No anúncio feito pelo governo americano sobre o tarifaço na quinta-feira (13), a lista dos países apontados como “culpados” por Donald Trump começou pelo Brasil.
Para Trump, a economia brasileira é muito fechada e merece ser punida. E economistas ouvidos pela CNN afirmam que, nesse ponto, o presidente americano tem razão.
A métrica mais utilizada para comparar o nível de protecionismo de diferentes países hoje é a média simples das tarifas cobradas em produtos importados, calculada pelo Banco Mundial.
O levantamento aponta que o Brasil cobra uma taxa média de 12,4% sobre importações, ante a tarifa de 2,7% dos Estados Unidos.
“As tarifas dos Estados Unidos são, em média, baixíssimas, as de outros países são frequentemente menos baixas e as do Brasil altíssimas”, afirma Romero Tavares, sócio-líder de tributação internacional da PwC e doutor pela Universidade de Viena.Play Video
Além de criticar os altos impostos sobre importação, Trump também acusa os países de impor outras tarifas e barreiras regulatórias.
Entre elas, estariam o Imposto Mínimo Global da OCDE, para evitar que multinacionais desviem lucros para paraísos fiscais, e o Imposto sobre Serviços Digitais, que tributa gigantes de tecnologia, segundo Tavares.
“O Brasil é ‘culpado de todos esses crimes’: tem imposto de importação alto, mercado fechado para quase tudo, uma das maiores tributações de consumo do mundo — enquanto a dos Estados Unidos é uma das menores. Tudo o que a OCDE faz a gente já faz pior há muito tempo”, afirma o sócio da PwC.
Os especialistas ouvidos pela CNN relatam que Trump acha que outras economias são mais fechadas a empresas americanas do que a economia dos EUA a empresas estrangeiras.
Para o presidente, não seria justo um produto dos EUA chegar a um mercado com uma tarifa alta, enquanto outros produtos chegam ao mercado americano com tarifas baixas.
EUA tarifam importações
Mas apesar de os Estados Unidos de fato serem uma das economias mais abertas do mundo, o país historicamente aplica medidas contra importação para itens que o interessa.
É o caso do suco de laranja brasileiro e de outros itens da pauta agrícola.
E existem também razões histórias que explicam a tentativa de países emergentes de se proteger internamente.
Murilo Viana, especialista em contas públicas, afirma que o Brasil é protecionista porque teme que a abertura comercial afete a indústria nacional.
“O protecionismo é uma consequência da nossa indústria de transformação ser pouco competitiva e pouco integrada às cadeias globais de valor, salvo poucas exceções, como a Embraer e a Weg”, diz.
Mas o protecionismo não é exclusividade dos emergentes. Viana lembra que durante a longa negociação do acordo entre Mercosul e União Europeia, a Europa defendeu que o Brasil facilitasse a entrada de produtos industrializados europeus, mas os europeus, notadamente a França, não queriam abrir o mercado para os produtos agrícolas brasileiros.
As altas tarifas de importação já foram utilizadas para desenvolver a indústria nacional no passado, mas o sócio da PwC defende que quanto mais o protecionismo perdurar, menos conectada à cadeia global e menos competitiva a indústria nacional fica.
Tavares acrescenta que há alternativas para desenvolver a indústria local, como os incentivos a zonas francas de desenvolvimento, a exemplo da China, da Índia e à zona franca de Manaus – ainda que em menor escala.
Retaliações
Desde a criação do atual sistema de comércio multilateral, em 1947, com Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt), que evoluiu para Organização Mundial do Comércio (OMC), a partir de 1995, os EUA definiram seus níveis tarifários por meio de negociações em órgãos internacionais.
Trump decretou o fim dessa ordem de comércio global nesta quinta-feira, dizendo que a partir de agora ele e seus aliados vão decidir unilateralmente as regras do jogo.
O país, que foi o principal defensor do livre comércio nas últimas décadas, declarou guerra comercial contra praticamente todos os seus principais parceiros comerciais.
E com a implementação de um sistema tarifário baseado na reciprocidade, enterrou a política comercial que orientou o mundo nos últimos 75 anos.
Depois de Trump cumprir a promessa de lançar um amplo ataque tarifário, países avaliam se vão responder e como o fariam.
Para Tavares, o governo brasileiro corre o risco de assumir uma “posição de vítima” e iniciar um ciclo retaliatório.
“Nós já estamos batendo nos Estados Unidos há um bom tempo com as nossas tarifas mais altas. Agora que eles começam a revidar, talvez a gente bata de novo. Estamos em um cenário bem perigoso e bem caótico”, diz o tributarista.