A notícia de que seis pessoas foram infectadas pelo vírus HIV depois de passarem por transplantes de órgãos no Rio de Janeiro chocou o país. Os casos são atribuídos ao laboratório PCS Lab Saleme que, segundo a polícia, cometeu erros durante o processo necessário para selecionar órgãos para transplantes.
O sistema de transplantes do Brasil é reconhecido internacionalmente como um dos mais bem-sucedidos do mundo, tanto pela grandiosidade — ficando atrás apenas dos Estados Unidos — quanto pelo rigor. Os erros que prejudicaram os pacientes cariocas são inéditos e, segundo especialistas, não podem abalar a confiança dos brasileiros na doação de órgãos.
“Esse foi um fato único, sem precedentes. Até hoje não tínhamos nenhum caso de transmissão de HIV”, afirma a infectologista Lígia Pierrotti, que integra o Comitê Científico de Infecção em Transplante e Imunodeprimido da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).Play Video
A infectologista Wanessa Clemente, da Comissão de Infecção em Transplantes da Associação Brasileira De Transplante De Órgãos (ABTO), destaca que o erro não está nos protocolos estabelecidos, mas na empresa contratada. “Não foi uma falha nos testes obrigatórios, foi a infelicidade da contratação de um laboratório sem condições de prestar esse tipo de serviço”, considera.
Protocolo rigoroso
Ligia explica que o protocolo para a disponibilização de órgãos para transplantes passa por várias etapas que vão desde a identificação do potencial doador até a indicação do receptor adequado. “O cumprimento desse protocolo garante a qualidade e a segurança do processo”, afirma.
Nesse percurso, há uma entrevista com a família do doador para coletar informações de saúde relevantes, análise de dados do hospital onde o doador teve a morte encefálica e exames feitos em laboratório para validar as condições de saúde dos órgãos a serem doados.
Segundo a infectologista Lígia Pierrotti, a contratação dos laboratórios pelas secretarias de saúde deve ser mais rigorosa. “É importante ter boas práticas laboratoriais para qualquer exame, não apenas para transplantes, e não foi o que vimos nesse caso. É fundamental ter mecanismos jurídicos que não abram espaço para a contratação de laboratórios sem condições de seguirem boas práticas”, considera.
Triagem dos órgãos
A infectologista Wanessa Clemente esclarece que não existe nenhum produto de origem humana — incluindo sangue, plasma, ossos, córneas e órgãos — que seja 100% seguro. Por isso a triagem é uma etapa fundamental do sistema nacional de transplantes.
Todos os órgãos de doadores passam por investigação de HIV, vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV), hepatites B e C, sífilis e doença de Chagas. O procedimento é feito a partir de amostras de sangue em laboratórios vinculados aos estados.
Transplantes de pessoas com aids, tuberculose ativa e quadro séptico não controlado, no entanto, são terminantemente proibidos.
“A maior parte dos casos de infecção por HIV, nós temos conhecimento já ao avaliar os dados de saúde do paciente. A doação de órgãos nem progride nesses casos”, esclarece Lígia.