A figura paterna é fundamental no amadurecimento das crianças. No entanto, entre janeiro e julho de 2024, cerca de 91 mil crianças no país foram registradas sem o nome do pai, segundo a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen). Um dos maiores desafios da paternidade atual é conciliar o exercício da autoridade com o provimento de cuidados afetivo-emocionais à criança.
O contexto pós-feminista e o enfraquecimento do patriarcado trazem novos arranjos, nos quais ambos os parceiros trabalham fora e dividem responsabilidades domésticas e cuidados infantis. Essa transição exige uma ressignificação simbólica dos papéis de pai e marido. Hoje, ser pai demanda engajamento como cuidador afetivo e empático, rompendo com o tradicional papel de simples provedor.
Para o psicólogo, professor e mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Marcos Torati, alguns pais confundem afeto com ausência de limites, o que pode sobrecarregar a mãe e gerar impactos negativos para a sociedade e a criança. O especialista responde algumas perguntas sobre o lugar da figura paterna na criação de uma criança.
Como a presença ativa do pai pode impactar positivamente o desenvolvimento emocional e social da criança?
Nos momentos de maior dependência, a figura paterna oferece proteção, suporte afetivo e colabora diretamente na maternagem. Já na fase de dependência relativa, esse terceiro é reconhecido como uma figura distinta da mãe, ajudando a criança na individualização e a abrir-se ao mundo exterior.
Juntamente com a função materna, seu papel ajuda na internalização de normas sociais e na compreensão dos limites, o que fortalece a autoestima e prepara a criança para enfrentar desafios do processo de socialização. Sua presença ativa favorece também a autonomia da criança como indivíduo, contribuindo para o senso de “nós”, nas relações triangulares, o que amplia as possibilidades do senso de pertencimento ao grupo.
Lembrando que a figura paterna é entendida na psicologia como a função simbólica do pai, seja ela exercida por um pai biológico, avô, tio, padrasto ou qualquer outra figura que seja referência na vida da criança além do cuidador materno.
Quais estratégias ou práticas um pai pode adotar para fortalecer seu vínculo com os filhos mesmo diante de uma rotina corrida ou da distância física?
Um bom vínculo não depende apenas do tempo em quantidade, mas sim da qualidade da presença e do envolvimento genuíno. É necessário que o pai deixe de lado distrações digitais, responsabilidades e se conecte com o universo do filho.
Pequenos gestos possuem grande impacto, como abraços e mensagens carinhosas. Para pais que vivem longe, expressar interesse na rotina da criança e buscar compreendê-la é importante também. A comunicação constante e personalidades afetuosas ajudam a superar os efeitos da rotina exaustiva ou da distância física.
Em casos de ausência ou pouca participação paterna, quais são os efeitos que isso pode ter sobre a criança? Como outros membros da família podem ajudar a preencher essa lacuna?
A ausência paterna afeta a criança diretamente, com possíveis impactos – a depender da relação materna e de outros cuidadores, assim como o ambiente em que a criança vive – como insegurança, dificuldades de socialização, autoritarismo, timidez excessiva, egocentrismo e até mesmo atrasos em seu desenvolvimento, como na fala. Indiretamente, essa ausência sobrecarrega outros cuidadores, o que pode reduzir a paciência e gerar irritabilidade com a criança.
Contudo, a função paterna simbólica pode ser exercida por outros membros da família. Apoiar a criança com amor, estabilidade e proteção é essencial. É importante que os familiares evitem transferir ressentimentos para o menor, preservando sua autoestima e bem-estar emocional. A construção de um ambiente afetuoso e seguro é vital para minimizar os efeitos dessa ausência.
Qual seria o maior conselho para os pais que buscam exercer a paternidade de forma responsável e afetuosa?
Dediquem-se a estar presentes de maneira genuína, estabeleçam limites saudáveis sem abdicar do afeto e busquem compreender o universo emocional de seus filhos. Essa combinação ajuda tanto no amadurecimento das crianças quanto na formação de vínculos saudáveis e duradouros. A função paterna transcende questões biológicas. É, acima de tudo, simbólica e emocional, demandando cuidado, empatia e responsabilidade.