A produção recorde de soja no Brasil e o aumento dos preços do grão no mercado doméstico têm servido como estímulo para as vendas antecipadas da oleaginosa. A consultoria Safras & Mercado estima que os produtores já comercializaram pouco mais de 43% da produção prevista para a safra 2024/25. Um ano atrás, as vendas antecipadas correspondiam a 36% da colheita que se esperava para a temporada.
“Apesar do aumento dos custos de frete, os preços no mercado físico estão interessantes. Em um cenário com mais oferta de soja, esse preço justifica a venda acelerada”, disse Rafael Silveira, analista da consultoria.
No momento, a colheita se encaminha para o terço final. A produção deve crescer 13,3% em relação à safra 2023/24 e alcançar o volume recorde de 167,36 milhões de toneladas, conforme a estimativa mais recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
E, mesmo com oferta abundante, o preço do grão no mercado interno segue em patamar elevado. Em Paranaguá (PR), a saca de soja estava a R$ 134 na sexta-feira, um valor R$ 15 superior ao do mesmo período de 2024, segundo a Safras & Mercado.
Silveira observou que os preços no porto paranaense estão firmes em virtude do aumento dos prêmios (diferença entre o preço físico nas praças e a cotação na bolsa de Chicago). O movimento, que contraria a tendência para essa época do ano, quando os prêmios costumam ficar negativos, deve-se ao atraso no escoamento da safra, já que há muita soja chegando ao porto ao mesmo tempo, disse.
Para Enilson Nogueira, analista da Céleres Consultoria, o aumento das vendas de soja foi resultado da guerra comercial aberta pelos Estados Unidos. O presidente americano, Donald Trump, anunciou taxas de 10% sobre todos os produtos importados da China, que retaliou com tarifas de 15% sobre commodities americanas. Isso abriu mais espaço para a soja brasileira.
“Logo após a primeira semana do anúncio das tarifas, as vendas de soja do Brasil para as tradings somaram quase 2 milhões de toneladas ”, observou Nogueira.
O movimento contrasta com o que ocorreu nos últimos anos, quando a venda de soja brasileira atrasou, disse ele. Nas últimas safras, o produtor preferiu esperar os preços subirem, o que só aconteceu neste ano. A Céleres estima que as negociações já tenham alcançado 50% da colheita prevista para 2024/25, uma fatia superior à média dos últimos três anos, de 42%.
“Temos um pano de fundo positivo para rodar as vendas antecipadas, e qualquer novidade geopolítica entre EUA e China pode dar mais impulso ao prêmio no Brasil. Isso aumenta os preços por aqui e incentiva o produtor a voltar às negociações”, disse Nogueira.
As exportações de soja dos EUA para a China ainda não caíram. De acordo com o Departamento de Agricultura americano (USDA), na semana de 13 de março, os embarques cresceram 45,9% na comparação anual, para 1,2 milhão de toneladas. No acumulado do ano, os embarques à China recuaram 7,7%, a 20,4 milhões de toneladas.
“A próxima safra americana pode sentir os reflexos da [diminuição da] demanda da China. Por enquanto, [a guerra comercial] não tem muito impacto, grande parte dos embarques já estavam programados quando Trump anunciou as tarifas”, afirmou Silveira.
Luiz Fernando Roque, coordenador na Hedgepoint Global Markets, disse que, como nesta época do ano a China já se volta para a produção do Brasil por causa da colheita, só no segundo semestre será possível mensurar o impacto da guerra comercial para os EUA. “Aí a gente poderá ver um impacto maior da guerra comercial, se ela continuar”, disse. Para ele, os prêmios da soja devem cair até abril.
Vlamir Brandalizze, consultor da Brandalizze Consulting, estima que os produtores já tenham negociado 85 milhões de toneladas de soja da safra 2024/25, o equivalente a metade da produção; a média histórica para março é de 45%. Entre os fatores para a venda acelerada estão a safra recorde, dificuldades de armazenagem e interesse do produtor em comprar insumos para a próxima safra, avaliou.
“Também tem pressão de compra nos portos, o que está deixando os prêmios positivos, 75 a 85 pontos acima de Chicago”, disse. Ele ressaltou, além disso, que os produtores já não esperam novos aumentos de preços e por isso estariam aproveitando para fechar negócios.