Fruticultores do Rio Grande do Sul voltaram a enfrentar nesta safra prejuízos severos devido aos herbicidas hormonais, especialmente os que têm como princípio ativo o 2,4-D, aplicados nas lavouras de soja para eliminar plantas daninhas. Após uma queda no número de casos, as contaminações comprovadas voltaram a subir em 2024, gerando perdas graves no campo.
A má aplicação do produto gera uma deriva, que, dependendo do vento, pode viajar por até 30 quilômetros. Ao atingir as lavouras sensíveis, o 2,4-D mata as plantas novas e atrofia as adultas, provocando grandes prejuízos na produção de diversas culturas, como uva, maçã, oliveira, noz-pecã e hortaliças.
Em Cachoeira do Sul (RS), o produtor Jose Roberto Alfaro Silveira, proprietário da fabricante de azeites Casa Alfaro, não vai colher nenhuma azeitona em sua área de 22 hectares de oliveiras.
“Esse herbicida, usado em lavouras de soja nos arredores, afeta hormonalmente a planta, derrubando floração e fruto. Ele também ataca as pontas dos galhos, onde iria se desenvolver a produção do ano seguinte. Então, quando ocorre contaminação, ela afeta duas safras em sequência”, explica.
Desde 2013, quando começou as atividades de olivicultura, a Casa Alfaro já enfrentou seis perdas de safras devido às derivas do herbicida, acumulando perdas de, no mínimo, R$ 250 mil por ano, segundo Silveira.
“Em um ano sem problemas, colhi 23 toneladas de azeitona. No ano seguinte, quando uma propriedade vizinha usou esse herbicida, fomos atingidos. Assim, numa safra em que o Rio Grande do Sul teve colheita recorde, produzimos apenas 200 quilos”, comenta.
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As perdas constantes prejudicam os negócios da empresa. “Não consigo ter safras regulares, então não consigo atender aos pedidos dos clientes por meu azeite e firmar minha marca”, completa.
Também em Cachoeira do Sul, o produtor de noz-pecã Lailor Garcia teve seu pomar de sete hectares atingido quatro vezes por derivas do defensivo agrícola nesta safra.
“As árvores mais jovens são as que sofrem mais, estão na fase de crescimento. Os galhos que iriam crescer entortam e secam, e somos obrigados a podar, perdendo todo o ciclo de crescimento da planta. E a qualidade dos frutos é muito reduzida”, explica.
Garcia diz que chega a pensar em abandonar a atividade, uma vez que os retornos dos investimentos no pomar são consumidos pelas perdas. “Às vezes a gente entra no pomar e não sabe se chora ou se desiste. É desesperador”, lamenta.
O produtor instalou quatro birutas em sua propriedade para ver a orientação dos ventos e informar propriedades vizinhas para evitar a aplicação do herbicida quando houve possibilidade de atingir seu pomar.
“Mas todo mundo usa ele praticamente ao mesmo tempo nas lavouras, para não perder a janela de aplicação, então as moléculas podem vir carregadas de longe pelo vento”, descreve.
Casos voltam a subir
Segundo a Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), o Rio Grande do Sul teve o maior pico de casos confirmados de deriva de 2,4-D em 2019, com 108 propriedades atingidas.
Entre 2019 e 2022 houve uma redução bem significativa, chegando a uma queda de 63%. No entanto, em 2024 o número voltou a crescer, confirmando 86 propriedades atingidas.
Segundo a Seapi, esse aumento ocorreu porque a janela de plantio ficou reduzida em virtude das chuvas do ano passado, e o produtor rural teve menos tempo para aplicar herbicidas nas condições ideais.
Desde 2018, a Seapi estabeleceu normativas de instrução de aplicadores e de uso dos herbicidas auxínicos, bem como ações fiscais dirigidas para mitigar os impactos das ocorrências de deriva. São exigidos cursos de formação de aplicadores e declaração de uso, entre outros condicionantes.
As normativas iniciaram a vigência no segundo semestre de 2019 e têm previsão para entrar em vigor em todo o Estado em janeiro de 2026. “Ou seja, há ainda municípios que não têm obrigação, por exemplo, de ter curso de aplicadores para realizarem as aplicações de herbicidas hormonais”, destaca a Secretaria.
A Seapi informa que os produtores atingidos podem e devem buscar a reparação extrajudicial, ou até mesmo judicial. No entanto, reconhece que “nem sempre é fácil identificar a origem da deriva e talvez por este motivo ainda são baixos os processos de indenização”.