Quando o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire visitou o Rio Grande do Sul, entre 1820 e 1821, relatou em seus diários a presença de oliveiras que produziam “muito bons frutos, embora em pequena quantidade”.
Na descrição, que compõe a obra Viagem ao Rio Grande do Sul, o desbravador europeu narra que provou “deliciosas azeitonas” cultivadas nos arredores de Porto Alegre, mas, segundo avaliou, para os moradores locais, elas não passavam de mera curiosidade.
Mais de 200 anos depois, na mesma Viamão que recebeu SaintHilaire, vistosos pomares de oliveira embelezam a paisagem rural do município, que fica na região metropolitana de Porto Alegre. É lá que a família Goelzer dedica-se a 28 hectares cobertos por olivais.
O empreendimento nasceu da “teimosia” de seu Lucídio Goelzer, que há mais de 20 anos tentou convencer a esposa, Sônia, e os filhos, André, Lucas e Rafael, de que poderia produzir um “azeite honesto” para consumo próprio.
“Perdi por 4 a 1 na votação da família, mas segui com minha convicção e fui em frente”, conta ele, sorrindo, enquanto leva a equipe da Globo Rural em sua camionete para apresentar algumas das primeiras árvores que implantou na Estância das Oliveiras.
Empresário da área de comércio exterior durante a maior parte da vida, seu Lucídio, que tem 81 anos, lembra que costumava retornar de viagens à Europa com muitos litros do produto na bagagem e questionava as razões de não encontrar produtos de tão alta qualidade no Brasil. Por que, então, não produzir o próprio azeite?
Inquieto e curioso, como o filho Rafael o define, seu Lucídio passou a visitar lagares em diferentes partes do mundo para aprender sobre o processo produtivo e fez contato com a Embrapa Clima Temperado, que na época estava formando unidades de pesquisa em olivicultura.
“Como nossa região estava fora do possível mapa de cultivo, foram implantadas apenas 35 árvores em nossa propriedade, mas meu pai decidiu arriscar e plantou 1.000 árvores”, lembra Rafael.
Entre o início da aventura, em 2004, até a primeira extração de azeite, em 2017, a família Goelzer aprendeu muito observando o comportamento das plantas. Das 35 variedades que cultivou, apenas sete renderam frutos.
Mas estava nascendo o “azeite honesto” de seu Lucídio, que passou a presentear amigos e vizinhos com o produto. Em 2019, ele lançou o primeiro rótulo comercial. No ano seguinte, depois de observar que o mercado consumidor tinha conhecimento limitado sobre os diferenciais de um azeite de qualidade, a família decidiu abrir a propriedade para o olivoturismo.
Nas atividades, que ocorrem com agendamento prévio, quem visita a Estância das Oliveiras tem a oportunidade de vivenciar momentos de lazer em meio aos pomares, degustar azeites, mas também ouve explicações sobre a importância de, por exemplo, prestar atenção à data de envase na hora da compra. “Quanto mais fresco estiver o produto, melhor será”, frisa Rafael.
Em Cachoeira do Sul (RS), às margens da BR-290, uma estrutura imponente abriga o lagar e empório da Azeite Puro, empresa comandada pela terceira geração da família do idealizador do negócio, José Eugênio Farina. Só nessa operação, que envolve extração, envase e venda do azeite, os investimentos somaram entre R$ 8 milhões e R$ 10 milhões.
A projeção é de que a produção nesta safra será de 40.000 litros, mas a fábrica tem capacidade para processar 80.000 litros, volume que a família espera obter nos próximos anos a partir dos 150 hectares de plantio. “Nossas árvores produzem entre 12 e 15 quilos de frutos, mas a expectativa é alcançarmos entre 15 e 20 quilos”, diz Rafael Farina, diretor de marketing e um dos sócios da Azeite Puro.
No pomar, um dos desafios é encontrar novas variedades que se adaptem às condições da região. Hoje, são oito em produção, com destaque para os resultados com a espanhola arbequina e a grega koroneiki.
“Outra dificuldade é a nossa primavera, que é muito chuvosa, e as chuvas coincidem com o período de floração da oliveira. A polinização da planta ocorre pelo vento, e nós precisamos de um tempo mais seco para que ela ocorra”, detalha Fernando Farina, primo de Rafael e também sócio da Azeite Puro.
