A Polícia Civil do Tocantins (PC-TO), por intermédio da 2ª Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher e Vulneráveis (Deamv – Augustinópolis), encerrou nesta quarta-feira, 23, às investigações sobre um crime de tentativa de feminicídio ocorrido no último dia 14, em Augustinópolis, e indiciou R.R.S., 35 anos, como autor.
Esse é o primeiro inquérito policial concluído no Tocantins após as recentes alterações legislativas introduzidas pela Lei nº 14.994/2024.
O delegado Jacson Wutke destaca que com a entrada em vigor do “Pacote Antifeminicídio”, o Código Penal passou a tipificar o feminicídio como crime autônomo, elevando substancialmente a sua pena. A lei entrou em vigor apenas quatro dias antes da ocorrência do crime investigado pela Polícia Civil em Augustinópolis. A pena passou a ser de 20 a 40 anos de prisão, maior do que a incidente sobre o crime de homicídio qualificado (12 a 30 anos).
O crime
No dia 14 de outubro, às 15h30, R.R.S. estava ingerindo bebida alcoólica em um bar, no bairro Santa Rita, em Augustinópolis, quando em determinado momento, passou a fornecer, por um certo tempo, bebidas alcoólicas para uma adolescente de 14 anos. De forma ininterrupta, o autor tentou se envolver com a menor, mas não foi correspondido, uma vez que a vítima se mostrava desinteressada.
Nesse ínterim, enquanto o autor continuava a fornecer gratuitamente bebida alcoólica à menor, chegaram outros rapazes ao local. A menor, até então desinteressada em ter algo com o indiciado, mostrou-se interessada em interagir com os recém-chegados.
Assim que a vítima se levantou da mesa em que estava para se dirigir aos rapazes, R.R.S., repentinamente, puxou uma faca da cintura e a atingiu gravemente na região abdominal. O autor só não conseguiu prosseguir nos golpes, pois foi impedido pelos presentes. A vítima, imediatamente socorrida, foi encaminhada ao Hospital Regional de Augustinópolis, onde permanece internada.
Investigação
O delegado Jacson Wutke, responsável pelas investigações, destaca que o crime de feminicídio pressupõe dois requisitos alternativos: (a) a violência doméstica ou familiar contra a mulher; ou (b) a motivação de gênero, caracterizada por menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Portanto, não é necessário que haja um cenário de abuso ou violência intrafamiliar. Em essência, configura-se o feminicídio sempre que estiver evidenciada a morte de uma mulher em razão de seu gênero, ou seja, pelo simples fato de ser mulher.
“No caso concreto, é evidente o menosprezo e a discriminação à condição de mulher, pois primeiro, houve a expectativa de retribuição sexual, unilateralmente criada pelo autor, baseada na ideia de entrega de bens materiais (no caso, bebida alcoólica) em troca de benefício sexual, revelando assim, a objetificação feminina, ou seja, quando a mulher é reduzida à condição de propriedade ou objeto de uso do homem. Segundo, a violência demonstrada no caso se configurou claramente como um verdadeiro ato de punição pelo exercício da vontade e autonomia feminina. Por fim, o comportamento do autor reforça a discriminação de gênero, na qual as mulheres são vistas como seres subjugados, que devem obedecer aos desejos masculinos, sob pena de serem punidas com violência”, explica a autoridade policial.
Preso em flagrante no dia dos fatos, R.R.S. foi indiciado pela Polícia Civil como incurso nas penas dos crimes de tentativa de feminicídio majorado e fornecimento de bebida alcoólica para crianças ou adolescentes. Somadas, as penas máximas podem chegar a 38 anos de prisão.
Pacote Antifeminicídio
O Delegado Jacson Wutke esclarece que as recentes alterações legislativas introduzidas pela Lei nº 14.994/2024, conhecidas como o “Pacote Antifeminicídio”, representam um marco no combate à violência contra a mulher no Brasil. “Com a tipificação do feminicídio como crime autônomo e o aumento substancial da pena, a legislação passou a refletir de maneira mais rigorosa a gravidade desses crimes, reforçando a proteção das mulheres e a responsabilização dos agressores. A pena de 20 a 40 anos de prisão, mais elevada do que a prevista para o homicídio qualificado, visa não apenas punir de forma proporcional, mas também inibir a recorrência desse tipo de violência odiosa”, afirma o delegado.
Além do impacto punitivo, a nova lei traz um forte componente simbólico ao reconhecer que o feminicídio é um crime específico, motivado pelo menosprezo e discriminação de gênero — e não apenas um homicídio comum. “Embora as mudanças na legislação sejam um passo importante, é essencial que a aplicação das leis seja acompanhada de ações contínuas de prevenção e educação, visando mudar a cultura de violência contra a mulher que persiste no país. O pacote legislativo é parte de um esforço mais amplo para garantir que crimes contra as mulheres sejam investigados com a devida prioridade e severidade, minimizando a impunidade. Este é apenas o primeiro caso de tentativa de feminicídio registrado no Tocantins após as mudanças legislativas, mas a expectativa é de que, com o fortalecimento da lei e o trabalho integrado das forças de segurança e da sociedade, possamos reduzir a incidência de crimes dessa natureza”, concluiu o delegado.