Um estudo inédito desenvolvido na Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCM-MG) busca compreender como o vírus Epstein-Barr (EBV) pode influenciar a evolução da esclerose múltipla (EM) em pacientes brasileiros.
A ciência aponta o vírus Epstein-Barr (EBV) como provável causador de uma variedade de problemas de saúde, entre elas a mononucleose infecciosa (também conhecida como “doença do beijo”)
Na pesquisa da FCM-MG, coordenada pela professora Juliana Santiago, especialista em esclerose múltipla, foi analisada a resposta imune de pessoas diagnosticadas com a doença e a presença de diferentes anticorpos contra o vírus.
“O vírus Epstein-Barr já foi fortemente relacionado à esclerose múltipla em estudos internacionais, especialmente após a descoberta do Professor Alberto Ascherio, que apontou o EBV como um dos principais gatilhos para a doença. Nosso objetivo é entender se esse mesmo padrão também se repete na população brasileira, considerando nossas especificidades genéticas e ambientais”, explica a professora Juliana.
O EBV pertence à família dos herpesvírus, a mesma do herpes labial e da catapora, e é muito comum. A maioria das pessoas entra em contato com ele em algum momento da vida, muitas vezes na infância ou adolescência, quando pode causar a mononucleose infecciosa, também conhecida como “doença do beijo”.
Em pessoas geneticamente predispostas, o vírus pode confundir o sistema imunológico e desencadear uma resposta inflamatória no sistema nervoso central, favorecendo o surgimento da esclerose múltipla.
O estudo “Avaliação do perfil de resposta humoral do vírus Epstein-Barr associado à atividade e progressão da esclerose múltipla” analisa amostras de sangue de pacientes com EM, buscando associações entre a presença do vírus, os tipos de anticorpos produzidos e a progressão da doença.
Segundo Juliana Santiago, a análise pode trazer insights importantes para pensar em estratégias preventivas no futuro: “Se confirmarmos o mesmo padrão encontrado em outros países, poderemos, por exemplo, avaliar a viabilidade de uma futura vacina contra o EBV como forma de reduzir o risco de desenvolvimento da EM em indivíduos predispostos.”
Para viabilizar a pesquisa, uma parceria com a empresa Euroimmun permitiu a importação de testes sorológicos da Alemanha. “Esses exames têm custo elevado e não estão amplamente disponíveis nos serviços públicos. A limitação de recursos financeiros ainda é um dos maiores obstáculos para o avanço de pesquisas como essa no Brasil”, destaca a pesquisadora.
Outro ponto fundamental para o desenvolvimento do estudo foi a parceria com a professora e orientadora Fernanda Ludolf, bióloga com pós-doutorado em biotecnologia e ampla experiência em pesquisa de bancada. “Nossa colaboração é marcada por uma complementaridade única. A Fernanda traz a excelência do laboratório, enquanto eu contribuo com o olhar clínico da Neurologia. Essa integração fortalece a qualidade do nosso trabalho e nos permite avançar em uma linha de pesquisa multidisciplinar e consistente”, comenta Juliana. “Compartilhamos não apenas conhecimento técnico, mas também a paixão pela ciência e pelo impacto que ela pode ter na vida das pessoas.”
A pesquisa da FCM-MG ganha ainda mais relevância no contexto atual, em que a ciência brasileira busca produzir dados próprios com base na realidade nacional. “Estamos construindo conhecimento sobre a nossa população, e isso é essencial para pensar políticas públicas, estratégias de prevenção e decisões clínicas mais adequadas à nossa realidade”, completa Juliana Santiago.
Atualmente, estima-se que cerca de 40 mil brasileiros convivam com esclerose múltipla. Apesar desse número, ainda há escassez de estudos epidemiológicos de longo prazo no país. Portanto, iniciativas como a da FCM-MG são fundamentais para preencher essa lacuna e fortalecer a produção científica brasileira com base em evidências locais.