A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e empresas do setor agrícola aumentaram a pressão pela aprovação do projeto de lei 715/2023, que regulariza a contratação de safristas. O objetivo é permitir a formalização do trabalho, com salário compatível à atividade e com carteira assinada, e manter as pessoas como beneficiárias de programas sociais, como o Bolsa Família.
Empresas relatam vagas em aberto, no Sul e Nordeste, por conta desse empecilho. A proposta soluciona a questão do teto de renda bruta familiar, de R$ 218 por pessoa, que os trabalhadores podem ter para manter seus benefícios.
Alguns pactos setoriais firmados neste ano entre governo e produtores de frutas e café, por exemplo, não solucionam esse item.
Já aprovado na Câmara, o PL 715/2023 deve ser votado nesta semana na Comissão de Assuntos Sociais do Senado. A proposta exclui a remuneração decorrente do contrato de safra do cálculo da renda familiar mensal utilizada para a concessão e manutenção de benefícios sociais, notadamente para o caso do Programa Bolsa Família.
O relator, senador Jaime Bagattoli (PL-RO), diz que o programa social ajudou a aliviar a situação de extrema pobreza no Brasil, mas que não se pode “punir” quem entra em um emprego.
“Há, pelos beneficiários, o receio de cair na pobreza se aceitar uma vaga no mercado de trabalho, particularmente com carteira assinada. Isso porque a renda extra pode colocar a família acima da linha de corte de recebimento do benefício. Este é um risco grave porque, para quem sai do Bolsa Família, o retorno ao Programa não é nada trivial. Não apenas não é automático como há uma grande fila de espera”, disse o parlamentar no relatório.
O senador disse que a regra faz menos sentido ainda para o trabalho do safrista, que é temporário.
“Não deveria provocar perda de benefício porque a vulnerabilidade da família se mantém. Este tipo de limite rígido é inadequado para a vida financeira dos mais pobres no Brasil, caracterizada por volatilidade e sazonalidade na geração de renda”, argumentou.
O projeto passou por ajustes. O texto deixa claro que a remuneração temporária recebida como safrista não será contabilizada na aferição da renda per capita familiar para manutenção da elegibilidade do trabalhador ao recebimento de benefícios sociais.
A proposta prevê que as informações trabalhistas relativas aos contratos de safra serão registradas, em campo específico, no Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) e deverão ficar acessíveis à gestão de benefícios do Programa Bolsa Família.
Agora, Bagattoli inclui outro trecho para forçar o Poder Executivo a adaptar o eSocial até a entrada em vigor da lei, que deverá ser em 60 dias após a sanção. O sistema atual não dispõe de um módulo adequado para atender essa demanda. Caso esse prazo não seja cumprido, a obrigatoriedade do registro seria dispensada temporariamente, permitindo que os contratos de safra sejam formalizados sem barreiras adicionais, diz o texto acrescentado pelo senador.
Se aprovado no Senado, o projeto terá que retornar à Câmara. Isso ainda pode atrapalhar a rotina de alguns empresários, como os produtores de uva do Rio Grande do Sul, especialmente na Serra Gaúcha, cuja colheita ocorre entre janeiro e fevereiro. No Vale do São Francisco, na Bahia e em Pernambuco, a colheita da fruta ocorre de forma contínua ao longo do ano devido à possibilidade de duas safras anuais, e exige mais trabalhadores disponíveis em diferentes períodos.
O tema já foi levado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em encontro com produtores e exportadores de frutas em março de 2024. Na semana passada, lideranças e parlamentares se reuniram com o vice-presidente Geraldo Alckmin para discutir a proposta.
“A proximidade dessas safras intensifica a necessidade de um marco legal que promova a formalização dos trabalhadores safristas, garantindo direitos e segurança jurídica e evitando gargalos trabalhistas nas principais regiões agrícolas do país”, diz documento entregue a Alckmin por associações representativas de produtores de cacau, frutas, citrus, café e uva.
“Essa medida garante que os benefícios do PL 715/23, como o aumento da formalização e a mitigação das perdas econômicas causadas pela falta de mão de obra formal, sejam sentidos imediatamente”, completa o texto.
O projeto está na pauta desta quarta-feira (11/12) da Comissão de Assuntos Sociais do Senado. A proposta foi incluída na lista de prioridades apresentada pela FPA ao candidato à presidência do Senado em 2025, Davi Alcolumbre (União-AP). A bancada ruralista declarou apoio à candidatura do senador.
Dificuldades para contratações
A Agrícola Famosa, maior produtora de melão do mundo, com produção próxima de 270 mil toneladas anuais de frutas cultivadas em 11 mil hectares no Nordeste, está com vagas de trabalho abertas e enfrenta dificuldades para encontrar mão de obra apesar de gerar oito mil empregos diretos. O problema, comum a outras empresas do ramo de culturas perenes dali e de outras regiões do Brasil, é a contratação de trabalhadores temporários que temem perder o acesso a benefícios sociais, como o Bolsa Família.
Luiz Barcelos, cofundador da empresa, diz que há 300 vagas abertas para os chamados safristas. A dificuldade maior não é com a cultura do melão, principal produto da companhia, cuja safra vai de julho a março. Nas plantações, os trabalhadores são contratados por CLT. Outras frutas, como uva, manga e maçã, também intensivas de mão de obra, têm uma grande concentração de colheita em período curto de tempo.
“Estamos no limite, ainda não chegamos a ter perdas significativas na produção, mas estamos em momento de muito risco. Estamos dando prêmios para os trabalhadores não faltarem. Se começar a faltar gente, nós podemos perder sim”, disse o empresário.
Segundo ele, o problema tem virado recorrente, principalmente após a pandemia. O incremento no valor de benefícios sociais e as travas sobre o teto de renda familiar para se ter acesso aos programas desincentivaram as pessoas a procurar emprego formal, disse.
“Muitas frutas estão precisando disso urgente e estão tendo problemas neste momento”, completou. Barcelos também é diretor da Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas).
“Não podemos ir para a informalidade. Alguns trabalhadores querem ser contratados e não serem registrados, isso não pode pela lei brasileira, e para quem exporta, como é nosso caso e de outras grandes empresas, a chance de contratar sem registro é zero”, explicou.
Barcelos disse que o pacto setorial para formalização da mão de obra ajudou, mas não resolveu a questão do teto. “Como temos muitas pessoas da mesma família trabalhando, esse teto é ultrapassado facilmente e perde o benefício de qualquer forma. O pacto não deu a segurança jurídica necessária”, destacou. A produção de melão gera cerca de um emprego por hectare. Na soja, por exemplo, a contratação é de uma pessoa a cada 200 hectares.
A situação se repete em empresas produtoras de laranjas, uvas, café e cacau. Em São Paulo, a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrubBR) diz que oito milhões de caixas de 40,8 quilos de frutas deixaram de ser colhidas em 2023 por falta de mão de obra. “Isso corresponde a 30 mil toneladas de suco que hoje não temos e, pelo menos, US$ 150 milhões em negócios, em valores de hoje”, disse o diretor-executivo Ibiapaba Netto.
Quem não quer perder a produção tem que arriscar e atuar na informalidade, com a contratação sem carteira assinada. Situação desconfortável, dizem os executivos das associações de produtores, e que pode gerar contestações, com fiscalizações trabalhistas e danos à imagem do setor em geral.
Alguns trabalhadores querem receber pelo dia de serviço ou não aceitam assinar carteira de trabalho, por conta de demoras e burocracias para voltar a acessar o Bolsa Família, e preferem ficar na informalidade, diz Netto. O cenário é prejudicial para os dois lados, reforça o dirigente.