A região norte de Minas Gerais, que já foi a maior produtora de banana do país e hoje ainda responde por mais da metade da fruta cultivada no Estado, está descobrindo uma nova vocação. Em busca de diversificação e de fuga do mercado desregulado da banana, produtores estão apostando no cultivo de cacau 100% irrigado a pleno sol.
Na nova fronteira do cacau, que tem clima seco, altas temperaturas e baixo índice pluviométrico, o modelo adotado é o de consórcio inicial com a banana nos primeiros anos para sombreamento e proteção das mudas. Entra na conta também a garantia de manter fluxo de caixa com a banana nos primeiros anos enquanto o cacau não dá renda.
Levantamento inicial da Emater-MG indica que há 480 hectares de cacau na região, mas produtores e pesquisadores dizem que já passa de 600 hectares. Com o incentivo da Cargill em um programa que está sendo implantado com o Sistema Faemg-Senar, a expectativa é chegar a 2.500 hectares no fim de 2026 e a dez mil hectares no médio prazo.
O Projeto Agro +Verde prevê incentivo financeiro para os produtores que já têm expertise com a fruticultura e interesse em diversificar.
O pioneiro Luiz Schwarcz, de Matias Cardoso, iniciou o plantio comercial de cacau em 2020. Ele procurava outra cultura para diversificar porque a banana enfrentava uma gangorra de preços. “Eu diminuí o número de pés de banana e plantei as mudas de cacau. Aproveitei o sistema de irrigação da banana e a adubação, ou seja, meu custo foi apenas com as mudas”, afirma ele, que não faz parte do programa de fomento.
“Comecei com dez hectares, plantei mais oito hectares no ano seguinte, em janeiro vou plantar mais 12 e em 2027 mais dez hectares. Para isso, já constituí um viveiro para fazer minhas próprias mudas”, diz Schwarcz, que também cria gado.
Em 2022, ele fez sua primeira venda experimental de amêndoas para a Cargill a R$ 13 o quilo. Neste ano, já vendeu a R$ 60 para a Cacau Fralia, moageira de Minas Gerais.
“Apesar de a produtividade ainda ser baixa, minha renda aumentou em 2024 e 2025 porque peguei uma fase de grande aumento de preços da amêndoa. Agora, já caiu para R$ 30 o quilo, mas ainda está com bom preço. No próximo ano, quando as primeiras árvores completarem quatro anos, a produtividade já deve aumentar.”
Decisão
As crises hídricas de 2015 e 2018 e as perdas com o mal do Panamá, a doença fúngica causada pelo Fusarium oxysporum que afeta a banana, foram decisivas para a empresa Rimo Agroindustrial, dona da Fazenda Mosquito, em Janaúba, no norte de Minas, mudar seu rumo.
Geraldo Pereira da Silva, gestor da empresa que cultiva 400 hectares de banana prata e tem confinamento de gado, conta que já buscava outra cultura que não fosse afetada pelo fungo e tivesse uma demanda menor de água quando conheceu o cacau em um dia de um dia de campo na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).
Silva fez algumas viagens ao sul da Bahia para conhecer melhor a cultura. Em dezembro de 2021, plantou 30 hectares de cacau, reduzindo o estande de banana na área escolhida de 1.400 pés para 900 por hectare e aproveitando a irrigação e a adubação da banana.
“Foi uma mudança grande. Estamos saindo de uma cultura que você fica na mão do comprador no mercado interno para uma commodity com precificação na Bolsa de Nova York, demanda mundial crescente e mercado interno forte. A banana precisa de 12 meses para produzir um cacho e eu só tenho 12 dias para vender”, diz.
A empresa de Janaúba também está iniciando o plantio de açaí em áreas baixas. A função do açaí é servir como quebra-vento para o cacau e gerar renda.
Neste ano, a Rimo está colhendo sua primeira safra significativa de cacau, ainda com produtividade baixa, mas a expectativa é chegar à produção plena com 200 arrobas por hectare/ano, o que já ocorre em algumas regiões do semiárido baiano.
Os 30 hectares iniciais de cacau já estão a pleno sol e outros 100 hectares crescem em consórcio com a banana. O plano em seis ou sete anos é chegar a 340 hectares de cacau e 60 hectares de açaí, eliminando a banana.
Segundo o gestor da Rimo, a substituição da banana pelo cacau não levou em conta a alta de preços, mas o custo de produção e a produtividade.
“O preço é apenas um detalhe. Quando comecei a plantar, a arroba custava R$ 234. No ano passado, ficou perto de R$ 1.000. Neste ano está caindo e acredito que deve se estabilizar entre R$ 700 e R$ 800. Se eu tiver boa produtividade, consigo pagar com folga os custos e tenho um ano para precificar o volume que entregar na moageira.”
Agro +Verde
Harrison Belico, coordenador de projeto do Instituto Antônio Ernesto de Salvo, ligado ao Sistema Faemg-Senar, explica que o Projeto Agro +Verde surgiu no ano passado após uma provocação da Cargill, que buscava uma ideia inovadora para fomentar a cultura do cacau no Brasil.
