As tarifas de 50% às exportações brasileiras, implementadas no começo de agosto pelos Estados Unidos, já começam a afetar trabalhadores do setor de madeira processada do país.
O setor faz parte do grupo que não conseguiu entrar na lista de 694 produtos isentos ao aumento da taxa, que teve início há cerca de duas semanas. Mas os efeitos são sentidos desde o começo de abril, quando a tarifa de 10% entrou em vigor.
“Desde esse primeiro momento, a indústria começou a ajustar questões de mão de obra e custos internos. Nesse sentido, a estratégia de férias coletivas já havia sido adotada por muitas empresas que dependem do mercado norte-americano”, explica Paulo Roberto Pupo, superintendente da Abimci (Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente), à CNN.
É o caso da Millpar, segunda maior empresa do setor no país e terceira na América Latina. Em julho, a companhia afirmou que alguns setores da unidade de Guarapuava (PR) entraram em férias coletivas por 15 dias.
Um dia antes de o tarifaço entrar em vigor, a empresa anunciou a suspensão total de sua produção — colocando mais de 65% de seu quadro de funcionários (720 de 1,1 mil) em férias por período indeterminado.
“Temos informações que muitas empresas estão finalizando esse período de férias coletivas. Se a coisa continuar da forma como está (e parece que sim) as empresas terão que fazer cortes para equilibrar as suas contas”, diz Pupo.
Quem sofre
Segundo dados da Abimci, o setor madeireiro exportou US$ 1,6 bilhão para os Estados Unidos em 2024, para onde são destinados, em média, 50% do total produzido no país.
O impacto da aplicação das taxas norte-americanas nas empresas madeireiras coloca em risco aproximadamente 180 mil empregos diretos em todo o Brasil, afirma a associação. Em nota divulgada no dia 18 de julho, a Abimci afirmou que o setor estaria enfrentando “o início de um colapso” com o tarifaço.
Inclusive, 90% dessa produção está concentrada no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Só no primeiro estado, onde aconteceram os maiores casos de férias e demissões, são 6,7 mil empresas atuantes e 109 mil empregos em jogo.
A madeira é o principal produto de exportação do Paraná ao vizinho norte-americano.
“Temos uma tradição de madeira, com cadeias produtivas bem estabelecidas e interligadas com inúmeros outros setores”, explica Ailson Loper, diretor-executivo da Apre (Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal).
“Para cada tonelada de frango produzido no Paraná, são necessárias quatro toneladas de madeiras. Portanto, quando há um impacto em um setor, há um impacto em todos”, argumenta.
Apesar os números relevantes, o setor de madeira não é o único que não escapou das tarifas de Trump. Café, carnes, pescados, frutas e equipamentos de construção civil, por exemplo, também sofrem com a interrupção de exportações ao país, que representava uma fatia relevante da clientela de todos os setores citados.
Até agora, férias coletivas e demissões não foram vistas na mesma escala.
Segundo Pupo, isso acontece por uma particularidade do setor de madeira: a personalização de parte da indústria exclusivamente aos EUA. Os contratos são fechados com uma especificidade muito grande, que praticamente impossibilitam a mudança de um mercado para outro tão rapidamente.
O negócio dos mouldings (molduras de madeira, do inglês), por exemplo, é produzido especialmente para o mercado norte-americano. Não há mercado em nenhum outro lugar do mundo para o produto.
“Nestes casos, não há outra solução além da paralisação das unidades fabris”, explica o especialista.
O setor madeireiro exportou US$ 1,6 bilhão para os Estados Unidos em 2024, para onde são destinados, em média, 50% do total produzido no país.
Caminho à frente
Além da ameaça tarifária, os EUA deflagraram uma investigação comercial contra o Brasil, na qual citam, entre suas preocupações, a madeira brasileira.
O USTR (Representante Comercial dos Estados Unidos) avalia que o país parece não estar conseguindo aplicar efetivamente as leis e regulamentações destinadas a impedir o desmatamento ilegal, o que prejudicaria a competitividade dos produtores norte-americanos de madeira e produtos agrícolas.
Contudo, toda a produção exportada para os norte-americanos provinda do Sul do país, que representa mais de 95% da produção nacional de madeira processada, provém de florestas plantadas, afirmou Pupo, da Abimci.
“Essa imagem antiga da [madeira ilegal] da Amazônia já tem décadas que ficou para trás, o grande polo produtivo nacional é aqui no Sul. Nós cumprimos todos os regramentos para atender o mercado americano, sobretudo na construção civil”, enfatiza.
Loper, da Apre, afirma que medidas legais já estão sendo tomadas nos EUA, com companhias daqui contratando advogados para construir uma defesa sólida do setor.
Sobre as tarifas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou, semana passada, a criação de uma linha de crédito de R$ 30 bilhões para amparar empresas afetadas pelas tarifas.
“O pacote anunciado pelo governo traz um respiro, mas entendemos que é paliativo. Ajuda a questão dos empregos, mas não resolve”, argumenta Ailson Loper, da Apre.
“Estamos em meio a uma guerra. O que é preciso fazer para sair firme dela é a renegociação da tarifa”.
Até lá, segundo ele, milhares de empregos seguirão ameaçados.