As mulheres dedicam quase o dobro de horas às tarefas domésticas e/ou cuidados de pessoas em comparação com os homens. É o que revela o estudo “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, divulgado pelo IBGE em 2024. Segundo os dados, elas consomem 21,3 horas semanais nos afazeres do lar contra 11,7 horas dos homens. O panorama desigual reforça uma crença ainda presente na sociedade brasileira: a de que cuidar é uma atribuição essencialmente feminina, especialmente no que diz respeito à criação dos filhos.
“A desigualdade na divisão das responsabilidades parentais no Brasil tem raízes culturais profundas. A sociedade ainda carrega padrões patriarcais que colocam a mulher no papel de cuidadora principal do lar e dos filhos, enquanto o homem é visto como provedor. Mesmo com avanços nas pautas de igualdade de gênero, a expectativa social e os julgamentos silenciosos recaem sobre a mãe, que muitas vezes se sente pressionada a ‘dar conta de tudo’”, reflete Fernanda Teles, psicóloga, educadora parental e sócia-diretora do Seminário Internacional de Mães.
De acordo com a psicóloga, o desequilíbrio na divisão dos cuidados parentais gera consequências profundas para as mulheres e o desenvolvimento dos filhos. “Quando a mãe é sobrecarregada, ela tende a viver em constante estado de exaustão física e emocional, o que afeta diretamente sua saúde mental, autoestima e a capacidade de se realizar profissionalmente. Essa sobrecarga também compromete a qualidade da presença com os filhos — presença que a parentalidade positiva valoriza como mais importante do que quantidade. Para os filhos, a falta de envolvimento paterno pode gerar um modelo afetivo limitado, dificultando o desenvolvimento da empatia e da autorresponsabilidade. Já a relação com o pai se torna distante, o que empobrece os vínculos afetivos e a percepção da criança sobre o papel masculino na família”, alerta.
A parentalidade consciente propõe a desconstrução desses papéis com empatia e diálogo honesto e vulnerável entre os parceiros, como explica Fernanda Teles. “A equidade começa na consciência da corresponsabilidade. É fundamental que os parceiros compreendam que educar é uma tarefa compartilhada, que exige presença emocional, disposição para aprender e compromisso com o bem-estar da criança”, afirma.
A educadora parental ressalta que a mudança também precisa chegar às políticas públicas e ao ambiente de trabalho, a exemplo da equiparação da licença-paternidade. “Os primeiros meses de vida da criança são cruciais para a criação de vínculos afetivos e para que os pais aprendam juntos a cuidar. Quando o pai tem a oportunidade de estar presente desde o início, ele se sente mais confiante, conectado e comprometido com o cuidado diário, o que impacta positivamente na dinâmica familiar. Além disso, a equiparação promove igualdade no ambiente de trabalho, diminuindo o estigma sobre a contratação de mulheres em idade fértil”, pontua.
Na prática, algumas estratégias simples ajudam a equilibrar as funções: “reuniões familiares semanais para alinhar tarefas e ouvir todos os membros; distribuição equitativa das responsabilidades, levando em conta talentos e disponibilidade, mas evitando sobrecarga de uma das partes; formação contínua, como cursos e rodas de conversa sobre parentalidade, ajudando ambos os cuidadores a crescerem juntos nessa jornada”, descreve Fernanda Teles.
Modo de ação
Para Fernanda Teles, a sociedade contemporânea exige que a mulher esteja constantemente em modo de ação, controle e desempenho, características associadas à energia do masculino. “Esse estado contínuo de fazer, resolver e sustentar tudo sozinha desconecta a mulher de sua essência, criatividade, intuição e capacidade de nutrir, inclusive a si mesma. Quando a mulher se afasta de quem é em sua totalidade, ela adoece emocionalmente, se culpa por não dar conta e vive em constante sensação de inadequação. É como se estivesse sempre correndo, mas sem saber exatamente para onde. O reencontro com sua essência passa por desacelerar, criar espaços de escuta interna e permitir-se acessar suas forças genuínas: sensibilidade, empatia, acolhimento, presença”, observa.
Em seu projeto “Jardim Secreto”, a psicóloga oferece ferramentas práticas para ajudar as mulheres a planejar metas e realizar sonhos sem se sobrecarregar. “Acreditamos que a mulher precisa ser lembrada de que não precisa fazer tudo sozinha. Ela merece e pode viver em equilíbrio, com apoio, afeto e autenticidade. Para isso, é urgente resgatar uma nova forma de viver: menos cobrança, mais verdade. Menos força para resistir, mais força para florescer”, conclui.