Ele comenta que alguns produtores estão testando a polinização por meio de drones. “Na época da floração, se colhe o pólen da flor e se congela o material para espalhá-lo com drone quando o clima está favorável. Torço para que dê certo, porque pode nos ajudar muito”, afirma.
Também em Cachoeira do Sul, a Lagar H cultiva 170 hectares de olivais e detém o título de primeira empresa de azeite do mundo com status de carbono negativo. A empresa obteve a certificação em 2023. Isso significa que o volume de carbono que a companhia retira da atmosfera é maior do que suas emissões de gases de efeito estufa.
A Lagar H tem, ao todo, quatro certificações que atestam boas práticas em diferentes etapas. “Quando projetamos o lagar, loja e área de convivência, decidimos que seria um projeto sustentável. Somos autossuficientes em energia e água e somos carbono zero. Temos energia solar e conseguimos devolver água limpa para o ambiente com estações de tratamento”, conta a azeitóloga Glenda Hass, produtora responsável pela marca.
No pomar, o destaque é o manejo com aproximadamente 40 plantas nativas e cultivadas nas entrelinhas dos olivais, um sistema que ajuda a combater a erosão e a evitar a perda de nutrientes por lixiviação. Os restos da poda são triturados e espalhados na terra.
Em 2022, a empresa produziu 25.000 litros de azeite, um volume recorde. Já neste ano, o volume final deverá ficar entre 7.000 e 10.000 litros. “Sabemos que a chuva foi prejudicial, mas será que houve algum outro problema? Ainda estamos investigando o que podemos melhorar”, afirma Glenda.
Agrônomo que acompanha a produção, Gil Vicente Lourosa ressalta que, no Brasil, a oliveira encontrou solos mais férteis do que os de sua região de origem, o que exige um cuidado maior no momento de dosar a adubação. A conta errada pode fazer com que a planta cresça muito, mas produza poucos frutos.
A história da Lagar H começou quando o pai de Glenda, Willy Haas, comprou uma fazenda em Cachoeira do Sul, sua cidade natal. O plantio das primeiras árvores ocorreu em 2014, e a marca nasceu em 2021. A empresa vende a produção em cerca de 100 pontos de venda. Mais de 90% deles estão em São Paulo, para onde as caixas de azeite viajam em caminhões refrigerados.
O investimento no projeto já chega a R$ 24 milhões e, para os próximos anos, não se descarta um aumento de até 500 hectares na área de cultivo. “Prioritariamente, pensamos na sustentabilidade do negócio. Sabemos que a oliveira é uma cultura de longo prazo, mas, para o ano que vem, esperamos começar a ver o retorno”, declara Glenda.
Futuro sustentável
O futuro sustentável da olivicultura no Brasil passa necessariamente pelo campo. Ainda que sejam necessárias adequações no manejo em etapas como poda, espaçamento, correção de solo e controle fitossanitário, o principal desafio foge do controle do produtor. Exótica no país, a oliveira sofre especialmente com o excesso de umidade, um quadro que já levou ao registro de olivais arrancados ou abandonados.
“A produção nacional está patinando, produzimos menos de 1% do que consumimos. Não temos as condições ideais para a adaptação das variedades cultivadas, que são muito cíclicas. Países próximos, como Chile e Argentina, herdaram oliveiras centenárias, mas o Brasil, não. Então, não temos essa herança genética. Serão décadas de trabalho”, destaca o azeitólogo Marcelo Scofano, um estudioso da olivicultura mundial e jurado em concursos internacionais.
Habituado a ver rótulos brasileiros conquistando reconhecimento mundial – todos os produtores ouvidos nesta reportagem acumulam premiações –, ele reconhece o esforço dos empreendedores para manter a qualidade dos frutos, ainda que a um alto custo. “Nós colhemos a fruta verde. Nossa produtividade é muito baixa, o que faz com que o azeite brasileiro seja extremamente ‘nichado’. É um produto caríssimo”, relata Scofano.
Em um e-commerce que vende diferentes rótulos nacionais, é possível perceber que os preços de cada marca são bastante diferentes. Há garrafas de 250 ml que saem por R$ 279, enquanto algumas garrafas de 500 ml custam R$ 215.
