Ainda pouco conhecida no Brasil, a carinata — planta da mesma família da canola —, vem ganhando espaço no país e deve ter aumento de 900% na produção este ano. O volume deve passar de 10 mil toneladas para 100 mil toneladas, segundo a Nuseed, multinacional australiana pertencente ao grupo Nufarm, responsável por trazer as primeiras sementes da cultura ao Brasil.
O crescimento acelerado da produção tem duas motivações: a carinata é usada como matéria-prima na produção de biocombustíveis, especialmente o SAF (Combustível Sustentável de Aviação), cuja demanda global é crescente, diante da meta do setor de aviação mundial de neutralizar 100% de suas emissões de gases de efeito estufa até 2050. Além disso, a planta é uma opção para a safrinha e a entressafra como cultura de cobertura para proteção do solo, gerando também receita.
“A partir deste ano, o Brasil será o maior produtor de carinata do mundo”, afirma Philipp Herbst Minarelli, gerente de Carinata e Canola no Brasil e Paraguai da Nuseed. Segundo a empresa, o pré-lançamento da cultura aos produtores brasileiros, em 2024, atingiu uma área de 6.500 hectares. Para 2025, os contratos fechados apontam para o plantio de mais de 50 mil hectares, bem acima dos 30.260 hectares cultivados na Argentina em 2024, até então o país com maior área de carinata.
A Nuseed fomenta o cultivo por meio de contratos com produtores, e exporta a oleaginosa a países que já produzem biocombustível a partir da carinata, como a França.
De acordo com ranking da Nuseed — detentora do maior banco de germoplasma de carinata do mundo — , depois da Argentina vem o Uruguai, com 6.658 hectares, e países da União Europeia, com 1.351 hectares.
Vantagens brasileiras
Na avaliação de Minarelli, o grande trunfo do Brasil é o clima, que foi considerado ideal para o cultivo da planta, que se adapta bem às condições tropicais. Enquanto na Argentina e no Uruguai a produtividade do grão gira em torno de 20 sacas por hectare, nas propriedades brasileiras chegou perto de 40 sacas/hectare, com potencial de passar de 50 sacas.
A Nuseed iniciou os testes com a carinata no Brasil e Paraguai em 2022. Atualmente, o grão é cultivado em áreas nos Estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, São Paulo, Paraná, Goiás e Minas Gerais. Neste ano, a empresa pretende validar a cultura no Matopiba e no Nordeste, para iniciar a produção comercial nessas regiões em 2026.
As áreas para cultivo de carinata têm de estar com Cadastro Ambiental Rural (CAR) em dia e certificações para produção sustentável e de baixo impacto.
A Embrapa Agroenergia tem estudos preliminares para avaliar o potencial da carinata como uma nova opção de matéria-prima para biocombustíveis. De acordo com o pesquisador Bruno Laviola, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agroenergia, o manejo da carinata se assemelha ao da canola. “Seu ciclo de produção e sua tolerância a condições adversas tornam a carinata uma boa opção para produtores que desejam diversificar a produção e otimizar o uso de áreas de pousio”, diz. Mas ele pondera que a cultura é recente no Brasil e que são necessárias mais pesquisas para adaptá-la às condições de solo e clima.
Todas as 10 mil toneladas de carinata produzidas no Brasil em 2024 foram exportadas pela Nuseed para a França, segundo Philipp Minarelli. No país europeu, foram destinadas à produção de biocombustíveis, em especial o SAF. Segundo ele, a colheita deste ano deverá ser exportada para França e Bélgica.
A Nuseed também tem planos de fomentar o esmagamento do grão no Brasil, a fim de exportar o produto pré-manufaturado. Além disso, tem como meta produzir localmente o bioquerosene de aviação usando a carinata, a partir de 2028.
Descarbonização
O compromisso do setor de aviação de neutralizar 100% de suas emissões até 2050 exige que 65% da matriz energética seja composta por combustíveis sustentáveis, segundo plano adotado em 2022 pelos países que integram a Organização Internacional de Aviação Civil (Icao). Isso abre oportunidades para o Brasil, dizem especialistas.
“A carinata é uma cultura não alimentar com alto teor de óleo, o que a torna ideal para o mercado de SAF. Além disso, ela se alinha aos objetivos globais de sustentabilidade, contribuindo para a diminuição da pegada de carbono. Estima-se que, para atender a demanda global por SAF, seria necessário o cultivo de 35 milhões de hectares de carinata, o que representa uma oportunidade imensa para o Brasil”, afirma o agrônomo Geuzimar Terração, consultor da Valmont — multinacional americana que atua na área de irrigação —, que acompanha produtores parceiros da Nuseed.