O Tesouro Nacional determinou a suspensão de novas contratações de financiamentos com subvenção federal nas linhas do Plano Safra 2024/25 a partir desta sexta-feira (21/2). Apenas as operações de custeio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) poderão ser acessadas.
Em ofício encaminhado nesta quinta-feira (20/2) às 25 instituições financeiras que operam recursos equalizados nesta temporada, o órgão destaca que houve “aumento relevante dos gastos” por conta da forte elevação da Selic.
“Devido à divulgação de nova grade de parâmetros oficial pela Secretaria de Política Econômica no início do presente mês e ao recebimento de informações atualizadas da previsão de gastos com o estoque de operações rurais contratadas com equalização de taxas de juros, as estimativas dos gastos para 2025 com a referida subvenção econômica foram atualizadas, tendo como resultado um aumento relevante dos gastos devido à forte elevação nos índices econômicos que compõem os custos das fontes em relação aos utilizados na confecção do Projeto de Lei Orçamentária — PLOA 2025, ainda em tramitação no Congresso Nacional”, explica o ofício.
“Diante desse quadro e considerando que o Projeto de Lei Orçamentária para o exercício ainda não foi aprovado, determino a suspensão, a partir de 21/02/2025, de novas contratações de financiamentos subvencionados pelo Tesouro Nacional do Plano Safra 2024/25 — excetuando-se as linhas de financiamento de Pronaf Custeio”, completa o documento.
Realocação de recursos
Na semana passada, o governo federal havia anunciado que faria uma realocação de recursos, de linhas que estavam com demanda aquém do esperado, para fortalecer o custeio do Pronaf. A medida informada hoje, porém, é mais abrangente, pois determina o fechamento dos protocolos em todos as instituições financeiras.
Como a reportagem mostrou anteriormente, técnicos do governo já consideravam que o orçamento para pagamento da equalização dos juros estava “quase esgotado” diante do aumento do gasto ocasionado pela elevação da Selic. A alta nos juros da economia impactam os custos de captação dos bancos e aumentam a diferença que o Tesouro precisa bancar entre a taxa que o agricultor paga na ponta e o que o dinheiro realmente custa, mais os spreads bancários.
Esse cálculo vale tanto para operações contratadas neste Plano Safra quanto para um estoque de financiamentos equalizados nos últimos anos. Algumas contratações de investimentos feitas na pandemia, por exemplo, tinham juros de 4,5%, como na linha ABC, hoje RenovAgro. O Moderfrota, para aquisição de máquinas no Plano Safra 2020/21 foi de 7,5%. Com a Selic em 13,25% e expectativas de o índice chegar ou ultrapassar 15% neste ano, a conta ficou mais cara e obrigou o governo a fechar a porta mais cedo.
Como essa é uma despesa obrigatória da União, o não pagamento da equalização, por falta de orçamento ou qualquer outro motivo, pode configurar crime de responsabilidade fiscal.
Surpresa para os bancos
Apesar da avaliação unânime de cenário mais apertado em 2025, a medida pegou de surpresa várias instituições financeiras nesta quinta-feira (20/2). A suspensão pode atrapalhar os planos de alguns agentes, que se programaram para oferecer recursos equalizados, que têm ficado “mais em conta” para o produtor com a subida da Selic, nesse primeiro semestre do ano — segundo semestre da safra.
“Fomos pegos de surpresa, não vivemos isso ainda. É preocupante, pois ainda tem quatro meses para o término da safra e a demanda continua aquecida”, disse um executivo de uma das instituições financeiras que ainda tinham saldo significativo de recursos equalizados para operacionalizar.
“Ainda estamos estimando para saber o que tem na esteira, o que vai ficar na previsão e, se contingenciar amanhã, o que não vamos atender”, disse.
Um outro diretor de banco disse que muitas operações já em curso não serão concretizadas. “Com certeza não vamos conseguir viabilizar as operações que estão em trâmite. Vai ficar muita coisa na esteira“, lamentou.
+Alta da Selic aumenta a incerteza para o agro
O cenário é muito complexo para o governo federal, disse outro executivo. “A pressão em cima do crédito rural está absurda. Todo estoque de crédito concedido, a preços da pandemia, o governo está tendo que equalizar até hoje. A alta de juros não estava prevista nesse ritmo”, afirmou.
As prorrogações de dívidas dos últimos anos, por conta de secas e da catástrofe climática do Rio Grande do Sul, também pesaram nessa conta, pois consome mais orçamento.
Mesmo assim, os bancos não esperam uma “medida desse nível”, com a suspensão das contratações. A iniciativa não é nova, já ocorreu em anos anteriores. Em várias ocasiões, houve reabertura das concessões de empréstimos com equalização. Em 2023, por exemplo, os recursos equalizados começaram a se esgotar no primeiro trimestre da safra. Novas regras do governo federal melhoraram a distribuição dos valores ao longo de todo calendário agrícola.
Agora, porém, a culpa não foi do apetite dos produtores nem de eventual desorganização nos desembolsos, mas no custo da política.
Um banco regional alertou ainda que, além dos saldos de cada agente financeiro reservados para essa segunda metade da safra, para apoiar alguns investimentos, principalmente, a determinação do governo deve atingir os recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que são repassados por várias instituições credenciadas em todo o Brasil.
Sem retornos de Brasília, os executivos já estão preocupados com os resultados das contratações no restante da safra, uma vez que restarão como opção para os produtores, a grosso modo, os juros livres, operados cada vez mais próximos de 20% ao ano.
“Se a Selic está em 10% e tem um Moderfrota a 12,5%, parece alto e alguma instituição financeira consegue viabilizar crédito sem equalização perto de 15%. Mas quando temos juros no patamar atual, de 13,25%, não tem como entregar fora da equalização nem perto de 12,5%. É muito longe das opções de mercado”, disse um diretor.
Dúvidas
As instituições financeiras passaram o fim da manhã na tentativa de obter mais informações do governo federal, mas sem sucesso.
A principal dúvida é se existe alguma perspectiva de reabertura das contratações assim que o PLOA 2025 for aprovado ou não.
Os agentes querem saber, por exemplo, se os gastos da União ficaram acima do planejado porque só há disponibilidade do duodécimo sem a aprovação do PLOA até hoje ou se o orçamento geral deste ano, previsto em mais de R$ 14 bilhões para a equalização de juros do crédito rural, já foi comprometido.
Consultado, o Tesouro Nacional ainda não retornou.
Equalização
Dos mais de R$ 476 bilhões anunciados para o Plano Safra 2024/25, da agricultura familiar e empresarial, R$ 133,6 bilhões poderiam ser acessados em linhas com a equalização de juros, que garante taxas mais baixas aos produtores rurais.
O limite equalizável para o custeio do Pronaf, linha preservada na determinação de hoje, era de R$ 38 bilhões no início do Plano Safra. Questionado, o governo não informou o saldo disponível para essa modalidade atualmente.
De julho de 2024 a janeiro de 2025, foram concedidos R$ 226,8 bilhões em financiamentos do Plano Safra. Desses, ao menos R$ 77 bilhões tinham equalização. São recursos livres equalizáveis (R$ 32,6 bilhões), poupança rural com subvenção econômica (R$ 25,7 bilhões), BNDES equalizável (R$ 17,9 bilhões) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) com subvenção (R$ 797,5 milhões). Os dados são do Banco Central, acessados em 6 de fevereiro deste ano.