O crescimento exponencial do preço da terra nos últimos anos é um retrato — e um efeito — do bom desempenho do agronegócio brasileiro. A valorização acompanhou o ciclo de alta das commodities e a redução de estoques globais, causados pela pandemia da covid-19. Olhando para frente, no entanto, o cenário deve ser outro, avaliam especialistas. Se a queda no valor por hectare está fora do radar, o mercado deve entrar em uma fase de estabilidade.
Entre julho de 2019 e o mesmo mês de 2024, o valor do hectare para a agricultura passou de R$ 14.818,10 para R$ 31.609,87, uma valorização de 113%, de acordo com uma pesquisa realizada pela Scot Consultoria. O levantamento analisou 17 Estados-chave para a produção de grãos e carne bovina no país. No caso das áreas de pastagem, a alta foi ainda maior: 116% — de R$ 8.267,14 para R$ 17.886,94. “Terra é um ativo que dificilmente se desvaloriza”, afirma Felipe Fabbri, analista da Scot Consultoria. “Em praticamente todos os anos, o preço da terra acompanha ou supera a inflação.”
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O bom desempenho desse ativo se mostra ainda melhor nos Estados que têm espaço para expansão das atividades agropecuárias, como Rondônia e os da região conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Eles tiveram as maiores valorizações no período analisado pelo estudo. Rondônia lidera o ranking com quase 300% de aumento no preço das terras agrícolas e 286% no valor das terras para pastagens.
O aumento expressivo é, em grande medida, resultado do avanço da infraestrutura logística em regiões de fronteira, como a melhoria de estradas, e de incentivos fiscais estaduais. No entanto, o principal combustível para esse aumento é uma commodity que hoje também experimenta valorização exponencial. “O aumento dos preços do café robusta nos últimos anos capitalizou os produtores locais e também firmou os preços dentro do Estado, fazendo com que essa valorização se mantivesse no período”, afirma Fabbri.
Estabilidade
Apesar da alta expressiva nos últimos anos no país, o mercado parece estar entrando em uma nova fase, que deve ser marcada pela maior estabilidade. O estudo da consultoria indica que, apesar de o ciclo de valorização ter sido intenso, com os valores mais do que dobrando, acompanhando o aumento das cotações de produtos como soja, milho e café, o período até 2029 deve ser bem mais comedido do que o anterior. Entre os motivos estão as margens operacionais mais achatadas nas últimas duas safras, a elevação da taxa de juros e o aumento do risco de inadimplência para os produtores rurais, assim como ocorre com o resto da população. “Com o crédito mais caro, a procura por novas áreas tende a desacelerar. Isso não significa desvalorização, mas sim uma correção de ritmo”, diz o analista.
A valorização no período analisado foi também um processo que consolidou a transformação do perfil de quem atualmente compra terras no Brasil. “Hoje, o investidor não compra terra só pela perspectiva de revenda. Ele faz conta, projeta produtividade, analisa risco climático e, muitas vezes, já entra pensando em diversificar o uso com integração lavoura-pecuária ou plantios comerciais de eucalipto”, afirma Fabbri.
De acordo com Daniel Meireles, diretor da Acres, braço do grupo Safras & Cifras, três grupos distintos têm se destacado neste ano: produtores rurais consolidados que buscam ganho de escala, investidores institucionais que veem na terra um ativo real e empresas de outros setores que querem proteger o capital da inflação. “O mercado está mais maduro. Os atores buscam rentabilidade com segurança e lastro produtivo, e não apenas valorização especulativa”, afirma. “Hoje, a compra e venda de um imóvel rural possui semelhanças importantes com operações de fusões e aquisições (M&A).”
O executivo destaca também a entrada de empresas especializadas na intermediação das negociações rurais. “Análise de viabilidade, due diligence fundiária e ambiental, simulações de retorno, estruturação contratual, planejamento tributário e compliance já são práticas comuns”, afirma.
Valorização da terra
A valorização de uma propriedade rural é um fenômeno que envolve diferentes fatores. Meireles lista os principais: aptidão produtiva do solo, infraestrutura, disponibilidade hídrica, regularidade fundiária e ambiental e localização. Ele, no entanto, pondera que o peso de cada variável muda de acordo com a região do país e o tipo de uso da terra: “Não existe uma régua única para o país inteiro”.
Marco França, sócio-fundador da consultoria Auddas, reforça essa análise e lembra que a terra é um ativo de longo prazo, que é necessário planejar e que o erro do timing ao comprar e o custo do crédito podem comprometer o negócio. “O valor da terra tem ciclos e contraciclos. Tivemos anos com boas margens, o que impulsionou a compra de terras. Depois, vieram safras piores e endividamento, que forçaram alguns produtores a vender ativos, pressionando preços”, explica. “Ainda que possamos dizer que é uma crescente, ela não é reta. É uma curva senoidal com picos e vales.”
“Tivemos anos com boas margens, o que impulsionou a compra de terras”
— Marco França
Apesar de ser um retrato do bom desempenho do agronegócio brasileiro, a valorização das terras levanta preocupações quanto ao acesso de pequenos e médios produtores. Fabbri diz que eles enfrentam maiores dificuldades. O problema não é só o preço, mas os resultados de suas produções por hectare. Se não houver produtividade, o acesso fica mais difícil. Ainda assim, ele destaca que o crédito oficial para esses produtores é mais acessível, com taxas e prazos mais favoráveis. “A tendência é que ocorra uma maior dificuldade para que pequenos e médios tenham acesso a essas áreas, principalmente se não apresentarem bom desempenho produtivo.”
Mudanças climáticas
As preocupações com as mudanças climáticas e a regulação ambiental também entram na conta dos fatores que compõem o preço da terra. Propriedades em regiões com clima instável ou passivos ambientais estão sendo desvalorizadas, de acordo com Meireles. Ao mesmo tempo, cresce o interesse por ativos com potencial de geração de créditos de carbono e projetos regenerativos.
Outro fenômeno observado pelo estudo é a valorização das áreas de pastagem. Isso, no entanto, não seria um indicativo do avanço da pecuária sobre áreas verdes. Esse movimento está ligado à conversão para agricultura ou silvicultura, sem necessidade de desmatamento, diz Fabbri.
Segundo ele, o mercado assistiu a um processo inflacionário nas áreas de pastagem no país, acompanhando também o processo de aumento nos preços para agricultura, puxado por uma demanda de conversão de áreas subutilizadas em áreas com um maior índice ou potencial produtivo para grãos. “Além disso, a questão de eucalipto também colaborou para uma maior procura dessas áreas de pastagem. Então, isso fez com que os preços das áreas com pastagem no Brasil tivessem uma valorização bem expressiva também no período e esse processo de migração ocorre em zonas de fronteiras agrícolas onde o hectare é mais em conta”, afirma.
Ele enfatiza que não há necessidade de abrir novas áreas de vegetação nativa para formar pasto. “Temos áreas de pastagem com potencial de conversão sem a necessidade de expandir para áreas nativas. O Código Florestal brasileiro é o mais rigoroso do mundo”, afirma.