Para Scofano, não é economicamente sustentável para a atividade o investimento em novas regiões produtoras e na criação de novas marcas. Um dos caminhos, na opinião do especialista, é a ampliação dos investimentos em atividades como o turismo rural. “Em muitos locais, acredito que a olivicultura persistirá por esse valor cultural, quase romântico”, observa.
Produção no Sul e no Sudeste
Na atual safra, a produção do Rio Grande do Sul sofreu com a chuva em maio de 2024, quando uma enchente histórica atingiu o estado. “A umidade também se fez presente em setembro, quando a cultura estava em fase de floração e teve a polinização prejudicada”, relata o presidente do Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva), Renato Fernandes.
Estima-se que a área cultivada com olivais no país seja atualmente de 7.000 hectares, dos quais 6.200 (cerca de 4.000 hectares em idade produtiva) ficam no Rio Grande do Sul, e que haja 400 produtores, segundo o Ibraoliva. A produção em 2025 deverá somar 300.000 litros, um aumento de 56% em relação a 2024, quando a chuva prejudicou ainda mais as plantações.
Já em 2023, a produção de azeite no Rio Grande do Sul foi de mais de 580.000 litros, um volume recorde. “Os anos entre 2021 e 2023, de ocorrência do La Niña, quando choveu pouco, foram bons. A oliveira resistiu bem”, afirma Paulo Lipp João, coordenador do Programa Estadual de Desenvolvimento da Olivicultura (Pró-Oliva), da Secretaria da Agricultura.
No Sudeste, além das frentes frias, que provocaram umidade na época da floração, as temperaturas elevadas e o período prolongado de estiagem no inverno também prejudicaram o pegamento dos frutos, segundo a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig).
A estimativa é que a extração neste ano fique entre 60.000 e 75.000 litros, bem abaixo dos 150.000 litros da safra passada.
Na região, a produção se concentra na Serra da Mantiqueira. Maria da Fé (MG), onde a Epamig fez a primeira extração de azeite de oliva extravirgem do Brasil, em 2008, é onde está a área cultivada do azeite Mantikir. Segundo o produtor e empresário Herbert Sales, a plantação de oliveiras na Fazenda Tuiuva é a mais alta do Brasil, em áreas entre 1.700 e 1.910 metros de altitude.
O plantio iniciou em 2020, e hoje são 20 hectares cultivados com olivais, favorecidos pelas baixas temperaturas no inverno, que colaboram para o florescimento na primavera. “Consegui um bom número de horas de frio abaixo de 10ºC. Neste ano, nossa terceira safra, foram 25 quilos por planta com produção de quase 3.000 litros de azeite.”
Para os próximos anos, Sales pensa em investir no próprio lagar, já que hoje a colheita é processada em outra fazenda produtora. “O que me preocupa é a mão de obra para cuidar do lagar. Esse também é um desafio no campo”, ressalva o produtor, que recebeu a equipe da Globo Rural no Espaço Essenza, propriedade de experiência turística em Santo Antônio do Pinhal (SP) e onde a degustação de azeites é uma das atrações.
O município da Serra da Mantiqueira também é uma das sedes do Azeite Sabiá, liderado pelo casal Bia Pereira e Bob Vieira da Costa. Ao provar um rótulo produzido na região, os dois se encantaram com o sabor completamente diferente em comparação com o das marcas importadas disponíveis em supermercados.
Depois de buscar orientação com pessoas que já conheciam a cultura, plantaram as primeiras árvores em 2014 e logo depararam com dificuldades.
“As plantas aqui crescem muito, ficam frondosas, mas a oliveira precisa dormir no inverno. Ela precisa de, no mínimo, 300 horas de frio consecutivas por ano, e aqui o frio vem de madrugada, mas durante o dia esquenta muito, chega a 27ºC. A árvore não entende se deve dormir ou acordar”, detalha Bia.
Sabendo do histórico mais positivo da atividade no Rio Grande do Sul, o casal visitou uma propriedade por lá. Em 2018, depois de alguns treinamentos e viagens, Bia e Bob adquiriram uma área de 400 hectares em Encruzilhada do Sul, onde cultivam 35.000 árvores. Na propriedade paulista, são 5.700 plantas em 17 hectares com olivais.
