Raciocinar por analogia talvez seja um dos mais perigosos caminhos analíticos. Afinal, na maioria das vezes é fácil achar algumas semelhanças entre situações, o que não implica muita coisa (esse hábito é particularmente comum na análise econômica).
Ainda assim vivemos em um momento político onde algumas tendências parecem se expressar de forma comum entre vários países, de tal forma onde olhar o que aconteceu fora do Brasil joga luz sobre o que pode acontecer por aqui.
Por exemplo: quem viu a ascensão surpreendente de Donald Trump em 2016 entendeu mais rapidamente a vitória de Bolsonaro em 2018.
Na mesma linha, olhar a derrocada política e eleitoral de Joe Biden parece alinhar com vários dos problemas que o presidente Lula está enfrentando naquilo que pode ser seu pior momento na vida política.
Começamos com uma tendência que é realmente global: viés anti-incumbente.
Um “axioma” da ciência política seria as vantagens do incumbente em reeleições: eles contam com a “aura” do cargo como o poder de usar a máquina e gastos públicos a seu favor.
Mas depois da pandemia isso mudou: o cientista político de Harvard Steven Levitsky compilou o resultado de 54 eleições desde 2020 com o incumbente perdendo 74% dos pleitos.
Uma possível causa dessa tendência foi o forte surto inflacionário, com várias causas, inclusive com a continuidade de grandes déficits fiscais até depois da fase mais aguda da pandemia.
Aqui podemos apontar um primeiro paralelo entre Biden e Lula: ambos apostaram em forte aumento de gastos no início dos seus mandatos relativizando os riscos inflacionários.
Lula aprova a PEC da Transição de R$ 145 bilhões até antes da posse e Joe Biden aprova o American Rescue Plan de US$ 1.9 trilhões em março de 2021.
O forte impulso fiscal em ambos os casos levou a um crescimento maior, mas a um custo de uma inflação mais persistente, com as pesquisas de opinião em ambos os casos apontando que o eleitorado deu mais peso à inflação que ao crescimento econômico robusto.
Outro paralelo é que tanto Biden como Lula foram eleitos por margens muito estreitas, mais em função da rejeição ao opositor – Trump e Bolsonaro – do que grande entusiasmo por suas candidaturas.
E em ambos os casos acabam governando bem mais à esquerda do que foi sinalizado durante as suas campanhas quando ambas as sociedades estavam pivotando em uma direção mais conservadora – no caso brasileiro ajudado pelo contínuo crescimento do voto evangélico.
Outra semelhança: talvez em função da idade avançada de ambos (Biden tem 82 anos de idade, Lula 79) é uma evidente falta de capacidade de lidar com novas mídias digitais. Ambos parecem ainda funcionar em um modo antiquado politicamente.
Desde pelo menos a metade do mandato as pesquisas de opinião claramente indicavam que o eleitorado, inclusive o eleitorado Democrata, não queriam Biden como candidato.
Apesar disso, muito influenciado pelo seu entorno familiar, Biden insistiu na sua candidatura até o debacle do primeiro debate com Trump. Aqui no Brasil, recente pesquisa da IPEC aponta que 62% do eleitorado acha que Lula não deveria concorrer em 2026.
Último paralelo: tanto Lula como Biden parecem mais isolados politicamente, tendo suas agendas rigorosamente controladas e limitadas por suas esposas que tem escapado do papel tradicional de primeiras-damas e assumido explicitamente um papel ativo na política e governo dos seus maridos.
Há, porém, uma grande diferença entre Biden e Lula. Biden – e depois Kamala Harris – tinham um forte opositor que unia o campo político à direita: Donald Trump.
Este não é o caso, pelo menos agora, no Brasil, onde os problemas legais de Bolsonaro e sua inelegibilidade – como possível prisão – criam um problema muito a maior de organizar a oposição para 2026, como também dando a Lula a possibilidade de, pelo menos no curto prazo, mudar de assunto e voltar a debater as ameaças ao regime democrático.
Mas devemos lembrar que Biden e Harris apostaram muitas fichas neste mesmo tema sem sucesso.
O que podemos concluir? Primeiro que a recente queda de popularidade exemplifica fatores não somente conjunturais – como a inflação de alimentos – ou “erros” de comunicação que um bom publicitário pode ajudar a corrigir.
Há fatores estruturais como consequências de escolhas políticas e econômicas errôneas, com poucas indicações até agora de uma vontade de fazer mudanças radicais para endereçar esses fatores.
Assim, só podemos concluir que Lula não é favorito para se reeleger em 2026, dependendo crucialmente da incapacidade da oposição em se organizar para ter chances de reeleição.