O aumento de acidentes de avião pode amplificar significativamente o medo de voar, uma vez que esse cenário desafia a confiança fundamental que as pessoas depositam na aviação. Voar é visto como um símbolo de progresso, liberdade e conectividade. No entanto, essa percepção é profundamente abalada em períodos de tragédia, transformando a aeronave de um veículo de materialização das possibilidades da vida em um paradigma de risco de morte.
Segundo informações do painel do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer) da Força Aérea Brasileira (FAB), em 2025, já aconteceram 21 acidentes aéreos e oito óbitos, enquanto em 2024 foram 175 acidentes.
“Uma das consequências imediatas do aumento de acidentes aéreos é o desencadeamento de um medo em massa. Quando há um trauma social, a sensação de segurança associada às viagens aéreas diminui, e a ansiedade pode ser ampliada pela cobertura midiática que frequentemente enfatiza a gravidade em detrimento da raridade dos acidentes”, comenta o psicólogo, professor e mestre em psicologia pela PUC-SP, Marcos Torati.
Essa perspectiva transforma o voo em uma experiência cercada por desconfiança e vulnerabilidade. Psicologicamente, o medo de voar pode não se limitar a um receio específico de estar a bordo de um avião. Segundo Marcos Torati, ele pode fomentar ou eliciar outras ansiedades.
Para o psicólogo, o “medo da queda” não é apenas literal, mas uma representação simbólica de perda de controle, de impotência e de desamparo. Isso pode traduzir-se em comportamentos de evitação (não voar, por exemplo) de situações geradoras de desproteção.
“Outro ponto importante, é o laço social estabelecido em torno do medo. Notícias virais e alarmistas tendem a contagiar a população, acessando medos mais profundos. Inconscientemente, os acidentes aéreos podem fomentar angústias de morte e provocar pesadelos com situações de impotência”.
Marcos Torati ainda aponta que não existe o objeto e condição de vida que seja livre de riscos. “Se buscarmos a esterilização do risco, a possibilidade é que não aconteça a vida. Perseguir os próprios sonhos, os desejos e enfrentar os desafios sempre nos colocam numa posição de risco. Ancorar-se na segurança é também arriscado, pois impossibilita o viver. Certos riscos são passíveis de negociação, outros apenas devemos admitir”.
O papel do consumo de notícias nesse cenário
A repetição de notícias de acidentes pode reativar gatilhos em quem já possui um medo latente ou histórico de abalos emocionais relacionados ao tema. Essa exposição contínua a cenários trágicos pode intensificar sentimentos de vulnerabilidade e ansiedade.
“Isso ocorre porque, ao se expor continuamente a esses cenários negativos, o ego estabelece uma conexão com o trágico, associa voar com arriscar a vida, como se, estatisticamente, viver em terra firme fosse uma experiência menos ameaçadora do que estar nos ares. O desafio do tripulante está em ressignificar o avião como mais um veículo viabilizador das experiências de sua vida na modernidade, mesmo que existam os acidentes”, comenta.
Segundo Marcos Torati, o lado positivo do medo de voar deve ser interpretado como um desejo de autoproteção, um instinto de autopreservação, e não há nada de errado com isso. “A bem da verdade, ninguém é obrigado a voar, mas, se assim for preciso, esta situação nos convida para um desafio: assumir nossas escolhas de vida integralmente, sem arrependimentos”.
Sendo assim, diante desta dificuldade, os indivíduos devem procurar ajuda terapêutica e tomar cuidado com o acesso a notícias trágicas, pois elas vivificam ansiedades paranoicas. Quando necessário, recorrer a apoio profissional pode minimizar os efeitos negativos e manter a saúde emocional em foco.
“O impacto emocional gerado por essas notícias pode aumentar sentimentos de vulnerabilidade e insegurança, principalmente em pessoas mais sensíveis. Isso cria um ciclo confuso: se por um lado o consumo excessivo de notícias alarmantes é a forma de tentar se precaver contra eventuais ameaças, por outro lado, ela amplifica o medo, afetando a saúde emocional. De fato, a aviação não é perfeita, mas perfectível e, mesmo com o medo, a nossa fé e esperança nela ainda prevalece, por isso continuamos embarcando”, reforça Marcos Torati.