muito ousado. De certa forma, não é só pela questão da Portela estar homenageando alguém em vida, mas alguém fora desse núcleo portelense que a gente já está mais acostumado. Você tem Clara Nunes, várias outras homenagens dentro desse núcleo de estrelas portelenses, que as pessoas já esperam que a Portela faça esse tipo de homenagem”, afirmou.
O carnavalesco André Rodrigues, que será responsável pelo desfile da Portela ao lado de Antonio Gonzaga, adiantou que, ao pensar o enredo, a equipe de criação da escola optou por uma abordagem que respeitasse a grandeza de Milton Nascimento e da Portela, para que ambos se reverenciassem ao mesmo tempo.
“Como devotos profundos do sagrado da escola de samba, essa foi exatamente uma de nossas preocupações: desenvolver um enredo que não demonstrasse uma subserviência da Portela e nem do Milton. Ambos estão no mesmo patamar de importância para a música brasileira, se reverenciam e se respeitam”, explicou.
“A oportuna homenagem não é por quebrar paradigmas da Portela sobre ser o primeiro homenageado vivo ou não, mas sim, de ter a consciência de que o Milton merece essa homenagem em vida por marcar vidas, gerações inteiras; não é importante que ele saiba da nossa gratidão por tudo isso?”, questiona.
Para homenagear Milton Nascimento, o enredo escolhido foi “Cantar será buscar o caminho que vai dar no sol — Uma homenagem a Milton Nascimento”, de autoria dos carnavalescos André Rodrigues e Antonio Gonzaga e dos pesquisadores Beatriz Chaves e Marcelo David Macedo, proporá uma procissão que vai ao encontro de Bituca.
Como será o enredo da Portela sobre Milton Nascimento?
O pesquisador Marcelo David Macedo contou que, para ele, não há homenagem maior do que ser enredo de escola de samba. E, para desfilar toda a grandeza de Milton Nascimento, a Portela fará diferente.
André, que chegou com Antonio à Portela para fazer o Carnaval de 2024, explicou que o desfile será como um musical e fugirá da ordem biográfica costumeiramente adotada em enredos que homenageiam grandes personalidades brasileiras.
Conforme Beatriz explicou, o enredo inverte a lógica da letra de “Nos Bares Da Vida” e, em vez de o artista ir onde o povo está, é o povo da Portela que vai de encontro a Milton. O cortejo sai de manhã cedo da quadra da escola, localizada no bairro de Oswaldo Cruz, na zona norte do Rio de Janeiro, e vai em busca do mineiro.
As músicas da carreira do cantor aparecerão ao longo das alas e alegorias, sempre pontuando o período o dia: de manhã com mais esperança; de tarde com mais força; e, de noite com denúncia política. O encerramento promete ser uma grande aurora em que Milton e Portela se encontram.
“Milton e Portela têm boas semelhanças: a grandeza, a excelência musical, a influência do catolicismo negro, a elegância, o histórico de luta, o alcance popular… também por isso, é um enredo tão bonito”, definiu o pesquisador Marcelo David Macedo.
O formato da procissão também é peculiar, já que Clara Nunes, um dos maiores ícone da história portelense, cantava que a agremiação suburbana é “a procissão do samba”.
“A ‘procissão do samba’ cantada por Clara Nunes em ‘Portela na Avenida’ é o próprio caminhar rumo ao Sol, rumo à Milton Nascimento”, explica André.
Ouça o damba-enredo da Portela sobre Milton Nascimento
O samba que embalará o desfile também já foi escolhido. Em uma disputa apertada, a Portela anunciou a obra de Samir Trindade, Fabrício Sena, Brian Ramos, Paulo Lopita 77, Deiny Leite, Felipe Sena e JP Figueira como vencedora.
Portela quer levar a emoção de Milton Nascimento para a Sapucaí
A abordagem escolhida pela Portela é, a exemplo do que foi feito com o livro “Um Defeito De Cor” em 2024″, a da emoção, apostando na capacidade que a escola tem de tocar quem assiste o desfile com uma narrativa tão bonita.
“[A Portela] é uma escola emotiva e emocionante. É em momentos assim que ela se sente melhor e mais bonita, e é por isso que nós nos sentimos tão à vontade indo por essa linha, é assim que o portelense gosta de se mostrar. Milton é amor e emoção em estado puro, e nada poderia ser mais Portela do que isso”, defendeu Marcelo.
Sua dupla de pesquisa, Beatriz Chaves, por exemplo, foi batizada em homenagem ao cantor, já que seu nome foi escolhido em função da interpretação de “Beatriz”, de Chico Buarque, feita por Milton Nascimento.
“É um olhar muito afetivo, como se eu estivesse falando de alguém da minha família. É como se eu estivesse falando de alguém que eu admiro muito. Acho que o sentimento que vai estar na Portela para mim é desse lugar. Lugar do Milton da voz de Deus, porque é assim como eu enxergo essa figura”, definiu Beatriz.
Por fim, André Rodrigues revela o desejo de que essa emoção transborde em forma de reverência no sambódromo da Marques de Sapucaí.
“Será importante cristalizar a imagem de homem, senhor com seus 80 e poucos anos, negro retinto, que fez da sua voz a voz de tantos, todo mundo tem uma lembrança aliada ao Milton e suas músicas, e que naquele momento o desfile tenha sido grande e emocionante o suficiente para que a voz de tantos sejam a de aclamação, reverência e homenagem”, concluiu.
Em 2025, a maior campeã da folia carioca será a última escola a desfilar na terça-feira de Carnaval, quando Mocidade Independente de Padre Miguel, Paraíso do Tuiuti e Acadêmicos do Grande Rio também cruzam a Sapucaí.