Só 4 das 20 metas do Plano Nacional da Educação foram parcialmente cumpridas. Polarização política excessiva no país, processo elitista de formulação de políticas públicas e teto de gastos ajudam a explicar quadro.”Das 20 metas do Plano Nacional de Educação, só 4 foram ao menos parcialmente cumpridas” – esse é o título de uma matéria publicada na Folha de S.Paulo há alguns dias e escrita por Isabela Palhares. Preocupante, né?
Para começar, acredito que caiba apresentar o Plano Nacional de Educação, o PNE. De forma simplista, é uma lei sancionada em 2014 pela ex-presidente Dilma Rousseff e que se pautava em um conjunto de 20 metas para a educação, indo do ensino básico ao superior.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação divulgará na próxima terça um relatório completo de análise do avanço das metas, mas já adiantam que além de poucos avanços, tivemos alguns retrocessos. Inclusão e permanência seguem sendo grandes problemas.
Na próxima coluna, falarei mais sobre as metas, os avanços e os retrocessos. Nesta, pretendo elencar três hipóteses que podem ser boas em explicar o porquê de estarmos onde estamos. A primeira é a excessiva polarização política do Brasil, alinhada a uma falta de plano político estratégico; a segunda é a falta da real participação de importantes agentes na construção de políticas públicas. Por fim, precisamos falar sobre o teto de gastos e a excessiva austeridade.
Sobra polarização e faltam planos
O cenário político brasileiro é marcado por uma polarização exacerbada. Não estou dizendo que somos o único país do mundo em que há polarização, O problema não está em haver oposição, mas nasce na medida em que ela sobrepõe qualquer projeto político de longo prazo. De modo simplista: é aquele bom e velho “entra um e muda tudo que o outro fez”.
Um professor deu uma aula muito boa sobre isso uma vez e citou brilhantemente um caso brasileiro que é exceção: o Ceará. O Estado é referência nacional em educação, com destaque para Sobral, e se tornou um exemplo de projeto que resiste às questões políticas. Não importa quem esteja no governo, saberão que é melhor não “mexer no que está dando certo”.
Infelizmente, é uma exceção. Todo o restante se torna marionete nas mãos de quem está no poder. Não serei ingênuo ou romântico aqui de pautar meu incômodo no fato de que eles não têm o bem do povo em seus planos. O problema é ainda maior: muitas vezes, não têm nem mesmo uma estratégia por trás de suas políticas para além de agendas puramente políticas.
Faltam professores e profissionais da educação nas políticas públicas
Tendo estratégia ou não, é fato: políticas foram criadas durante todo o período. Acredito, inclusive, que muitas até eram bem intencionadas. Qual o problema então?
Aqui entramos no território das políticas públicas – e não coincidentemente essa é minha área de mestrado. Há um consenso na literatura acerca do seguinte ciclo de políticas públicas: identificação do problema, formulação da política, implementação e avaliação.
Na prática não há uma divisão tão clara e as fases se sobrepõem, de modo que a divisão exposta é mais no sentido didático.
Bom, qual o problema que quero trazer para a discussão? O fato de que os professores e demais agentes da educação são, quase sempre, subestimados no processo. Sempre são acionados na fase da implementação, e tendo suas ações pautadas em regras, diretrizes e metas.
Não são eles que são convidados para elencar os problemas reais ou para ajudar no desenho das políticas, de modo a fazer com que estas sejam coesas com as reais demandas e tenham instrumentos de operação exequíveis e eficientes. Geralmente os convidados, assumindo o título de “especialista em educação”, são altos cargos de grandes institutos e fundações, e muitos desses não pisam em um colégio desde quando eram alunos.
Além disso, muitas das políticas simplesmente não são avaliadas. Como saber se são verdadeiramente eficientes?
Em suma, o processo de políticas públicas de educação no Brasil precisa urgentemente valorizar os profissionais que verdadeiramente estão nos colégios e os trazer para todas as etapas do processo. Somado a isso, todas as políticas precisam estar sempre em processo de avaliação para que ajustes possam ser feitos.
O Brasil não gasta pouco com educação, mas o teto de gastos limitou avanços
Por fim, mas não menos importante, precisamos falar sobre os gastos com educação. Não serei sensacionalista: o Brasil não é um dos países do mundo que menos gastam em educação. Em alguns momentos, sim, estivemos alinhados, no geral, com os países da OCDE.
Mas tiveram momentos problemáticos. De acordo com a Agência Brasil, o relatório de 2023 Education at a Glance, da OCDE, mostrou que “enquanto o Brasil investiu em 2020 US$ 4.306 por estudante, o equivalente a aproximadamente R$ 21,5 mil, os países da OCDE investiram, em média, US$ 11.560, ou R$ 57,8 mil”. Os valores são referentes aos investimentos feitos desde o ensino fundamental até a educação superior.
A meta 10 do PNE diz: “Ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do PIB no quinto ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB ao final do decênio”.
Em 2022, o Instituto de Estudos e Educacionais Anísio Teixeira (INEP) publicou um relatório de monitoramento. Lá, o investimento brasileiro em educação chegava a 5,5% do PIB, e o investimento público em educação pública, a 5% do PIB. Ou seja: bem distantes do próprio Plano Nacional de Educação.
Durante boa parte do PNE, esteve em vigor a lei do teto de gastos e agora está em alta a narrativa, adotada pela extrema direita, da austeridade exacerbada. Essas políticas limitam qualquer avanço possível na educação.
Quais são os maiores prejudicados diretos? Os milhões de estudantes brasileiros, mas não somente eles. Também os professores, suas famílias e toda a nação. Educação é um dos ingredientes mais importantes para o desenvolvimento de uma nação. Enquanto a educação for interpretada como um custo e não como um investimento, avançar com as metas será um dos mais ingênuos sonhos.
Comentários sobre este post