Presença constante nas listas de livros do vestibular, a cobrança de Machado de Assis não deveria ser entendida como obrigatória. A opinião é de Sonia Netto Salomão, professora catedrática da Sapienza Universidade de Roma e considerada uma das maiores estudiosas da obra do escritor carioca.
Nascido em 1839 no Rio de Janeiro, Machado passou por diversos gêneros da literatura – incluindo poesias, romances, crônicas, dramaturgia, e crítica literária. A estreita relação os livros se refletiu na fundação da ABL (Academia Brasileira de Letras) em 1897. A instituição teve Machado como o seu primeiro presidente.
Com obras ambientadas no século XIX, com destaque para “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Dom Casmurro” e “Quincas Borba”, Sonia defende que ler a obra do escritor é como fazer um passeio ao passado. “Machado fala da moda da época, prestando muita atenção à forma como as mulheres se vestiam. Também fala dos hábitos, da comida e restaurantes, dos vários recantos do Rio de Janeiro daquele período”, destaca a especialista em entrevista à CNN.
É comum a ideia de que um dos maiores desafios de aproximar os jovens ao gosto pelas obras do escritor se dê por conta da linguagem, diante de palavras que não usamos mais como “tilbury”, que remete às carruagens. Outro problema seria o tempo em que foram escritas, durante um período em que a capital fluminense ainda era a do Brasil.
A passagem do tempo, no entanto, não é um problema no caso do autor carioca, afirma Sonia. “Muitas vezes, a linguagem envelhece e os temas [abordados nos livros] também passam de moda. Mas isso não acontece com a obra do Machado. Ele tem muito a dizer para o público de hoje”, enfatiza.

Quem pretende começar a ler Machado de Assis, mas nunca teve contato com algum de seus títulos, não precisa necessariamente começar pelos mais robustos. “Pode ser pelos contos mais curtos”, recomenda Sonia. A pedido da CNN, a especialista listou três opções:
- “A Cartomante” (1884), sobre um triângulo amoroso entre os amigos Camilo, Rita e Vilela;
- “Um Apólogo” (1885), que retrata uma linha e a agulha que ganham vida e travam uma disputa empolgante sobre qual das duas tem mais importância na costura dos vestidos;
- “Ideias de Canário” (1889), conta a história de um homem e canário que viveu a vida inteira numa gaiola. Ambos discutem as muitas visões de mundo possíveis.
Outra opção é a novela “O Alienista”, de 1882. “É mais longa”, acrescenta a professora da Sapienza Universidade de Roma. A obra narra a história de Simão Bacamarte, um médico obcecado por estudar a loucura, que constrói um hospício em Itaguaí (RJ) para internar a população.
Para melhor entendimento das obras, a especialista sugere, antes de iniciar a leitura, o estudante pesquise sobre o contexto histórico em que ela foi publicada. “Nós não podemos entender completamente uma obra do passado se nos faltam referências”, destaca. Temas como patriarcalismo e escravidão são retratados por Machado.
Em domínio público, os títulos publicados pelo fundador da ABL podem ser consultadas gratuitamente pela internet. Uma das opções é o projeto MachadodeAssis.net. Além dos textos, a plataforma disponibiliza glossários que orientam os usuários durante a leitura.