A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) vai defender o país no processo aberto pelos Estados Unidos para investigar sobre atos, políticas e práticas relacionados ao acesso ao mercado de etanol e desmatamento legal. A entidade deve contrapor acusações enviadas nos últimos dias ao governo americano por associações de produtores e indústrias locais que atribuem ao setor produtivo brasileiro práticas “insustentáveis”, “ilegais” e “corruptas”.
Liderada pelo Escritório do Representante Comercial norte-americano (USTR, na sigla em inglês), a ação mira também o comércio digital e serviços de pagamento eletrônico (pix), tarifas preferenciais injustas, aplicação anticorrupção e proteção da propriedade intelectual. O processo permite aos EUA investigarem práticas comerciais que possam ser consideradas desleais ou discriminatórias, e pode resultar na aplicação de novas sanções unilaterais contra o Brasil se forem comprovadas irregularidades.
A investigação, sob a Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA de 1974, foi aberta em 17 de julho. As partes podem se manifestar no processo até 18 de agosto.
Por enquanto, associações de produtores e de empresas americanas têm se manifestado contra importações de produtos brasileiros no processo e feito críticas ao Brasil.
Etanol
A associação comercial da indústria de processamento de biocombustíveis do Kansas (Renew Kansas) e a entidade que representa as empresas de recebimento, armazenamento, processamento e transporte de grãos do Estado (KGFA) afirmaram que estão “profundamente preocupadas que as práticas comerciais atuais do Brasil criem desvantagens sistêmicas injustas para os agricultores dos EUA, particularmente em relação à expansão agrícola ligada ao desmatamento, tarifas de etanol e exportadores agrícolas, e as cadeias de suprimentos que os sustentam”.
As entidades, que representam empresas que atuam no Meio-Oeste americano, criticam duramente a “fraca aplicação das leis ambientais e de uso de terra no Brasil”, o que, segundo elas, estaria permitindo o avanço rápido da produção impulsionado pelo desmatamento ligado ao cultivo de soja e à criação de gado.
“Grande parte dessa expansão ocorre em terras pelo menos 50% mais baratas do que a área desmatada anteriormente, proporcionando aos produtores brasileiros uma vantagem de custo construída sobre práticas insustentáveis e ilegais”, afirmam em documento anexo ao processo do USTR.
Desmatamento
Elas citam uma análise de 2023 que estimou que, de 2012 a 2030, o desmatamento brasileiro poderia custar aos agricultores dos EUA entre US$ 190 bilhões e US$ 270 bilhões em receita perdida em soja, carne bovina e commodities relacionadas.
Outra crítica é em relação à alíquota imposta pelo Brasil para exportação de etanol americano, atualmente em 18%. As entidades dizem que as tarifas geraram perda de volume exportado e contratos que eram vitais para a viabilidade comercial de usinas de biocombustíveis dos EUA. As associações ainda apontam desequilíbrios mais amplos no comércio agrícola em favor do Brasil, que resultam em perda de participação de mercado dos produtores norte-americanos de soja, milho, trigo e outros cereais. Elas citam, por exemplo, a relação entre Brasil e China no comércio de soja.
“O Brasil usou suas práticas de desmatamento ilegal e tratamento comercial preferencial em detrimento dos exportadores norte-americanos de produtos agrícolas globalmente”, diz o documento da Renew Kansas e da KGFA.
As associações sugerem ao USTR que sejam aplicadas medidas comerciais contra mercadorias brasileiras produzidas em áreas desmatadas e que o governo americano negocie a remoção das tarifas do Brasil sobre combustíveis renováveis dos EUA.
Madeira
Já o diretor-executivo da associação de madeireiros do Mississippi, David Livingston, disse que a importação de produtos de madeira do Brasil, avaliados como “mais baratos e insustentáveis”, causou um “efeito terrível” na indústria local, com o fechamento das fábricas. Ele critica também a falta de rastreabilidade dos produtos florestais brasileiros “despejados” nos EUA, o que gera uma concorrência desleal.
“Nos EUA, precisamos rastrear a origem de cada árvore explorada. No caso do Brasil, não há sistema de ‘Track and Trace’ para prevenir o desmatamento ou a conversão de áreas florestais”, diz em documento anexo ao processo no USTR. “Precisamos interromper todas as importações de produtos florestais, especialmente aquelas que o fazem de forma realmente injusta e possivelmente ilegal, para começar a colocar as florestas do nosso país de volta aos trilhos”, completou.
O senador republicano do Mississippi J. Tyler McCaughn, presidente do Comitê Florestal do Senado, disse que a produção florestal do Brasil viola regras internacionais do comércio. O Mississippi é um dos principais produtores de madeira, com mais de 7,6 milhões de hectares de área florestal, mas o mercado tem declinado nos últimos 20 anos, o que resultou no fechamento de fábricas de papel. O Estado também é forte na produção agrícola, com mais de 31 mil fazenda, e receita anual de US$ 9 bilhões vindos do setor.
“A indústria tem se tornado cada vez mais consciente de que o Brasil tem manipulado o sistema ao cumprir fraudulentamente os padrões europeus de sustentabilidade por meio de práticas internas corruptas”, acusa o senador em documento anexo ao processo. Ele diz que os produtos brasileiros são mais baratos, mas que não são “sustentáveis”.
“Nossos mercados agrícolas também enfrentam crescente pressão da produção brasileira ilegítima. Uma vez que as florestas são desmatadas ilegalmente, elas devem ser replantadas; no entanto, agora está claro que tais esforços de reflorestamento não estão sendo realizados”, acrescenta o parlamentar.
O senador McCaughn acusa o Brasil de realizar “desmatamento ilegal, práticas de concorrência desleal e esquemas fraudulentos que deturpam produtos florestais”. Isso, segundo ele, gera “grave desvantagem” aos produtores americanos. “Sem uma intervenção decisiva, a indústria de produtos florestais no Mississippi continuará a declinar“, conclui.