O pré-diabetes, condição em que os níveis de glicose no sangue estão acima do ideal, mas ainda não configuram o diagnóstico de diabetes tipo 2, é frequentemente ignorado ou subestimado. No entanto, esse estágio intermediário de disfunção metabólica pode ter consequências relevantes para a saúde reprodutiva, tanto masculina quanto feminina.
“Os níveis mais altos de glicose no sangue indicam que o corpo não está usando seu próprio suprimento de insulina com eficiência. A condição de pré-diabetes prejudica o perfil hormonal e metabólico sadio dos homens e das mulheres, o que prejudica a possibilidade de concepção”, explica o especialista em reprodução humana e diretor clínico da Clínica Mater Prime, Rodrigo Rosa.
Segundo o médico, nos homens, o desequilíbrio glicêmico afeta diretamente o metabolismo testicular e interfere na produção de espermatozoides. “Alterações no perfil hormonal, como redução nos níveis de testosterona, comprometem a espermatogênese (processo de formação dos espermatozoides), resultando em menor concentração e motilidade dos gametas. Além disso, o excesso de glicose circulante pode causar fragmentação do DNA espermático, o que reduz a capacidade de fecundação e aumenta o risco de falhas na implantação embrionária ou abortos precoces”, diz Rodrigo.
Outro ponto relevante é que o pré-diabetes pode desencadear inflamações crônicas e estresse oxidativo, ambientes desfavoráveis à fertilidade, de acordo com o especialista. “Em casos mais avançados, o descontrole glicêmico prejudica também a função erétil e ejaculadora. Uma das complicações possíveis é a ejaculação retrógrada, em que o sêmen é direcionado à bexiga em vez de ser expelido pela uretra, dificultando o acesso dos espermatozoides ao óvulo”, comenta.
Nas mulheres, o pré-diabetes interfere na ovulação e na qualidade dos óvulos, impactando diretamente a capacidade de engravidar. “A resistência à insulina, frequentemente presente nessa fase, desregula a comunicação entre o cérebro e os ovários, o que pode levar a ciclos menstruais irregulares ou anovulatórios (sem ovulação). Mesmo quando há ovulação, o ambiente hormonal alterado prejudica a maturação dos folículos ovarianos e a receptividade endometrial, condições essenciais para a fecundação e a implantação embrionária”, diz o especialista.
“Além disso, mulheres com pré-diabetes têm maior risco de desenvolver complicações caso engravidem sem o controle adequado da glicose. Entre os riscos estão abortos espontâneos, pré-eclâmpsia, crescimento fetal excessivo e parto prematuro. Por isso, é fundamental que a saúde metabólica seja monitorada desde antes da concepção”, comenta Rodrigo.
“Mulheres com obesidade têm risco duas a quatro vezes maior de desenvolver diabetes mellitus gestacional. Isso se deve à resistência insulínica pré-existente, exacerbada pelas alterações hormonais da gravidez”, comenta o ginecologista e obstetra, mestre e doutor em tocoginecologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP), Nélio Veiga Júnior.
“Outro risco é o de pré-eclâmpsia, quadro caracterizado pelo aumento da pressão arterial (hipertensão) e pela presença de proteína na urina (proteinúria). Esse risco pode dobrar ou triplicar em gestantes com obesidade. A inflamação crônica e o estresse oxidativo sistêmico são fatores fisiopatológicos importantes para a instalação da doença”, esclarece Nélio.
A boa notícia é que o pré-diabetes é reversível na maioria dos casos. Pequenas mudanças no estilo de vida já são capazes de restaurar o equilíbrio glicêmico e, por consequência, melhorar a fertilidade. “A perda de 5% a 7% do peso corporal, combinada à prática de atividades físicas regulares (como caminhadas ou treinos aeróbicos de 30 minutos ao menos cinco vezes por semana) e a uma alimentação com baixo teor de açúcares refinados e gorduras saturadas, traz benefícios rápidos e significativos. A inclusão de vegetais, grãos integrais, proteínas magras e gorduras boas (como azeite, abacate e oleaginosas) é altamente recomendada”, diz Rodrigo.
O acompanhamento na gravidez também é fundamental. “Durante o pré-natal, deve-se monitorar o ganho de peso gestacional, que, para mulheres com IMC 30, deve ficar entre cinco a nove quilos, segundo o Institute of Medicine (IOM). Para isso, é necessário suporte multidisciplinar, com médico, nutricionista, psicólogo, educador físico e enfermeira obstétrica, que devem atuar de forma integrada para mitigar os riscos”, destaca Nélio.
“Controlar o pré-diabetes não é apenas uma questão de prevenir o diabetes tipo 2 no futuro, mas também uma estratégia importante de preservação da fertilidade e de cuidado com a saúde reprodutiva. Homens e mulheres que planejam ter filhos devem, portanto, prestar atenção aos seus níveis de glicose e buscar orientação profissional ao menor sinal de alteração metabólica”, reforça Rodrigo.