Aquele resto de bala no fundo da bolsa, as migalhas de bolacha que sobram no pacote, ou mesmo as sobras de bolo da festa de aniversário – tudo isso pode virar biocombustível. Sabendo disso, a Ambipar, especializada em gestão de resíduos corporativos, decidiu usar os resíduos de indústrias alimentícias como insumo para produzir etanol combustível para ser usado em sua própria frota de veículos leves.
A companhia começou a utilizar resíduos da indústria de alimentos para produzir álcool higiênico nos graus 46º e 70º no ano de 2021, em plena pandemia de coronavirus, quando a demanda pelo produto disparou e gerou um gargalo no fornecimento. No mercado de álcool higiênico líquido e em gel, os preços dispararam, e a Ambipar viu ali uma oportunidade.
Para aproveitá-la, a companhia aplicou uma biotecnologia que desenvolveu em seus laboratórios com um “mix” de bactérias que convertem açúcares e amidos em álcool e atacam determinadas moléculas, como de frutose. Como a aplicação ainda era em escala laboratorial, a Ambipar precisou buscar uma destilaria de álcool já estabelecida para utilizar a tecnologia em escala industrial.
Hoje, a companhia usa como insumo os resíduos da fábrica da Mondelez em Curitiba, como os restos de bala Halls, do chiclete Trident, do biscoito Club Social, do refresco em pó Tang, da bolacha Oreo, do chocolate Bis, do bombom Sonho de Valsa e das barras 5star. Outra empresa que também entrega seus resíduos industriais é a Bunge, que fornece o trigo que tem contaminação biológica e não pode ser usado na produção de alimentos.
Não é qualquer resíduo que pode ser aproveitado. É preciso que ele tenha um alto teor de açúcar, com ao menos 35 graus Brix. Com 1 tonelada de resíduos, é possível produzir 400 litros de álcool a 96º.
Combustível
Agora, a destilaria parceira da Ambipar, localizada em Ubirajara (SP), também produz etanol combustível, que está sendo direcionado há um mês para um posto criado pela própria Ambipar em Nova Odessa (SP), e que abastece atualmente cerca de 20 carros da empresa que atendem suas instalações no município.
O posto tem capacidade para abastecer até 4 mil litros por semana, o que corresponde a menos de 10% da produção atual. O restante continua sendo destinado para álcool higiênico.
Vantagens
Segundo Gabriel Estevam, diretor corporativo de pesquisa, desenvolvimento e inovação da Ambipar, o etanol combustível produzido de resíduos – batizado de “ambiálcool” – emite 90% menos gases de efeito estufa em seu ciclo de vida (desde a originação das matérias-primas até a queima nos veículos). “Abastecer nossa frota com esse etanol ajuda nas nossas metas de descarbonização”, afirmou. A Ambipar estabeleceu o compromisso de se tornar neutra em emissões de gases-estufa (netzero) até 2050.
O executivo diz que vê um grande potencial para ampliar a produção de etanol de resíduos no Brasil. “O Brasil é o maior produtor de alimentos do mundo. As maiores fábricas da Mondelez no mundo estão no Brasil”, afirma.
Economicamente, o produto também é vantajoso. Segundo Estevam, o custo de produção é menor em comparação ao etanol de cana-de-açúcar ou etanol de milho. “Sai bem mais barato”, assegura. Além disso, o álcool resultante da fermentação e destilação dos resíduos tem um grau de pureza maior, conhecido como “álcool neutro”, e pode atender indústrias de perfumes, que pagam mais caro.
Segundo o executivo, a Ambipar já está negociando com mais indústrias de alimentos no país e tem o plano de descentralizar a produção de etanol para próximo da originação da matéria-prima.