“No Sul, temos terra arenosa em uma área de coxilhas muito ensolarada. Temos vento, o que é bom para a polinização. Já na Mantiqueira, a topografia é um grande desafio”, indica a produtora.
Além das condições mais propícias no Rio Grande do Sul, o preparo adotado com base em recomendações de técnicos com mais experiência na área também fez diferença, segundo Bia. Enquanto na propriedade da Serra da Mantiqueira foram aplicadas cinco toneladas de calcário por hectare, na fazenda gaúcha foram 30 toneladas por hectare.
Na safra deste ano, o clima foi difícil nas duas regiões, mas os números mostram bem a diferença de cenário entre os estados. Enquanto no Rio Grande do Sul em torno de 15.000 árvores produziram a média de oito quilos de azeitonas, na Mantiqueira 1.140 plantas geraram a média de um quilo cada uma.
A produção, em São Paulo, saiu de 3.000 litros de azeite em 2023 para 700 litros agora. Uma das observações é que o desempenho foi melhor no alto dos morros e em áreas de baixada. “Estamos tentando entender porque as árvores do meio não geraram frutos”, afirma Bia.
No Rio Grande do Sul, onde a produção chegou a 15.000 litros, o casal acredita que o desempenho poderia ter sido melhor não fosse um longo período de céu nublado, e o quadro se agravou com a chegada de uma nuvem de fumaça que se originou nas queimadas da Amazônia.
A situação afetou justamente a época da floração das plantas e favoreceu o aparecimento de fungos e antracnose, especialmente na variedade arbequina.
O casal afirma que outro gargalo importante da olivicultura concentra-se na etapa da colheita. A planta tem uma janela de maturação muito rápida, ou seja, é preciso fazer o trabalho de forma acelerada para manter o frescor da produção. Nesta safra, Bia e Bob contrataram em torno de 50 pessoas para a colheita no Rio Grande do Sul.
A atividade chegou a ocorrer de madrugada devido ao forte calor, principalmente no mês de março. “Optamos por contratar todos por precaução, devido à questão trabalhista. Foi um custo altíssimo, de quase R$ 400.000”, relata Bob.
O produtor calcula que o investimento total no projeto do Azeite Sabiá já tenha passado de R$ 28 milhões, desembolsos que incluíram desde as operações de campo até a infraestrutura para processamento da produção.
Apenas uma parte – de implantação dos pomares – teve financiamento com recursos do BRDE; o restante do investimento foi com recursos próprios. “Vendemos tudo o que produzimos. Nos últimos três anos, conseguimos ter lucro na operação anual, mas ainda não chegamos à amortização dos investimentos. Esperamos conseguir isso a partir do ano que vem”, afirma o produtor.
Importação e consumo
Planta tradicionalmente cultivada em regiões semiáridas às margens do Mar Mediterrâneo, a oliveira chegou ao Brasil logo após a colonização, trazida por imigrantes portugueses, italianos e espanhóis. Como a árvore tem simbolismo bíblico, era comum haver exemplares próximos a capelas e igrejas na época do Brasil Colônia.
Os registros históricos, no entanto, dizem que o cultivo foi desestimulado pela Coroa Portuguesa, que não aceitou a possibilidade de concorrência com os azeites que vinham de Portugal. Não por acaso, o país europeu é até hoje o principal fornecedor do alimento para o Brasil.
Entre os sete mercados que respondem por 80% das importações de azeite de oliva no mundo, o Brasil ocupa a terceira posição, com 8% do total negociado na safra 2024/25. Segundo o Conselho Oleícola Internacional, o país aparece apenas atrás de Estados Unidos, com 35%, e União Europeia, com 17%.
Em 2024, o Brasil importou o equivalente a US$ 783,7 milhões em azeite de oliva, um crescimento de 32,8% em relação a 2023, de acordo com as estatísticas do Ministério da Agricultura.
No país, a movimentação é de cerca de 100 milhões de litros por ano, o que indica um consumo per capita entre 0,4 e 0,5 litro ao ano, muito abaixo dos mais de dez litros contabilizados, por exemplo, em países do Mediterrâneo.