A maioria das mulheres acredita que a menopausa ocorre apenas por volta dos 50 anos. Nesse período, geralmente já criaram seus filhos (caso desejassem tê-los), possuem uma carreira mais consolidada e desfrutam de uma vida mais estável. Assim, a menopausa pode ser experimentada como uma transição mais natural — ainda que traga sintomas e desafios próprios.
Mas, para quem enfrentou um tratamento de câncer, essa história pode ser bem diferente. Muitas mulheres jovens — algumas com 30 ou 40 anos — entram na menopausa de forma abrupta e sem aviso prévio, em decorrência de tratamentos oncológicos.
Infelizmente, esse tema ainda é silenciado nos consultórios e na sociedade. Discutem-se amplamente as vitórias sobre o câncer — com razão —, mas raramente se abordam as mudanças que vêm depois: transformações no corpo, na fertilidade, nos hormônios, na sexualidade e na autoestima. Trata-se de um “luto” invisível, vivido em silêncio por milhares de mulheres.
Como o tratamento oncológico interfere nos hormônios e na fertilidade
Os tratamentos contra o câncer buscam eliminar células tumorais, mas também podem afetar tecidos saudáveis, como ovários e útero. O impacto sobre a fertilidade e os hormônios varia de acordo com o tipo de câncer, a idade da paciente e as terapias empregadas.
A quimioterapia, especialmente com agentes alquilantes como a ciclofosfamida — um dos principais medicamentos usados no tratamento do câncer de mama — pode causar dano direto aos ovários, reduzindo a reserva ovariana e interrompendo a produção de estrogênio e progesterona. Isso pode resultar em falência ovariana prematura, ou seja, menopausa precoce.
A radioterapia pélvica — utilizada em tumores de colo do útero, por exemplo — também pode afetar os ovários quando aplicada diretamente na pelve ou em áreas próximas. Mesmo em doses moderadas, pode danificar permanentemente o tecido ovariano, dependendo da idade e da dose acumulada da paciente. A radiação ainda pode afetar o útero, comprometendo futuras gestações mesmo que a função ovariana seja preservada.
Nos casos de câncer ginecológico, como tumores de ovário, endométrio ou colo do útero, pode ser necessário realizar cirurgias com retirada dos ovários (ooforectomia) e/ou do útero (histerectomia). Nessas situações, a menopausa é imediata e irreversível. O corpo, de um dia para o outro, deixa de produzir os hormônios sexuais femininos.
Em alguns casos, mesmo mulheres com câncer de mama — especialmente as com tumores sensíveis a hormônios — recebem medicamentos que inibem a função ovariana como parte do tratamento. O uso de análogos de GnRH — como leuprorrelina, gosserrelina e triptorrelina, por exemplo — é comum para suprimir o estrogênio. Isso pode induzir sintomas semelhantes à menopausa, como ondas de calor e ressecamento vaginal, mesmo que os ovários ainda estejam presentes. Além disso, frequentemente se associa hormonioterapia com medicamentos como tamoxifeno ou inibidores da aromatase (letrozol, anastrozol e exemestano), que também reduzem a captação celular de estrogênio.
Menopausa precoce: sintomas físicos e impacto emocional
A menopausa precoce causada pelo tratamento oncológico costuma ser mais intensa e abrupta do que a menopausa natural, pois o organismo não tem tempo de se adaptar gradualmente à queda hormonal.
Entre os sintomas físicos mais comuns, estão:
- Ondas de calor e sudorese noturna;
- Ressecamento vaginal e dor nas relações sexuais;
- Insônia e alterações do sono;
- Diminuição da libido;
- Dores articulares;
- Ganho de peso e mudança da composição corporal;
- Queda de cabelo e ressecamento da pele;
- Aceleração da perda óssea e aumento do risco cardiovascular.
Já os sintomas emocionais e psicossociais, frequentemente negligenciados, incluem:
- Tristeza e sensação de luto pelo fim da fertilidade;
- Medo de perder a feminilidade;
- Dificuldade para falar sobre sexualidade;
- Ansiedade em relação ao futuro e aos relacionamentos;
- Sensação de isolamento e de não ser compreendida.
Muitas mulheres relatam se sentir “envelhecidas antes do tempo”. Para aquelas que ainda não tiveram filhos e desejam ser mães, a dor do luto reprodutivo pode ser profunda e persistente. Em alguns casos, a infertilidade se mostra mais difícil de enfrentar que o próprio diagnóstico do câncer.
O silêncio nos consultórios e a necessidade de escuta multidisciplinar
Por falta de tempo, preparo ou sensibilidade, muitos profissionais de saúde acabam não dando espaço para que estas questões sejam debatidas. O foco quase exclusivo é a remissão da doença — algo absolutamente necessário —, mas isso não deve excluir o cuidado com a qualidade de vida e o bem-estar da mulher.
Por isso, o acolhimento multidisciplinar é fundamental. Oncologistas, ginecologistas, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas e profissionais de cuidados paliativos podem e devem atuar em conjunto para oferecer apoio e soluções práticas para os sintomas físicos e emocionais da menopausa induzida.
O cuidado integral vai muito além da prescrição de medicamentos. Envolve ouvir a história da paciente, validar suas emoções, orientar sobre sexualidade, discutir fertilidade futura quando possível, explicar opções de tratamento e oferecer acompanhamento constante.
Reposição hormonal: é possível ter segurança?
A terapia de reposição hormonal (TRH) pode ser uma importante aliada para mitigar os sintomas da menopausa precoce. No entanto, seu uso deve ser sempre avaliado individualmente. Mulheres com histórico de câncer hormônio-dependente (como alguns tipos de câncer de mama e endométrio) geralmente não podem usar estrogênio. Ainda assim, há alternativas seguras, como o uso local de estrogênio vaginal em doses baixas, que, em situações selecionadas, pode melhorar significativamente a qualidade de vida sem aumentar o risco de recidiva.
Já em mulheres sem contraindicações, a reposição hormonal personalizada e monitorada previne complicações como osteoporose e doenças cardiovasculares, além de melhorar sono, libido e disposição.
Medicina integrativa: cuidado para além da prescrição
A medicina integrativa considera o ser humano de forma global, aliando o melhor da medicina convencional a práticas complementares com respaldo científico. Entre essas práticas, destacam-se:
- Acupuntura, que pode ajudar a reduzir ondas de calor e dores;
- Meditação e mindfulness, que auxiliam no controle da ansiedade;
- Exercícios físicos adaptados, capazes de melhorar humor, energia e saúde óssea;
- Fitoterapia segura, desde que bem orientada;
- Terapias corporais e artísticas, promovendo a reconexão com o próprio corpo.
Essas abordagens não substituem o tratamento convencional, mas complementam e ampliam as possibilidades de cuidado, trazendo mais conforto e qualidade de vida para as mulheres em todas as fases do tratamento e no período pós-câncer.
Conclusão
A menopausa induzida pelo câncer não representa apenas uma alteração hormonal: é uma ruptura que afeta o corpo, as emoções, os sonhos e a identidade de muitas mulheres. É urgente trazer esse tema à tona, romper o silêncio, abrir espaço para o diálogo e garantir que cada mulher seja acolhida com empatia. Falar sobre isso é oferecer dignidade. É afirmar, de forma clara: você não está sozinha — e sua saúde vai muito além de um diagnóstico.
*Texto escrito pela oncologista clínica Larissa Müller Gomes (CRM/SP 180158 | RQE 78497), membro Brazil Health
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