A decisão judicial que libera o plantio de cannabis para a produção de medicamentos é um respaldo legal, mas ainda não resolve o assunto, avaliam representantes da indústria do setor. Para a Associação Brasileira da Indústria de Cannabis (Abicann), interessados no cultivo devem estar atentos a algumas questões que surgem a partir do posicionamento da Justiça.
Em nota enviada à reportagem, a associação ressalta que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem um prazo para regulamentar a atividade. Se isso não ocorrer, quem quiser cultivar cannabis para fins medicinais poderá recorrer à Justiça e ter seu direito garantido.
“Uma vez que a decisão do STJ reconhece como ilegal a omissão regulatória e confere o prazo de seis meses à Anvisa para regulação, passado esse período, os interessados podem protocolar recurso diretamente no STF e STJ. É um respaldo legal a partir do momento”, comenta Thiago Ermano, pesquisador e presidente da Abicann.
Na quarta-feira (13/11), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou, em decisão unânime, a importação e cultivo de sementes de cânhamo industrial, com a condição de que sejam utilizado na medicina. O Cânhamo é uma variedade que não provoca efeitos psicotrópicos, já que contem um teor de menos de 0,3% de tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha.
O baixo nível de THC foi um dos principais argumentos da empresa de biotecnologia que recorreu à corte superior, recorrendo de uma decisão anterior do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O TRF-4 rejeitou pedido anterior da empresa para produzir e explorar a cannabis sativa em escala industrial.
A posição do STJ anula a do TRF-4. O entendimento da relatora, ministra Regina Helen Costa, que foi seguido pelos demais integrantes da corte, destacou que o Brasil é signatário de convenções internacionais que, embora proíbam o uso da cannabis como droga recreativa, abrem espaço para a regulamentação do uso medicinal.
A ministra pontuou ainda que a Lei de Drogas vigente no Brasil não diferencia o cânhamo de outras variedades de cannabis, como a maconha. E acrescentou que a falta dessa diferenciação desvirtua a finalidade da própria lei.
“Conferir ao cânhamo industrial o mesmo tratamento proibitivo imposto à maconha, desprezando as fundamentais distinções científicas existentes entre ambos, configura medida nitidamente discrepante da teleologia abraçada pela Lei de Drogas”, afirmou.
A avaliação do STJ tem efeito vinculante. Deve ser seguida e utilizada como referência por todo o sistema judiciário em ações posteriores que tratem do assunto.
A Associação Brasileira da Indústria de Cannabis avalia que, a partir da decisão do STJ, são esperados “milhares de pedidos de cultivo” de cânhamo já nos próximos meses. No entanto, a regulamentação e os custos devem fazer com que a atividade fique restrita às grandes indústrias farmacêuticas.
O presidente da entidade pontua, no entanto, que estão surgindo questionamentos também sobre a produção de cânhamo para outas finalidades, como a fabricação de tecidos, por exemplo.
“O pensamento é o seguinte: se está liberado o cultivo de planta com mais psicoativos, como THC e CBD, por que não liberar o plantio de variedades com menos psicoativos, no caso o cânhamo?”, diz Ermano.