O goiano Altair Oliveira está do outro lado do Atlântico há 38 anos. Em um momento em que muitos dos principais polos agrícolas do Brasil ainda estavam nascendo – a fundação de Sorriso (MT), a capital nacional da soja, por exemplo, ocorreu há 39 anos –, ele foi um dos primeiros produtores rurais brasileiros a apostar em Angola como nova fronteira de expansão da atividade agropecuária.
Houve algumas mudanças nas operações de Oliveira desde então, e, de 2022 para cá, ele se dedica exclusivamente à produção de milho, soja e feijão. Só o que não mudou foi sua decisão de seguir plantando no país.
O caminho que o produtor goiano trilhou quase quatro décadas atrás é o que outros tantos consideram fazer hoje em dia, atraídos por uma série recente de políticas de incentivo.
O governo angolano criou planos de estímulo à produção rural e quer atrair agricultores e pecuaristas de outros países para cultivar as terras da savana local para o país atingir a meta se se tornar autossuficiente na produção de alimentos em dez anos. Nos esforços para atrair capital e gente que entenda do ramo, o Brasil é um dos alvos prioritários.
Angola é um país jovem, com uma população igualmente de pouca idade, mas crescente. Segundo as projeções atuais, a população angolana deve dobrar até 2050, quando chegará a 70 milhões de pessoas.
Com essa perspectiva, o país colocou a segurança alimentar como prioridade para a próxima década, e isso passa necessariamente pela redução da dependência que hoje os angolanos têm de importações de alimentos. Atualmente, a produção local supre apenas 37% das necessidades de alimentos do mercado interno.
A atração de brasileiros não tem relação apenas com as heranças históricas em comum e o fato de o português ser a língua oficial dos dois países.
Hoje um dos maiores produtores de alimentos do mundo, o Brasil tornou-se referência em conhecimentos agronômicos e agricultura tropical, um trunfo particularmente valioso para Angola, que tem cerca de 30 milhões de hectares disponíveis para a atividade agrícola em áreas bastante similares ao Cerrado brasileiro em aspectos como solo, clima, relevo, altitude e recursos hídricos. “Podemos ter um salto grande e rápido em termos de aumento de área e de produtividade.
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Precisamos fazer alguns investimentos e atrair mais pessoas para a produção agrícola e a agroindústria. E precisamos também de muito mais produtores, de mais gente no campo para produzir”, diz Castro Camarada, secretário de Agricultura e Pecuária de Angola.
O principal item da agricultura local é o milho (a produção anual é de 3,3 milhões de toneladas), com o qual se produz o fubá, farinha que, por sua vez, é a base do preparo do funge, prato típico angolano. Ao todo, as lavouras do país ocupam cerca de 5 milhões de hectares, mas grande parte não conta com tecnologia adequada. As importações de alimentos beiram os US$ 3 bilhões anuais.
O foco é aumentar a produção de milho, trigo, soja e arroz, itens essenciais da cesta básica, relata o secretário.
Uma comitiva de produtores brasileiros visitou fazendas e projetos de polos agroindustriais no interior de Angola em maio. Os agricultores pediram aos angolanos a concessão de até 500.000 hectares de terras agricultáveis e o compromisso de segurança jurídica para os investimentos, com garantias claras para os aportes nas áreas que receberem, por meio de um acordo bilateral com o Brasil. A Globo Rural acompanhou a visita.
Os angolanos oferecem linhas de crédito de longo prazo a juros negativos – os empréstimos ficam a cargo de agentes financeiros locais –, cobertura de parte das garantias por fundo público e a concessão das áreas por 60 anos, renováveis. “Vai ser uma nova fronteira agrícola. No futuro, vai ter um bom retorno financeiro, e podemos deixar um legado”, diz Maikon Costa, jovem produtor que visitou Angola. “É um desafio muito palpável.”
Uma das principais demandas dos produtores brasileiros é a aprovação de um marco legal sobre a proteção de cultivares, a autorização para uso de transgênicos e a transferência de tecnologia. Há compromissos para a capacitação de produtores e mão de obra local, além de oferta de apoio à construção de agrovilas e da destinação de parcelas das áreas para a população local produzir.
O goiano Altair Oliveira diz que existem dificuldades com infraestrutura e custos de produção. Por outro lado, a energia barata facilita a irrigação. O maior desafio, conta, é a integração com a população nativa. “Qualquer um que for investir em Angola tem que dedicar uma área da fazenda para apoiar a população, que é muito carente”, afirma. “O primeiro nível de preocupação dessas pessoas é a alimentação e a sobrevivência.”
Recém-saída de uma guerra civil, que durou 27 anos dos seus 50 anos de independência, Angola ainda é um país em construção. E por isso há tantas oportunidades. “É um Mato Grosso há 50 anos. Existe muita oportunidade de construir uma vida lá”, diz Carlos Augustin, assessor especial do Ministério da Agricultura, que liderou a comitiva que visitou o país.
*O jornalista viajou a convite do Ministério da Agricultura