Com propriedades no Paraná e no Tocantins, o produtor de grãos Marcus Tonon adota a máxima de “distribuir os ovos em cestos diferentes” para explicar por que decidiu apostar na cevada como cultura de inverno. Em 2025, ele vai plantar o grão pelo quarto ano seguido na fazenda que tem em Piraí do Sul (PR), na região dos Campos Gerais. “O cultivo é bastante desafiador, mas acho válido a partir do momento em que se acertam as variedades e o manejo”, avalia.
As regiões dos Campos Gerais, onde fica a propriedade, e a de Guarapuava são as duas maiores produtoras nacionais de cevada, que tem ciclo de cultivo nos meses entre junho e novembro. Na safra 2024, os agricultores dessas regiões fizeram o plantio em 63.783 hectares, o equivalente a 82% da área de cultivo no Paraná, e produziram 242.300 toneladas, ou 84% de toda a colheita no Estado, o maior produtor do cereal no país.
Segundo relatos de agricultores, um dos marcos recentes de transformação da cultura foi o início das operações da Maltaria Campos Gerais, em Ponta Grossa. Inaugurada em 2024 por seis cooperativas – Agrária, Frísia, Castrolanda, Capal, Bom Jesus e Coopagrícola –, a indústria tem capacidade de produção de 240.000 toneladas de malte por ano, mas já prevê dobrar a capacidade nos próximos anos.
A nova maltaria é um dos fatores que aumentaram o apelo da cultura para os produtores, mas, por outro lado, muitos agricultores ainda têm receio de se dedicar a uma cultura exigente em termos técnicos. Como observou o produtor Tonon, variedade e manejo adequados são cruciais para que a safra dê bons resultados em termos de produtividade, qualidade e rentabilidade.
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As cooperativas identificaram essa lacuna, e instituições de pesquisa ligadas a elas têm trabalhado para desenvolver cultivares do grão mais resistentes a problemas climáticos, como a falta de chuvas. “Estamos entrando em uma nova era da cevada”, afirma Hebert Krupniski, supervisor agrícola da Castrolanda.
Krupniski faz menção à mais recente cultivar de cevada cervejeira da Fundação Agrária de Pesquisa Agropecuária (Fapa), instituição mantida pela Cooperativa Agrária. O lançamento da cultivar ocorreu em 2023, e o volume de utilização no ano passado ainda foi pequeno, mas ela deverá despontar em grande escala na safra 2025. Batizada de “princesa”, a variedade cumpre os critérios básicos para malteação e, segundo a Fapa, tem tido desempenho superior no campo.
A Fundação ABC, mantida pelas cooperativas Frísia, Castrolanda e Capal, também tem testado a nova cultivar para ver como ela se adapta ao microclima regional e, principalmente, para avaliar os ganhos de produtividade e o aumento da qualidade dos grãos que se consegue com a tecnologia.
A instituição já observou, por exemplo, que a princesa é bem menos suscetível a doenças do que variedades utilizadas antes na região. E já há uma nova cultivar em desenvolvimento, com previsão de lançamento comercial para a safra 2027.
Ralph Jobbins, gerente-executivo agrícola da Frísia, ressalta a importância da pesquisa e do desenvolvimento de novas variedades, um trabalho que, até agora, baseava-se nas cultivares europeias. “A cultura chegou a um nível de mais maturidade. Os materiais estão cada dia mais adaptados à realidade da região, e temos avanços no manejo fitossanitário, com aceleração de registros de novos produtos nos últimos cinco anos. Temos uma variedade com teto produtivo mais alto e produtos para fazer um manejo completo contra pragas”, diz.
“Hoje, a cevada tem vantagens agronômicas e econômicas.” Entre os cooperados da Frísia, a área de cultivo do cereal vai crescer 65% na safra 2025, quando passará de 20.000 hectares.
Para Tonon, que é cooperado da Castrolanda, a rentabilidade é um aspecto fundamental para que o produtor adote a cultura. “A cevada paga bem, os valores da premiação são melhores que os do trigo”, afirma. Outro apelo é o potencial produtivo, que é de 5% a 10% superior ao do trigo, observa Krupniski.
