Por conterem 186 mg de colesterol por gema, os ovos foram considerados, durante boa parte do século XX, um dos principais vilões da saúde cardíaca. A recomendação para pessoas com colesterol alto, diabetes ou histórico familiar cardíaco era limitar o consumo a, no máximo, quatro ovos por semana.
A partir dos anos 2000, alguns estudos populacionais começaram a questionar a correlação entre consumo de ovos e aumento do LDL no sangue. Porém, nenhum havia comparado de forma isolada os efeitos da gordura saturada presente no preparo dos ovos e na dieta em relação ao colesterol dietético.
Agora, em um estudo pioneiro no mundo, pesquisadores da Universidade da Austrália do Sul (UniSA) separaram dois fatores que normalmente aparecem juntos na alimentação: o efeito do colesterol alimentar (como o dos ovos) e o efeito da gordura saturada presente em acompanhamentos — como bacon, manteiga e carnes gordas.
Publicada recentemente na revista The American Journal of Clinical Nutrition, a pesquisa é um ensaio clínico randomizado cruzado com 61 adultos saudáveis que consumiram, por cinco semanas, três dietas com igual valor calórico: alta ingestão de colesterol (600 mg/dia) — incluindo dois ovos — e baixo teor de gordura saturada.
A conclusão representa uma mudança de paradigma. Desde que dentro de uma dieta com baixo teor de gordura saturada, comer dois ovos por dia não só não eleva o colesterol ruim, como pode até mesmo ajudar a reduzi-lo. Isso porque o colesterol da dieta tem pouco impacto direto sobre os níveis de LDL.
Consultada pela CNN Brasil, a nutricionista Clarissa Fujiwara destaca que “o estudo avaliou indivíduos adultos saudáveis, sem doenças crônicas”. Para indivíduos com risco cardiovascular, a recomendação continua sendo cautelosa e individualizada, visto que a resposta ao colesterol dietético varia geneticamente entre pessoas.
Ovos não elevam o LDL nem causam problemas cardíacos
“Há muito tempo os ovos vêm sendo injustamente ‘quebrados’ por conselhos dietéticos defasados”, afirma o pesquisador sênior Jon Buckley, professor da UniSA, em um comunicado. Ricos em colesterol, mas pobres em gordura saturada, eles são mundialmente questionados pela gordura encontrada na gema.
Desde a década de 2010, já se sabe que comer colesterol não aumenta automaticamente o LDL no sangue. Na verdade, a maior parte do colesterol no sangue é produzida pelo fígado: não vem diretamente dos alimentos. É o nosso organismo que regula a produção de colesterol conforme a ingestão alimentar.
Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Fujiwara recomenda limitar a ingestão de alimentos ricos em gordura saturada, como carnes vermelhas, gordura animal (banha e sebo), pele de frango, embutidos, bacon e leite integral e derivados, pois estimulam o fígado a produzir mais colesterol endógeno.
Na primeira dieta do estudo randomizado (rica em colesterol, pobre em saturada), os participantes comiam dois ovos por dia durante uma semana. A segunda (pobre em colesterol, rica em saturada) excluía os ovos. A terceira, de controle, combinava alto colesterol, alta gordura saturada, e só um ovo semanal.
A dieta com dois ovos diários continha 600 mg de colesterol e 6% de gordura saturada. A dieta sem ovos tinha 300 mg/dia de colesterol e 12% de gordura saturada, enquanto o grupo controle registrou 600 mg de colesterol com 12% de gordura saturada.
Quando comparada ao controle, a dieta com ovos reduziu visivelmente o LDL (103,6 mg/dl em comparação com 109,3 mg/dl). A dieta sem ovos manteve níveis similares aos do controle, apesar do menor colesterol dietético. A gordura saturada, por sua vez, mostrou-se determinante nas alterações do LDL
São as gorduras saturadas que elevam o LDL
Segundo os autores, algumas complexidades surgiram nos mecanismos de mudança no LDL. Esse colesterol possui partículas de tamanhos diferentes: grandes e fofas menos perigosas; e pequenas e densas, mais propensas a penetrar nas artérias, causando aterosclerose (acúmulo de placas).
Embora a dieta com ovos tenha reduzido o LDL total, diminuiu partículas grandes e aumentou ligeiramente as pequenas. A dieta sem ovos também elevou partículas pequenas e reduziu as grandes, mas sem impacto na redução geral dos níveis de LDL.
Esses resultados confirmaram que a gordura saturada, e não o colesterol dos ovos, é a verdadeira responsável pelo aumento do LDL. Ou seja, cortar ovos de uma dieta sem controlar as gorduras saturadas provavelmente não influenciará os níveis de colesterol LDL no organismo.
A dieta com ovos também elevou os níveis de luteína e zeaxantina no plasma. Esses dois carotenoides são antioxidantes, protegem a retina e combatem inflamações. Conforme os autores, esses pigmentos naturais podem influenciar a motivação ou energia no cérebro, fazendo as pessoas se moverem mais naturalmente.
Além do resgate de um alimento útil e nutritivo, a pesquisa expõe a face sombria do “reducionismo nutricional” — a mania de julgar alimentos por um único nutriente. A pesquisa atual comprovou cientificamente, com metodologia sólida, que o medo dos ovos era baseado em uma visão simplista, que distorcia a realidade nutricional.
Certamente, há alimentos ultraprocessados (salsichas, salgadinhos, refrigerantes) que não agregam valor nutricional. “Mas, se tratando de alimentos in natura como os ovos, essa demonização do passado acaba levando muitas pessoas a restringir excessivamente a alimentação”, conclui Fujiwara.