“Como os produtores de banana da região são tecnificados e estavam reféns dos preços, vimos potencial para avançar com esse projeto usando o consórcio com a banana. Funciona assim: o produtor recebe um fomento da Cargill de até R$ 9.500 em mudas por hectare que já estão sendo produzidas em oito viveiros de Ilhéus e Eunápolis, na Bahia, e se compromete a devolver R$ 7.000 em amêndoas em até cinco anos. A meta do projeto é fornecer mudas para o plantio de 2.900 hectares.”
Cada muda custa R$ 9,40 entregue na propriedade. O produtor recebe também assistência técnica e gerencial do Senar, com uma visita mensal de um agrônomo. Segundo Belico, 28 produtores já estão em fase de plantio e mais 20 estão sendo prospectados no projeto que ele chama de “dobradinha perfeita”.
“A Cargill tem intensa preocupação com a sustentabilidade ambiental. A terra do produtor que se integrar ao Agro +Verde tem que estar 100% regularizada, com cadastro rural e sem passivo de desmatamento, porque o objetivo é produzir um cacau certificado com rastreabilidade e potencial de escoamento para a Europa.”
Como o cacau chegou ao norte de Minas
O professor da Unimontes Victor Martins Maia, engenheiro agrônomo com mestrado e doutorado em produção vegetal, foi quem introduziu o cacau no norte de Minas após fazer uma parceria com o pesquisador José Basílio Vieira Leite, da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) da Bahia, em 2010.
Ele fez os primeiros ensaios em 2011 na fazenda da Unimontes, no campus de Janaúba, mas faltou irrigação, a lavoura enfrentou anos seguidos de seca e a produção não vingou. A partir de 2014, com a estruturação da irrigação, fez novos experimentos, conseguiu produtividades elevadas e começou a divulgar a técnica em dias de campo. O financiamento das pesquisas veio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), ligada ao governo mineiro.
“Algumas áreas já atingiram produtividade acima de 2.000 kg por hectare (ou 133 arrobas), mas podem chegar a 3.000 kg (200 arrobas). O consórcio com a banana é muito recomendado porque o cacau só começa a dar renda a partir do segundo ou terceiro ano, mas o produtor pode tirar duas ou três safras de banana antes.”
As doenças fúngicas, como a vassoura-de-bruxa, segundo Maia, não são um problema para o cacau na região pelo clima seco, mas a cultura que precisa ser 100% irrigada está sujeita a outras doenças como o ressecamento das pontas da planta (lasiodiplodia), antracnose, podridão parda e mal do cacau (Ceratocystis cacaofunesta). Todas, no entanto, podem ser combatidas com fungicidas, manejo, genótipos mais resistentes e desinfecção do material de poda.
Maia diz que o cacau é uma cultura inclusiva e a região já tem em torno de 20 produtores com áreas que variam de dois a 130 hectares em uma faixa que vai desde Pirapora até o município de Manga, na beira do rio São Francisco.
Os clones usados na região são o CCN 51, vindo do Equador, e o PS 1319, desenvolvido pelo grupo da fazenda baiana Cantagalo, de Claudia Calmon de Sá. As árvores que demandam podas frequentes chegam ao auge da produção após seis anos. As amêndoas são entregues para moagem na empresa Cacau Fralia, de Minas Gerais, e na Cargill e Barry Callebaut, de Ilhéus.
“O custo de implantação de um hectare irrigado varia de R$ 50 mil a 80 mil, dependendo da estrutura da propriedade. Nos três primeiros anos, o custo total aproximado é de R$ 120 mil. O tempo de retorno do investimento é de quatro a seis anos com os preços atuais da amêndoa, mas, no consórcio com a banana, esse tempo é zerado porque a banana paga os custos iniciais.”
O professor diz que aumentos exagerados de preços como os do ano passado não são bons para a cultura porque atraem gente curiosa que não tem expertise na produção e a indústria começa a usar outros produtos para fazer o chocolate.
“Preço alto desregula e atrapalha o mercado. Preço bom é o que remunera bem o produtor, mas não cria distorções.”
O sucesso dos experimentos levou à criação do Centro Tecnológico para Cacauicultura para Regiões não Tradicionais (CTCRNT), financiado pela Fapemig em parceria com a Universidade Federal de Lavras e a Universidade Federal de Minas Gerais. O plano agora é desenvolver pesquisas de qualidade das amêndoas e fermentação para fomentar a produção de chocolate na região.
Um levantamento inicial feito por técnicos da Emater-MG em março deste ano apontou 480 hectares ocupados com cacau no norte de Minas e uma produção anual de 161 toneladas. O município de Jaíba lidera o cultivo, com uma área plantada de 256 hectares, ou 53,3% do estado. Em seguida aparecem Janaúba (120 hectares), Bandeira (64 hectares) e Matias Cardoso (25 hectares).






