O Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) decidiu que a Moratória da Soja segue válida até 31 de dezembro de 2025. O acordo impede a comercialização do grão produzido em área desmatada na Amazônia Legal desde 2008.
Em agosto, a área técnica do órgão havia suspendido o acordo por liminar, derrubada por decisão judicial. No julgamento desta terça-feira (30/9) a maioria dos conselheiros considerou que a decisão inicial do Cade permanece suspensa até o fim do ano. Cabe recurso no próprio órgão de defesa da concorrência (por meio de embargos) ou na Justiça.
O Conselho começou a investigar a Moratória depois de uma representação da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, com apoio da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT). A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) também denunciou.
Pelo menos 30 empresas foram investigadas por formação de cartel. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional de Exportadores de Cereais (Anec) foram colocadas sob suspeita de apoiar uma “conduta uniforme” dos associados.
Antes do início do julgamento, a Abiove pediu para o Cade retirar a Moratória da pauta o. Argumentou que seria uma atitude “precipitada” do Conselho e poderia ser anulada caso todas as partes envolvidas.
“Claramente não pode haver julgamento do presente recurso antes que todas as partes afetadas tenham a oportunidade de apresentar suas próprias razões recursais”, disse a Abiove. O pedido foi negado.
Efeitos anticompetitivos
Relator do caso, Carlos Jacques foi o primeiro a votar. Considerou que a decisão do Cade é válida, e votou por novamente suspender os efeitos do acordo da cadeia produtiva da soja.
Ele destacou que 12 das 18 principais compradoras de soja do Brasil são signatárias da Moratória da Soja. E não há dúvidas, em sua avaliação, de que têm poder de atuar de forma anticompetitiva, pelo seu poder de barganha.
“O produtor que não adere às diretrizes da Moratória da Soja, que é muito mais exigente que a da lei brasileira, passa a poder vender sua produção a uma parcela muito reduzida do mercado comprado”, afirmou.
O conselheiro afirmou ainda que fato de a Moratória existir há quase 20 anos é mais um indicativo da necessidade de sua suspensão. Ele considerou que há restrição à livre negociação entre produtores e tradings. E que o acordo estaria ligado a um aumento no preço do óleo de soja, de 16%.
Jaques destacou ainda que, atualmente, existem outros meios de lidar com produtores em eventual desacordo com as normas ambientais. Destacou como exemplo a possibilidade de concessão e de retirada do Selo Verde.
Ainda para Jacques, o objetivo do monitoramento das áreas poderia ser atingido por outros métodos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que não demanda troca de informações entre agentes econômicos.
Decisão do STF
Segundo a votar, José Levi divergiu do relator, cotando julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre normas estaduais que vedam benefícios fiscais de empresas que participam de acordos semelhantes à Moratória. Na visão do conselheiro do Cade, a decisão do ministro Flávio Dino não incide sobre a Moratória até o dia 31 de dezembro.
Ao proferir sua decisão, Dino afirmou que a liminar do Cade não estaria vigente por causa de outra decisão, da Justiça do Distrito Federal. Ao analisar um mandado de segurança, o tribunal considerou prematuro o Cade suspender a Moratória da Soja por decisão monocrática.
Levi, por sua vez, concluiu que a liminar considera reduzido o prazo dado pela preventiva do Conselho e votou para “fazer valer uma decisão vigente e vinculante” do STF.
O voto foi acompanhado pelos conselheiros Victor Oliveira Fernandes, Diogo Thomson e Camila Cabral Pires Alves.
Segundo a conselheira, eventual preventiva, se vier a ser aplicada em janeiro, deve ser moderada e ficar sujeita à revisão em prazo certo, com julgamento de mérito previsto para o começo de janeiro.
Aprosoja-MT elogia decisão
A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) elogiou o resultado do julgamento. Destacou o voto do relator, conselheiro Carlos Jacques e do presidente do Cade, conselheiro Gustavo Augusto, favoráveis ao pedido da entidade.
Segundo a Associação, apesar de vencidos por maioria no prazo, os votos “reforçam os indícios de cartel e as distorções geradas por esse mecanismo e suas práticas anticoncorrenciais que lesam o ambiente de mercado justo e competitivo”.
A Aprosoja-MT afirma que o fim da moratória é um marco histórico na defesa da livre concorrência e da produção legal no campo. “Há anos, um acordo privado, sem respaldo legal, vem impondo barreiras comerciais injustas aos produtores, sobretudo os pequenos e médios, impedindo a comercialização de safras cultivadas em áreas regulares e licenciadas.”
Indústrias
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) afirmou, em nota, que continuará acompanhando os desdobramentos da decisão do Cade e que pretende colaborar com as autoridades em prol da segurança jurídica e da previsibilidade regulatória do setor.
A entidade ressaltou que a Moratória da Soja é um compromisso multissetorial, voluntário e transparentes, e que é referência internacional em desenvolvimento sustentável há quase duas décadas.
A Abiove também destacou que o pacto tem respaldo legal de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em votos apresentados no âmbito de ações na corte sobre leis que restringem benefícios fiscais a empresas participantes de acordos como a Moratória.
“Com a participação do setor privado, sociedade civil e governo, a Moratória teve sua legalidade reconhecida por decisão liminar vigente pelos ministros Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, que destacaram seus resultados concretos e seu alinhamento com os compromissos internacionais do Brasil”, disse em nota.