A dura ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) revelou uma preocupação urgente em relação à condução da política econômica por parte do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em meio à tentativa de reancorar as expectativas do mercado em relação aos principais indicadores econômicos do país, o BC admite a perda de controle por meio de seus instrumentos para cumprir seu único e primordial objetivo: levar a inflação à meta.
“O Comitê reforçou a visão de que o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária”, diz o Banco Central na ata publicada nesta terça-feira (17).
Composto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, o Conselho Monetário Nacional (CMN) instituiu uma meta de inflação de 3% para 2024 — com uma margem confortável para ser desrespeitada, de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
O BC sinalizou e os agentes financeiros já reagem à contratação de mais duas altas de 1 ponto percentual na taxa básica de juros, a Selic. E de nada adiantou.
Enquanto os agentes econômicos ensejavam por semanas o dito pacote de revisões de gastos de Fernando Haddad, o anúncio saiu pela culatra — e o governo parece não ter nada na cartola para aplainar a desconfiança do mercado financeiro acerca da responsabilidade na gestão das contas públicas. A montanha, como se sabe, pariu uma rata. E a rata estava prenha de novas políticas populistas.Play Video
Em uma entrevista concedida logo após deixar o hospital Sírio Libanês, em São Paulo, o presidente Lula fez questão de confirmar o temor do mercado: não há disposição do governo para aplainar, dourando a pílula, a desconfiança dos agentes financeiros em torno de uma agenda que envolva uma revisão robusta dos gastos públicos, com potencial de melhorar a percepção de risco do país. O resultado está aí: o dólar bateu R$ 6,19 e segue em viés de alta.
O governo preferiu dobrar a aposta: a culpa é do mercado, dos especuladores, da Faria Lima…
De nada adiantaram os US$ 1,6 bilhão despejado no mercado pelo BC no pregão da segunda-feira (16). De nada funcionou o anúncio de um novo pregão previsto para a quinta-feira (19). O mercado precifica mais a ausência de responsabilidade do governo e projeta o câmbio em patamares mais elevados. O Brasil passa por uma crise de desconfiança por parte dos investidores — e o canto da sereia não funciona mais.
É urgente que o governo sinalize haver adultos na sala e que, doa a quem doer, engendrará políticas sólidas em torno da revisão dos gastos públicos — para além do tímido e claudicante plano Haddad envolvendo a revisão de cerca de R$ 35 bilhões ao ano, cuja apreciação “à sua maneira” pelo Congresso Nacional e possível desidratação já estão precificados.
O próprio governo Lula revisou as projeções para a dívida bruta do país e projeta um avanço da dívida bruta do país para 81,8% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o Relatório de Projeções Fiscais, publicado na segunda-feira pelo Ministério da Fazenda.
O cenário é preocupante e os agentes econômicos já se perguntam se a política fiscal do governo — ou seja, seus gastos, endividamento e arrecadação — exerce tamanha pressão sobre a economia que limita ou neutraliza a eficácia da política monetária, conduzida pelo Banco Central de Gabriel Galípolo.
Em outras palavras, o desequilíbrio nas contas públicas impede que o Banco Central controle a inflação ou estabilize a moeda, mesmo utilizando ferramentas como a taxa de juros ou a gestão do câmbio.
Isso acontece porque, em cenários de dominância fiscal, a percepção de que o governo não conseguirá honrar suas obrigações financeiras futuras leva os investidores a exigir prêmios maiores para financiar a dívida pública. O aumento dos juros reais ou a desvalorização da moeda acabam impulsionando ainda mais a inflação, independentemente das ações da autoridade monetária.
É um fenômeno que reflete a falta de coordenação entre a política fiscal e monetária, geralmente associada a uma trajetória insustentável de endividamento público. Para superar a dominância fiscal, são necessárias reformas estruturais, disciplina nos gastos públicos e uma gestão eficiente da dívida. O que o governo não parece disposto a fazer.
“Não é o mercado que tem que se preocupar com os gastos do governo, é o governo”, disse Lula ao “Fantástico”, da TV Globo. O mercado, talvez, não se preocupasse se houvesse o mínimo de preocupação do governo.