O Instituto Butantan vai desenvolver e testar um medicamento contra o vírus Zika, com base em anticorpos monoclonais — uma proteína produzida em laboratório para atacar um alvo específico. O objetivo é usar uma linhagem celular para produzir anticorpos que serão usados para proteger grávidas da doença, mas que também possam ser utilizados por qualquer pessoa sob risco de contrair o vírus.
“O Butantan está trabalhando no desenvolvimento de anticorpos monoclonais em escala farmacêutica, o que permitirá começarmos os estudos clínicos”, afirma o diretor do Instituto, Esper Kallás, em comunicado.
O anticorpo monoclonal (mAB) foi licenciado para o Butantan pela Universidade Rockefeller, nos Estados Unidos. O licenciamento foi realizado após resultados promissores de testes feitos com esse anticorpo nos EUA e após a testagem dos anticorpos produzidos a partir de uma linhagem celular experimental na fábrica própria do Instituto.
O pesquisador e imunologista Michel Nussenzweig, líder do estudo que descobriu o anticorpo capaz de neutralizar o vírus Zika, isolou vários anticorpos contra o Zika e selecionou dois que mostraram boa atividade neutralizante contra o vírus. A partir disso, os desenvolveu em escala para estudos laboratoriais e experimentos em modelos animais, demonstrando que eles tinham uma capacidade de neutralização considerável, inclusive nos testes in vivo.
Para o Butantan, produzir e desenvolver o medicamento é uma forma de se preparar caso haja um novo surto de Zika no Brasil. Em 2015, foram registrados 51.806 casos prováveis de Zika; em 2016, foram 213.350. De acordo com o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), entre 2015 e 2017, período que durou a Emergência em Saúde Pública, 4.595 crianças nasceram no Brasil com microcefalia – para efeito de comparação, o número de casos da malformação congênita foi de 6.267 na década inteira, de 2010 a 2019.
Se os estudos clínicos feitos pelo Butantan demonstrarem boa eficácia e segurança do anticorpo monoclonal na neutralização do vírus Zika em humanos, o foco será testá-lo e oferecê-lo às gestantes que residem em áreas de surto.
“O anticorpo monoclonal anti-Zika seria um medicamento preventivo, uma imunoterapia passiva onde a mulher receberia um anticorpo pronto. Seria uma das formas de proteger mulheres em idade reprodutiva, e principalmente as grávidas, de se infectarem pelo vírus durante a gestação”, afirma Kallás.
A pesquisa ainda está em estágio preliminar, o que significa que testes clínicos ainda vão demorar para serem feitos. E, levando em conta que medicamentos não costumam ser testados em gestantes, uma série de escalonamentos de dose e estudos de segurança deverão ser realizados. Após isso, o primeiro passo será aplicar o mAb em voluntários saudáveis, e depois, em adultos infectados, para avaliar se a administração traz propriedades que demonstrem a proteção contra o vírus.
Apesar de ser considerado um avanço, o anticorpo não substitui uma possível vacina contra o Zika, que também é estudada pelo Butantan.
“O anticorpo monoclonal é indicado para complementar o efeito da vacina, já que nenhum imunizante confere proteção de 100% contra um patógeno. Em uma região onde mulheres estão suscetíveis a determinada doença e não tomaram a vacina, ou se algumas delas tomaram o imunizante há muito tempo e não se sabe ao certo se continuam protegidas, o mAb pode servir, complementando o efeito do imunizante”, conclui Kallás.