Oito bebês, quatro meninos e quatro meninas, podem ter sido protegidos de doenças hereditárias graves após nascerem por meio de uma técnica inovadora de fertilização in vitro (FIV). O procedimento foi realizado com o DNA de três pessoas, em uma intervenção que envolveu a substituição de mitocôndrias defeituosas de suas mães por mitocôndrias saudáveis de uma doadora.
Os resultados do procedimento foram divulgados na quarta-feira (16) pela equipe de pesquisadores da Universidade de Newcastle, na Inglaterra, e publicados na revista científica The New England Journal of Medicine (NEJM). O novo tratamento, conhecido como transferência pronuclear, se mostrou eficaz na redução do risco de doenças hereditárias graves que, de outra forma, seriam incuráveis.
Segundo a pesquisa, todos os bebês nasceram saudáveis, atingindo seus marcos de desenvolvimento, e as mutações no DNA mitocondrial, causadores de doenças, de suas mães estavam indetectáveis ou presentes em níveis improváveis de causar patologias.
Todos os anos, cerca de uma em cada 5 mil crianças nasce com mutações no DNA mitocondrial. Essas alterações podem causar doenças graves e incuráveis, já que as mitocôndrias produzem energia necessária para a vida. As mutações podem afetar tecidos de alta demanda energética, como coração, músculos e cérebro.
Quando a mutação no DNA mitocondrial vem da mãe, essas doenças podem ser transmitidas para o filho. Embora os homens possam ser afetados, eles não transmitem a doença. Apesar dos anos de pesquisa, ainda não há cura para pessoas com doenças no DNA mitocondrial. O novo estudo é um avanço inédito nesse campo.
“Como pais, tudo o que sempre quisemos foi dar à nossa filha um começo de vida saudável. A fertilização in vitro com doação de mitocôndrias tornou isso possível. Após anos de incerteza, este tratamento nos deu esperança — e então nos deu o nosso bebê. Olhamos para eles agora, cheios de vida e possibilidades, e somos inundados de gratidão. A ciência nos deu uma chance”, declarou a mãe de um dos bebês, em comunicado à imprensa.
Como funciona o procedimento?
A transferência pronuclear é realizada após a fertilização do óvulo. O procedimento envolve o transplante do genoma nuclear (que contém todos os genes para as características individuais, como cor do cabelo e altura) de um óvulo portador da mutação no DNA mitocondrial (da mãe) para um óvulo doado por uma mulher não afetada cujo genoma nuclear foi removido.
Dessa forma, o embrião resultante herda o DNA nuclear de seus pais, mas o DNA mitocondrial é herdado predominantemente pelo óvulo doado. Por isso, os bebês que nasceram desse procedimento recebem “três DNAs”, ao invés de dois.
Segundo os pesquisadores, os níveis de DNA mitocondrial causador de doenças detectados em bebês nascidos após o tratamento de transferência pronuclear variaram de indetectáveis a 16% no sangue neonatal — um valor bem abaixo dos 80% necessários para a doença clínica. A presença de mutações no DNA mitocondrial em bebês nascidos após o tratamento resulta da transferência de mitocôndrias maternas que circundam o DNA nuclear no momento do transplante.
A transferência de DNA mitocondrial materno é uma limitação conhecida das tecnologias de doação mitocondrial. A equipe busca entender e abordar melhor essa questão como parte de um programa de pesquisa subjacente.
“Os resultados dão motivos para otimismo. No entanto, pesquisas para melhor compreender as limitações das tecnologias de doação mitocondrial serão essenciais para aprimorar ainda mais os resultados do tratamento”, afirma Mary Herbert, autora principal do estudo.
Apesar disso, todos os oito bebês, incluindo um par de gêmeos idênticos, nasceram saudáveis e se desenvolveram normalmente, cinco não apresentaram problemas médicos desde então. No artigo, a equipe observa que três bebês superaram alguns problemas de saúde precoces que, segundo eles, não conseguem atribuir diretamente à doação de mitocôndrias.
“Embora o acompanhamento a longo prazo de crianças nascidas após doação de mitocôndrias seja de suma importância, esses resultados iniciais são muito encorajadores. Ver a alegria e o alívio que essas crianças trouxeram aos seus pais é um privilégio”, afirma Bobby McFarland, diretor do Serviço Altamente Especializado do Serviço Nacional de Saúde (NHS) para Doenças Mitocondriais Raras, do Reino Unido.