Segundo levantamento do programa europeu Copernicus, desde agosto de 2023 a temperatura média global tem se mantido 1,5 °C ou mais acima da média do período pré-industrial (1850–1900), utilizado como referência. A única exceção foi o mês de julho de 2024, que registrou um desvio de 1,48 °C.
O limite máximo de aquecimento de 1,5 °C em relação à média pré-industrial, estabelecido pelo Acordo de Paris, já foi superado — e tudo indica que cruzamos o ponto de não retorno. Essa é a situação que se impõe.
O dióxido de carbono e o metano são dois dos principais gases responsáveis pelo aquecimento anormal do planeta. Diversas atividades que exercemos em nosso dia a dia geram esses gases. O dióxido de carbono é gerado principalmente pela queima de combustíveis fósseis e pelas queimadas.
O metano é gerado em sistemas de tratamento de esgoto, deposição de resíduos sólidos, algumas atividades agropecuárias e está presente no gás natural.
Características contrastantes
Cada um deles tem características específicas e contrastantes. O dióxido de carbono pode ficar séculos ou milênios na atmosfera até ser absorvido naturalmente. O metano dura cerca de 12 anos. Diante de duas opções (dióxido de carbono ou metano), até aqui parece óbvio que compensa emitirmos mais metano do que do seu “rival”. Mas há outra característica que precisa ser revelada. Tomando como base o potencial do dióxido de carbono em gerar efeito estufa, o metano é cerca de 30 vezes mais intenso.
Resumidamente, o dióxido de carbono é menos intenso na geração de efeito estufa, mas pode ficar séculos (ou milênios) na atmosfera. Já o metano fica pouco mais de uma década na atmosfera, mas seus efeitos para o aquecimento são 30 vezes mais intensos.
Por que temos que escolher?
Como o metano é um combustível, ele pode ser queimado e transformado em dióxido de carbono. Há programas incentivados pelo governo federal para utilizar o metano, produzido a partir da decomposição de resíduos orgânicos, misturado ao gás natural. Ao ser queimada, essa mistura vai gerar dióxido de carbono. Seria essa uma boa solução?
Vejamos. Recentemente, participei de uma banca de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Energia do Instituto de Energia e Ambiente da USP. Durante a arguição, que especialmente no doutorado são naturalmente longas, eu disse que não compensava queimar metano gerado pela decomposição de resíduos orgânicos, pois o dióxido de carbono fica muito mais tempo na atmosfera.
Um colega, entretanto, apresentou uma argumentação muito plausível. Disse ele, como estamos em uma emergência climática, em que ultrapassamos o limite de 1,5 °C, é preferível transformar o metano em dióxido de carbono.
Dessa forma, trocaríamos um gás muito intenso em efeito estufa (metano) por outro bem menos intenso (dióxido de carbono), mesmo que o segundo permaneça muito mais tempo na atmosfera.
Nenhuma das alternativas é isenta de consequências. Em um cenário onde já ultrapassamos limites críticos para o equilíbrio climático, nem sempre há espaço para escolhas ideais — somente para decisões que minimizem danos.
Transformar metano em dióxido de carbono pode soar contraditório à primeira vista, mas diante da urgência, pode representar uma estratégia de contenção temporária. A crise climática nos impõe dilemas cada vez mais complexos, em que o desafio não é optar entre o bem e o mal, mas entre o mais ou o menos prejudicial. E isso exige coragem, ciência e responsabilidade.