O céu limpo e o sol na manhã do dia 9 de agosto de 2024 contrastava com a tragédia iminente que se aproximava de Vinhedo. Minutos depois da queda do voo 2283 da Voepass, as nuvens tomaram conta da cidade, como se o clima traduzisse o luto que se espalhava. A notícia de um avião de passageiros que havia caído dentro de um condomínio residencial trouxe consigo perguntas, angústia e uma corrida silenciosa para dar nome às 62 vidas interrompidas.
No local da queda, o calor das chamas havia acabado de se dissipar quando as primeiras vítimas começaram a ser analisadas. Algumas estavam com documentos nos bolsos. Outras, ainda sentadas em suas poltronas, com o cinto de segurança afivelado. Grande parte destas, puderam ser identificadas por digitais. A médica legista Carla Abgussen lembra que, mesmo em meio à destruição, foi possível perceber algo que é quase que um instinto de quem é pai ou mãe: a tentativa de proteção.
“A forma como encontramos as crianças com o pai e a mãe, respectivamente… A mãe com o menininho, o pai com a menininha. Estavam abraçados. Ficou nítido a tentativa de proteger os filhos do que estava acontecendo.”
Pouco a pouco, os corpos foram levados até o IML Central, em São Paulo, onde o trabalho de identificação se tornou uma missão coletiva. Médicos legistas, peritos da antropologia, odontolegistas e papiloscopistas atuaram juntos para reconhecer, com precisão, quem eram as vítimas. Cada detalhe importava: uma arcada dentária, uma prótese, uma digital preservada. Muitos pertences vieram junto: carteiras, bolsas, alianças. Outros detalhes também ajudavam: sinais de nascença, tatuagens e lesões prévias.
Em paralelo, a Defesa Civil organizava a logística para recepcionar as famílias. Os primeiros parentes chegaram à capital ainda no fim de semana, muitos deles sem saber o que fazer. Segundo relatos de familiares, a empresa aérea falhou e não orientou sobre os processos, aumentando o sofrimento.
Entre os que buscavam respostas estava Adriana Ibba, mãe da pequena Liz, que viajava com o pai naquele dia. Um passeio que prometia ser alegre e virou saudade sem fim:
“As recordações são as melhores possíveis. Ela era uma criança ativa, saudável, sapeca. Gostava de dançar, de cantar, brincar de ‘moneca’. Viveu pouco, mas com muito amor. A cada manhã, a saudade aumenta uma fração.”
Em menos de uma semana, todas as 62 vítimas haviam sido identificadas e os corpos liberados às famílias.
Enquanto as equipes do IML encerravam sua parte, outra força-tarefa começava. Ainda na noite do acidente, investigadores do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) e da Polícia Federal estavam no local. A caixa-preta da aeronave foi localizada e enviada para análise.
Apesar do nome, a caixa-preta é laranja e abriga dois dispositivos essenciais: o CVR (Cockpit Voice Recorder), que grava o áudio da cabine, e o FDR (Flight Data Recorder), que registra dados técnicos do voo como: altitude, velocidade, comandos e falhas. Juntos, os equipamentos são capazes de reconstruir os últimos momentos da aeronave e revelar se houve falha humana, técnica ou ambos.
O relatório final do Cenipa, ainda não divulgado, vai apontar os chamados “fatores contribuintes” para o acidente, como problemas de manutenção, decisões da tripulação ou condições climáticas e trará recomendações para os órgãos envolvidos, com foco na prevenção de novas tragédias.
Já o inquérito conduzido pela Polícia Federal, também em fase final, tem outro objetivo: apontar os culpados e responsabilizar criminalmente quem, por ação ou omissão, contribuiu para o acidente. A investigação corre sob sigilo, mas familiares acompanham com atenção cada etapa e pressionam por respostas.
Enquanto os laudos não vêm, o que permanece é o vazio. Um vazio preenchido pela saudade de quem partiu e pela lembrança de um dia em que o céu de Vinhedo escureceu, por dentro e por fora.
Nesta quinta-feira (7), a série especial segue com um episódio voltado às investigações do caso. A reportagem vai abordar os fatores que podem ter contribuído para a queda da aeronave, a relação operacional entre Latam e VoePass e como fatores emocionais podem ter sido decisivos no acidente.
Na sexta-feira (8), o material especial sobre o um ano do acidente será exibido no CNN Prime Time. No sábado (9), data em que a tragédia completa um ano, vai ao ar uma versão estendida da reportagem, com novos detalhes sobre o caso.