Em dez anos, os cooperados da Castrolanda tiveram produtividade média por hectare de 65,9 sacas com a cevada e de 59,6 sacas com o trigo. Além disso, em fevereiro deste ano, relata Krupniski, a prévia do preço de venda da cevada estava em R$ 1.760 a tonelada, e o do trigo, em R$ 1.350 por tonelada.
Dos 340 hectares de cultivo de sua fazenda paranaense, Tonon destina 280 hectares para culturas de inverno e coberturas verdes. Em 2024, a cevada ocupou 40 hectares, e o rendimento foi de 70 sacas, ou 4.200 quilos, por hectare. O rendimento ficou acima da média nacional, que foi de 3.561 quilos por hectare, e também da estadual, de 3.705 quilos por hectare.
“A cevada é mais resistente à geada. Com o trigo, o risco é maior. Mas ainda é preciso acertar a variedade e o manejo”, reforça. O produtor cultiva o cereal para repassar como semente, mas o padrão de classificação é o mesmo de quem produz para malte, com premiação e rentabilidade ainda maiores.
O Paraná assumiu a liderança na produção nacional de cevada em 2019, quando ultrapassou o Rio Grande do Sul, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). No ano passado, a Região Sul respondeu por 92% da colheita brasileira, que foi de 438.400 toneladas. O Paraná produziu 288.200 toneladas, e o Rio Grande do Sul, 115.000 toneladas.
Com sistema diferente de coleta de dados da Conab, o Departamento de Economia Rural do Paraná (Deral) indicou em abril uma área de 94.600 hectares plantados neste ano no estado, e uma produção 40% superior à de 2024, chegando a 413.800 toneladas.
Para Carlos Hugo Godinho, coordenador de conjuntura do Deral, a evolução do melhoramento genético da cevada não deverá se refletir em mudanças substanciais no volume de produção no curto prazo. “Deve ocorrer um aumento no futuro, tendo em vista o processo de adaptação das novas cultivares”, avalia.
A gramínea de inverno precisa de períodos frios para se desenvolver, o que faz do clima dos Campos Gerais e da região de Guarapuava (sede da Agrária), na área central do Paraná, o ideal para a cultura. A cooperativa também está investindo em uma nova maltaria em Guarapuava para a produção de maltes especiais. A indústria deverá entrar em operação em 2026.
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Para o produtor Pedro Basso, representante da terceira geração da família na produção de cevada no município de Muitos Capões, no Rio Grande do Sul, as melhorias no padrão genético do grão são fundamentais para o sucesso das safras que estão por vir. “O clima aqui está indefinido, o que vem restringindo o aumento de área”, afirma. Ele cultiva cerca de 400 hectares de cevada por ano, o que corresponde a 10% da área da propriedade, que tem 4.200 hectares.
Basso atesta que a cultura exige mais do produtor rural em termos de manejo. “Eu poderia ter uma área maior de cevada, mas essa ainda é uma cultura de risco”, pondera. A produção do grão na propriedade ocorre desde o fim da década de 1980. Na época, a Brahma comprava a matéria-prima, que hoje segue para a Ambev, a empresa que teve como origem a fusão entre as cervejarias Brahma e Antarctica.
As mais de três décadas de experiência com a cultura ficam evidentes nos resultados de produtividade, que, segundo o produtor, pode chegar a 100 sacas por hectare. “Aqui na região, temos um potencial de produtividade muito alto. Nos últimos cinco anos, a média foi de 75 sacas por hectare”, relata.
Basso acredita ser importante que o desenvolvimento de novas cultivares fique a cargo de instituições como a Embrapa. Para ele, o monopólio do setor privado pode acabar reduzindo o leque de opções para quem planta.
O agricultor deverá repetir a área de plantio em 2025, quando espera ter rendimento médio de 80 sacas por hectare. “A precificação está muito boa, em torno de 25% maior do que a do trigo”, diz. A principal vantagem da cultura, afirma, é a liquidez: o produtor planta, colhe, entrega e já recebe o pagamento. É mais uma vantagem comparativa: no caso do trigo, conta, é comum ter que aguardar um prazo para negociar com os moinhos.