O caso do adolescente de 14 anos que confessou ter matado os pais e o irmão de 3 anos, em Itaperuna, no Noroeste do Rio de Janeiro, causou comoção em todo o país e acendeu um debate sobre os perigos da internet e a influência do ambiente digital no comportamento de crianças e adolescentes.
As investigações apontam que o crime pode ter sido motivado pela negativa dos pais a uma viagem para encontrar a namorada virtual de 15 anos, moradora de Água Boa, no Mato Grosso. O adolescente afirmou que conheceu a menina quando tinha 8 anos, por meio de um jogo online, e desde então os dois mantinham contato frequente.
A jovem também foi ouvida pela polícia na cidade onde mora, e os investigadores aguardam o material colhido para confirmar se ela tinha conhecimento prévio do crime, ou até mesmo alguma coparticipação.
Uma bolsa com pertences, roupas e os celulares dos pais foi encontrada na casa da família, levantando a hipótese de que o adolescente estaria se preparando para viajar após o crime.
Os detalhes revelados pela equipe da 143ª DP (Itaperuna) indicam que o garoto usou a internet em diversos momentos, inclusive para pesquisar como sacar o FGTS de pessoas falecidas, após acessar o aplicativo do benefício pelo celular do pai, e descobrir que havia um saldo de R$ 33 mil.
Em depoimento, o adolescente também relatou ter consumido energético para se manter acordado e esperou todos dormirem antes de atirar na família com a arma registrada em nome do próprio pai, que possuía o registro de CAC (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador).
Embora o caso ainda esteja sob análise de autoridades e peritos — incluindo a investigação de possíveis transtornos mentais ou comportamentais —, especialistas reforçam que o episódio pode ser mais um alerta sobre o impacto da exposição ao mundo digital e a falta de supervisão no uso da internet por menores de idade.
Riscos do ambiente online
A juíza Vanessa Cavaliere, coordenadora do projeto Eu Te Vejo — iniciativa da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro em parceria com o CEJUSC JR — destaca a importância da atuação preventiva. Segundo ela, o ambiente digital pode representar um risco significativo para crianças e adolescentes se não houver acompanhamento constante.
“O que eu sempre digo é que a internet não é um lugar seguro para crianças e adolescentes estarem sozinhos, nem os jogos online. E os pais precisam monitorar, precisam supervisionar, precisam ler as conversas no chat, justamente para evitar que chegue uma situação extrema a esse ponto, de um envolvimento emocional, embora esse caso seja uma tragédia”, afirmou a magistrada.
Ela relata que não são raros os casos de jovens que acabam estabelecendo vínculos emocionais com pessoas desconhecidas, através das redes sociais e plataformas de jogos.
“A gente tem visto muitos casos de adolescentes, meninos e meninas que acabam se envolvendo com pessoas estabelecendo relacionamentos afetivos online e muitas vezes até fogem de casa para encontrar essa pessoa com quem eles mantêm essa relação virtual, né?”, lembrou.
“Então os pais precisam sempre monitorar o que eles estão fazendo, de preferência e respeitar também as indicações etárias. Porque existem muitos jogos que as crianças jogam que não são apropriados para a idade”.
O efeito da internet no desenvolvimento das crianças e adolescentes
O pediatra Daniel Becker também tem alertado sobre os impactos que o uso excessivo da internet pode causar no desenvolvimento emocional e social de crianças e adolescentes.
Becker destaca que esse ambiente online é muitas vezes dominado por conteúdos violentos, discursos radicais e estímulos inapropriados.
“Esse universo é muito violento, muito brutal, muito cheio de fantasias, de extorsões, golpes, bandidagem, ideologias”, explicou. “Os meninos, por exemplo, recebem muito conteúdo de violência extrema, inclusive, ataques à escola, fazendo apologia, inclusive, de assassinar.”
Para o pediatra, é essencial que pais e responsáveis reduzam a imersão digital de seus filhos e incentivem experiências no mundo real.
“Essa exclusividade do mundo digital na vida do adolescente pode banalizar a violência, permitir que ele entenda um crime como esse, como algo, digamos assim, entre aspas, possível de se realizar”, concluiu.
O médico ainda ressalta a importância de manter uma convivência familiar saudável e ativa, destacando que a falta de interação no ambiente real pode agravar os efeitos da vida digital.
“Nós precisamos lembrar da importância de reduzir essa imersão excessiva, esse vício, essa dependência no mundo digital e dar a eles a oportunidade de se desenvolver no mundo real, que é onde o ser humano se desenvolveu durante toda a sua história como espécie. É muito grave essa situação. Precisamos resgatar o convívio, a presença, o diálogo, o tempo de qualidade em família e na escola, para que essas crianças e adolescentes possam construir vínculos afetivos saudáveis, desenvolver empatia e senso de realidade. Sem isso, corremos o risco de perder essa geração para um universo onde a violência é banalizada e a solidão é mascarada por conexões superficiais”, finalizou Becker.