O texto final que viabiliza uma reforma administrativa, apresentado pelo Grupo de Trabalho no início deste mês e protocolado nessa sexta-feira (24/10), encontra impasses para tramitar na Câmara dos Deputados e deve ficar travado em 2026. Parlamentares que articulam a proposta ainda correm contra o tempo para tentar viabilizar a emenda constitucional, mas as chances são poucas.
A PEC prevê medidas como a limitação dos supersalários e auxílios de alimentação, transporte e saúde, a criação de metas de desempenhos para servidores e o fim de privilégios, como férias acima de 30 dias e licença-prêmio. O relator do texto é o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que conseguiu as 171 assinaturas necessárias para que a proposta comece a tramitar na Câmara.
O principal entrave para que a reforma avance é o lobby de movimentos sindicais, como o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público (Sindsep) e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), entre outros.
Eles alegam que o modelo proposto desmonta planos de carreira e impõe congelamento salarial. Outro ponto que desagradou os movimentos foi a falta de inclusão e debate no processo de elaboração do texto. Segundo os sindicatos, a proposta foi feita “a portas fechadas”, entre parlamentares e a “Faria Lima”, sem negociação com servidores.
Calendário apertado
Outro indício de que não é desta vez que a proposta irá prosperar é o calendário apertado. Faltam apenas três meses para 2026, ano eleitoral. Em anos de campanha, medidas do tipo tendem a enfrentar mais dificuldade para avançar.
Esta não é a primeira vez que a tentativa audaciosa de reorganizar a máquina do Estado enfrenta dificuldades na Casa do Povo. Em 2023, o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também tentou emplacar a proposta, que acabou não indo adiante pela mesma dificuldade que o atual texto encontra: a pressão sindical.
Nessa sexta, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou pelas redes sociais que a PEC havia sido protocolada: “Está pronta para ser discutida, apreciada e melhorada”. Apesar do feito, para que ela seja de fato aprovada e passe a valer, deve enfrentar um longo caminho pela frente.
Principais pontos da reforma administrativa
- Concursos públicos: passam a depender de um diagnóstico prévio da força de trabalho e deverão priorizar carreiras transversais. A proposta também possibilita a abertura de certames para ingresso direto em altos níveis de carreira em casos de especialização comprovada, com limitação de 5%;
- Estágio probatório: se o texto for aprovado, o estágio probatório ganha caráter formal, com avaliações documentadas que poderão resultar na confirmação do vínculo ou na exoneração do servidor;
- Benefícios dos servidores: limitação de uma série de benefícios existentes, por exemplo: concessão de férias superiores a 30 dias, licença-prêmio, progressão por tempo de serviço e incorporação de adicionais automáticos;
- Limitação de auxílios: com a reforma, os auxílios alimentação, saúde e transporte serão limitados a 10% da remuneração para quem recebe próximo ao teto constitucional. Outro ponto é a proibição de converter, em dinheiro, férias e licenças não usufruídas e pagamentos retroativos sem decisão judicial;
- Aposentadoria compulsória: deixará de ser usada como punição a magistrados e membros do Ministério Público, que passarão a estar sujeitos à perda do cargo em caso de faltas graves;
- Planejamento e metas obrigatórias: estabelece que presidentes, governadores e prefeitos publiquem, em até 180 dias após a posse, um planejamento estratégico para todo o mandato, com objetivos e metas;
- Avaliação de desempenho: servidores serão submetidos a avaliações periódicas. Nesse processo, o desempenho passará a ser critério para progressão funcional, ocupação de cargos de confiança e recebimento de bônus de resultados;
- Bônus: criação de bonificação anual para servidores em atividade, conforme o cumprimento de metas institucionais e individuais. Nesse caso, o bônus não incidirá sobre o teto constitucional;
- Tabela remuneratória única: criação de uma tabela remuneratória única em cada ente federado. O piso será o salário mínimo e o teto corresponderá ao limite constitucional;
- Cargos em comissão e funções de confiança: ficam limitados a 5% da força de trabalho, com exceção para municípios pequenos, com variação de 10%. Estão previstas cotas para mulheres, negros, indígenas, quilombolas e PCDs em funções de direção e cargos de confiança;
- Controle de gastos em Estados e municípios: a partir de 2027, os entes federados deverão seguir um teto de despesas primárias para os Poderes e órgãos autônomos. Os gastos não poderão crescer acima da inflação e, em caso de aumento de receita, só parte do valor poderá ser incorporada, limitada a 2,5% ao ano;
- Transformação digital: prevê que todos os sistemas públicos deverão ser integrados;
- Regras para municípios: municípios com dificuldades em custeio terão restrições para o número de secretarias, que poderá variar de cinco a 10 conforme o porte populacional. A proposta cria ainda uma norma para os subsídios de prefeitos, vices e secretários, que ficam atrelados ao salário de governador e variam de acordo com o tamanho da cidade;
- Cartórios e notários: fixa um teto de remuneração para notários e registradores, que ficam vedados de receber líquido mais do que 13 vezes o limite constitucional, além de estabelecer idade máxima de 75 anos para o exercício da função.
O que os articuladores da proposta pensam
O deputado federal Zé Trovão (PL-SC), responsável pela criação do Grupo de Trabalho que elaborou a proposta, afirmou que se mantém confiante em relação ao avanço do texto.
“É fundamental colocarmos esse tema em discussão e avançarmos numa reforma que modernize o Estado, valorize o servidor e melhore a vida do cidadão. Essa é uma pauta que une eficiência, justiça e responsabilidade — e representa uma retomada que atende a todos: população, Estado e servidores”, declarou.
Sindicatos rebatem
A CTB afirma que “seguirá mobilizada contra a proposta e convoca todas as entidades e servidores a somarem forças nas lutas que se intensificam em defesa do serviço público, da estabilidade e da valorização profissional”.
O sindicato ainda critica o texto, dizendo que: “A proposta fragmenta as carreiras e enfraquece a coesão do funcionalismo, dificultando negociações e unificando o discurso de ‘ajuste fiscal’ como justificativa para cortar direitos.”







